ADSE discrimina psicólogos e penaliza utentes: um retrocesso inaceitável

Recentemente deparei-me com uma alteração das regras da ADSE para as consultas de psicologia clínica e apercebi-me de que a mesma impõe um grave entrave ao acesso a estas consultas. Apesar de as notícias e a própria ADSE referirem que a nova tabela pretende dar uma resposta melhor a quem procura consultas, a verdade é que esta alteração camufla o que realmente acontece. Após uma longa troca de emails com a ADSE, que sempre responde de forma pouco clara e imprecisa, foi-nos dito que, agora, apenas psicólogos com a especialidade em Psicologia Clínica e da Saúde poderão prestar este serviço aos beneficiários da ADSE.
Esta decisão exclui inúmeros profissionais altamente qualificados e prejudica diretamente os utentes, que verão reduzida a sua possibilidade de acesso a cuidados psicológicos. Se tal não bastasse, levanta uma questão preocupante: o que acontecerá aos utentes que já estavam a ser acompanhados por psicólogos sem esta especialidade? Serão forçados a interromper os seus tratamentos e a procurar novos profissionais, com todas as dificuldades que isso acarreta? Será que quem cria estas regras coloca a pessoa no centro da sua preocupação? Não me parece! E isso também é, por si mesmo, preocupante. Presumo que isto se tenha modificado com as novas regras, porque tenho colegas que não têm especialidade, mas que tinham convenção com a ADSE. Ora, se a regra fosse já antiga, a ADSE nunca teria permitido esta vinculação.
Esta medida terá um impacto negativo não apenas nos utentes, mas também em muitos colegas psicólogos que, apesar de não terem a especialidade específica exigida pela ADSE, sempre exerceram a sua prática com competência e rigor. Muitos destes profissionais perderão uma fatia significativa de utentes que, sem o apoio da ADSE, não terão capacidade financeira para continuar os seus tratamentos. Esta decisão, em vez de melhorar o acesso à saúde mental, promove uma elitização do serviço, onde apenas alguns psicólogos poderão atender os beneficiários da ADSE, enquanto outros ficarão sem pacientes que dependiam do regime convencionado para manter um acompanhamento psicológico profissional.
Portanto, o que a ADSE fez foi adoptar uma tática que serve, única e exclusivamente, de camuflagem. De facto, por um lado a ADSE faz um comunicado em que refere o “empenho permanente da ADSE I.P. na garantia de acesso a cuidados de saúde mais inovadores, vantajosos e equitativos, mesmo em momentos de maior desafio”, mas, na verdade, limita o acesso aos doentes ao obrigar os profissionais a terem especialidade. Com os preços que a ADSE paga aos profissionais de saúde, dificilmente um psicólogo já com especialidade irá aceitar ter convenção. A exigência imposta pela ADSE não tem fundamento técnico e muito menos ético. A Ordem dos Psicólogos Portugueses não restringe a prática da psicologia clínica a quem detém uma especialidade em particular, reconhecendo a qualificação dos psicólogos para a prestação destes serviços. Com esta medida, a ADSE cria mais uma barreira que penaliza os profissionais e limita injustificadamente a escolha dos beneficiários, forçando-os a desistir de consultas ou a ter uma menor oferta de consultas a preços acessíveis.
Além disso, a decisão levanta sérias dúvidas sobre o favorecimento de um grupo restrito de profissionais em detrimento de muitos outros igualmente competentes. A ADSE, cujo propósito deveria ser facilitar o acesso a cuidados de saúde (como apregoa), parece mais preocupada em impor restrições do que em garantir a equidade e acessibilidade dos serviços. Esta imposição parece apenas mais uma salvaguarda para que menos apoios sejam dados. Os beneficiários da ADSE e a classe profissional dos psicólogos não podem aceitar esta medida passivamente. Exige-se transparência e uma justificação clara para esta decisão, bem como uma revisão urgente da regra. A saúde mental não pode ser objeto de limitações que prejudicam aqueles que mais necessitam de apoio.
Apelo aos beneficiários da ADSE, aos psicólogos e às entidades reguladoras que se manifestem contra esta injustiça. O acesso à psicologia clínica deve continuar a ser garantido de forma ampla e equitativa, sem entraves que apenas dificultam a vida de quem procura apoio especializado.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico
