PRR Indústria 4.0: quando o mérito fica à porta e o relógio decide quem ganha


O mais recente concurso do PRR Indústria 4.0 voltou a expor um problema estrutural na forma como o país gere os incentivos ao investimento empresarial.
Mais de 80% do investimento planeado pelas empresas ficou sem apoio. Não por falta de qualidade, inovação ou impacto económico. Mas porque o orçamento esgotou em minutos e o critério de selecção foi… a ordem de chegada.
Sim, leu bem: não foi o mérito que contou, foi o cronómetro.
A “corrida” que descredibiliza o sistema
O processo foi digno de uma comédia burocrática.
Empresas e consultores prepararam durante meses candidaturas sólidas e alinhadas com os objectivos do PRR;
No momento da abertura, quem clicou primeiro ganhou; quem submeteu segundos depois viu a sua candidatura bloqueada por falta de verba.
Fala-se de centenas de projectos estruturantes, prontos para reforçar a competitividade, digitalização e modernização da indústria nacional, que ficaram pelo caminho por um detalhe de segundos.
E a dúvida permanece: todos tiveram igualdade de acesso à informação sobre o momento de abertura? Ou continuamos a assistir a “campismos digitais” de quem, por sorte ou por privilégio, entra primeiro e leva tudo?
O preço de desperdiçar talento e investimento
Estima-se que mais de 200 milhões de euros em investimento privado fiquem por concretizar, correspondentes a cerca de 160 milhões de euros em fundos comunitários que poderiam ser mobilizados para a economia.
Num país que arrisca perder verbas por falta de execução, é irónico que projectos válidos fiquem bloqueados por uma corrida ao clique.
É tempo de mudar
O modelo actual penaliza o mérito e fragiliza a confiança das empresas no sistema de incentivos. É urgente:
- Garantir datas e horários de abertura claros e equitativos;
- Criar períodos de pré-registo que assegurem igualdade de oportunidades;
- Reforçar o orçamento quando existam candidaturas válidas que gerem impacto económico comprovado.
Porque quando o mérito fica à porta e o relógio decide o futuro dos investimentos, o que está em causa não é apenas a justiça — é a credibilidade de todo o sistema.