Morreu Garcia dos Santos, o militar de Abril que lutou contra a corrupção e foi travado

O general Amadeu Garcia dos Santos, ex-chefe de Estado-maior do Exército, morreu esta sexta-feira em casa.
“O Exército está de luto por ter deixado de contar com um dos seus mais notáveis soldados. A sua vida e o seu legado justificam um profundo reconhecimento e perene respeito pela sua memória, constituindo factor de motivação e orgulho para todos os que servem nesta secular instituição”, afirma o Exército, em comunicado. O velório terá lugar no domingo, na Capela da Academia Militar, em Lisboa, a partir das 16 horas. O cortejo fúnebre seguirá para o Cemitério do Alto de São João, na segunda-feira, onde o corpo será cremado às 13h.
Garcia dos Santos, de 89 anos, participou no golpe militar de 25 de Abril de 1974, tendo sido responsável pelas transmissões no Quartel da Pontinha. “Na altura, eu tinha 38 anos e tudo se passou a nível de capitães, gente à volta dos 30 anos. Como é que eu contactei com eles? Eles já tinham na altura um grupo chamado ‘movimento dos capitães‘ que fazia reuniões e discutia os problemas, etc, etc. Um dia perguntaram-me se eu queria participar numa dessas reuniões com os capitães. ‘Tenho muito gosto nisso, muito prazer.’ Comecei a assistir às reuniões que ele faziam. Sobretudo discutiam sobre o seu estatuto político e militar”, explicou em entrevista ao PÚBLICO, em 2023.
Foi chefe da Casa Militar do presidente da República António Ramalho Eanes e chefe do Estado-maior do Exército entre 1982 e 1983.
No final dos anos 90, foi nomeado pelo então primeiro-ministro António Guterres presidente da Junta Autónoma de Estradas (JAE), tendo denunciado em 1998 corrupção naquele organismo, numa das maiores polémicas dos tempos do guterrismo. Considerou anos mais tarde que nunca houve vontade política de levar avante as investigações judiciais, queixando-se de ter sido “travado”.
Os “problemas passavam pela forma como se lançavam e realizavam as obras” e a corrupção sentia-se “através de projectos mal feitos e mal conduzidos”, que se “fazia propositadamente para que determinada empresa ganhasse, sabendo onde está o erro no ante-projecto”, contou. Na altura, queixou-se que tanto Guterres como o procurador-geral da República, Cunha Rodrigues, não quiseram ouvir as suas denúncias.
Frontal nas suas declarações e atitudes, recusou apertar a mão a Cavaco Silva na cerimónia dos 40 anos do 25 de Abril e depois disso demitiu-se do Conselho das Ordens Nacionais, de que fazia parte por convite do então Presidente da República. Em declarações ao Observador, diria que tinha que ser coerente. “Como me insurgi contra ele e como estou num cargo que depende dele, achei que não posso ser incoerente”, explicou, considerando que Cavaco Silva “é o principal culpado pela situação do país”.
Num almoço comemorativo dos 40 anos do 25 de Abril, na sede da Associação 25 de Abril, o general tinha afirmado que “Portugal anda sem rumo” e acusou Cavaco de ser “um cobarde e uma nulidade completa”. Lembrando o percurso académico e político de Cavaco Silva, Garcia dos Santos defendeu ainda que o Presidente “sabia perfeitamente como devia pôr cobro à situação que o país atravessa”: há cinco anos “devia ter dado dois murros na mesa” e chamado os partidos para se entenderem a fim de resolver os problemas do país.
