A minha Moral é Superior à tua (2)

1 Sou liberal e de direita. Estas reflexões – a minha moral é superior à tua – resultam de preocupações sobre o confronto entre morais e as consequências da opção populista e religiosa da direita.

Devido aos seus receios de perda de identidade, a esquerda optou por permanecer no limbo. Por isso, não vale a pena perder tempo. Com Marx a esquerda optou pela crença e por uma suposta superioridade moral. Desde então, as diferenças não passam de meros facelifts que não acrescentaram nada. Na essência, a esquerda faz sempre a mesma coisa. Os novos temas não passam de mais uma vã tentativa de recuperação da utopia marxista pela instrumentalizando a superioridade moral. Seja em que país for. Em Portugal, também, presentemente com Rui Tavares como principal tele-evangelista.

Como a dita superioridade moral da esquerda não tem valor, nem fundamento, e falha sempre, a promoção da superioridade moral da direita irá resultar? Uma coisa é certa. Tal como no passado, as verdadeiras vítimas já estão a ser a verdade, a liberdade e a democracia. Para além do revisionismo histórico da esquerda, agora também temos a relativização populista da direita.

2 Hannah Arendt, no seu texto de 1967, “Truth and Politics“, afirmou que “a marca distintiva da verdade de facto está em que o seu contrário não é nem o erro nem a ilusão, nem a opinião, nenhuma delas tendo a ver com a boa-fé pessoal, mas a falsidade deliberada ou a mentira”.

A verdade e a política nunca tiveram boas relações. Ao longo da História, a mentira foi encarada como um instrumento necessário, por vezes até legítimo, na gestão dos assuntos públicos. Em certos contextos – desde que não sirva interesses pessoais ou partidários – pode revelar-se inevitável. No entanto, como regra geral, é moralmente inaceitável. Lamentavelmente, para além da mentira, enfrentamos hoje a desinformação, que parece ter-se tornado o modus vivendi habitual da direita.

Antes de discutir as implicações da mentira e da desinformação, importa sublinhar que o comportamento e os processos mentais resultam sempre de uma escolha individual. Essa escolha pode, posteriormente, ser adoptada por um grupo, sendo bastante provável que o exemplo do líder estimule e amplifique essa conduta.

Ninguém é 100% moral ou verdadeiro – essa perfeição está vedada pela própria natureza e pela condição humana. Até por amor se mente. Mas creio que todos somos, inevitavelmente, 100% humanos. Por isso, o que nos distingue é a decência e a capacidade de aprender com os erros. Optar pela mentira afasta-nos dos factos que compõem a realidade e empurra-nos para narrativas ilusórias. É essencial distinguir entre um sonho e uma ilusão. Entre ambos há uma distinção de substância.

Vivemos na realidade – e é ela que sofre com as decisões dos nossos políticos e governos. Quando praticada por políticos, a mentira ganha uma gravidade e impacto muito maiores. É comum que moldem factos e narrativas conforme os seus interesses pessoais ou partidários, mas deturpar a verdade nunca serve o bem público.

Hoje, o discurso político está infestado de falsidades, falácias, desinformação e retóricas moldadas à conveniência – que depois são amplamente disseminadas e normalizadas. Esta distorção da verdade prejudica a democracia e mina a confiança dos cidadãos, que acabam por ser os principais lesados pelas manipulações dos seus representantes. O Chega é o partido que o faz.

3 A direita e o conservadorismo tiveram um fulgor renovado com Margareth Thatcher, Ronald Reagan e George H. W. Bush.

Margareth Thatcher – conservadora primeiro, liberal depois – foi efectivamente uma pessoa de convicções. Basta, por exemplo, recordar que se opôs à posição do Partido Conservador quando este queria restaurar a sova como um castigo corporal judicial (1961), apoiou a manutenção da pena de morte e a rigidez das leis do divórcio. Porém, também apoiou a descriminalização da homossexualidade masculina e a legalização do aborto até a 28ª semana de gestação.

Thatcher abandonou a habitual política económica dos conservadores introduzindo e acentuando práticas mais liberais. Rompeu com o tradicional apoio dos conservadores à indústria e modernizou a economia britânica tendo sido capaz que atrair votantes trabalhistas.

Esta nova renascença da direita foi muito bem exposta por Thatcher na sua comunicação à Sociedade Económica de Zurique (1977), definindo como sociedade moral uma sociedade onde as pessoas podiam ser livres para fazer escolhas, cometer erros, ser generosas e compassivas – “We want a society where people are free to make choices, to make mistakes, to be generous and compassionate. This is what we mean by a moral society; not a society where the state is responsible for everything, and no one is responsible for the state.” Ora, hoje, a direita populista e religiosa não defendem nada disto.

A presidência de Reagan coincidiu com a ascensão da Nova Direita – uma coligação de activistas conservadores, líderes religiosos e figuras anti-establishment. A sua retórica e políticas – cortes fiscais, desregulamentação, forte anticomunismo e defesa dos valores tradicionais – ressoaram junto de grupos de extrema-direita, como a Maioria Moral e os primeiros movimentos libertários.

Reagan conquistou o apoio dos cristãos evangélicos, que se tornaram uma base fundamental do Partido Republicano, através da sua oposição ao aborto e da defesa da oração nas escolas. No entanto, o seu pragmatismo político por vezes frustrou a extrema-direita.

George H. W. Bush herdou a coligação construída por Reagan, mas enfrentou tensões mais acentuadas com a extrema-direita. A sua inclinação para o centro e para o bipartidarismo alienou tanto conservadores como populistas religiosos.

Figuras como Pat Buchanan e Newt Gingrich, que originaram movimentos posteriores como o Tea Party e o trumpismo, resultaram das tensões que foram acumuladas nas presidências de Reagan e de Bush, Sr. Porém, é de salientar que nenhum dos dois cedeu ao purismo ideológico da extrema-direita (a tabela seguinte sumariza os temas)

4 Reagan e Bush, Sr., mantiveram a linha de política externa norte-americana que vinha o fim da segunda guerra mundial e venceram a URSS. A defesa do comércio livre ajudou a esse fim. Nenhum dos dois toleraria ou aceitaria o que Putin fez na Geórgia, Crimeia e Ucrânia.

Não obstante oporem-se ao financiamento público do aborto, não se opuseram aos direitos ao aborto. A distinção era simples: o aborto não era uma questão pública e muito menos de política pública, mas antes de consciência individual e privada.

Por fim, ambos defenderam a secularização do Estado.

Aconselho a visualizarem o elogio fúnebre de Alan K. Simpson a George H. W. Bush. Pode ajudar a ver as diferenças com a direita contemporânea. Tal como estas palavras o farão: “He often said, when the really tough choices come, it’s the country, not me. It’s not about Democrats or Republicans; it’s for our country that I fought for.”

A direita conversadora e liberal que descrevi acima já não existe. Agora, há o moralismo religioso e populista, aliado aos interesses pessoais. E a superioridade moral da direita exige e impõe uma conduta de vida sem pecado.

Não surpreendentemente, tal como no passado, este tipo de moralistas não são exemplares. Costumam ser condenados por ocultação, abuso tráfico e turismo sexual de crianças, violação e sodomia de menores e até incesto. Dennis Hastert, Ralph Shortey, Tim Nolan, Ray Holmberg, Bradley Wayne Dixon, Charles Adcock e Joel Koskan são apenas alguns exemplos.

A pornografia da fome: como o Hamas e a ONU nos enganam

A última grande campanha do Hamas para procurar sobreviver não se faz com foguetes, mas com imagens de crianças famintas. A pornografia da fome é uma das mais eficazes armas do terrorismo jihadista: manipula emoções, distorce percepções e transforma cada telejornal ocidental em caixa de ressonância da propaganda islamista.

Todos os dias, imagens e vídeos cuidadosamente encenados, com cortes e ângulos escolhidos a dedo, são distribuídos por agências noticiosas e replicados em televisões e jornais. As manchetes são sempre as mesmas: “A ONU confirma”, “a OMS alerta”, “o Ministério da Saúde de Gaza denuncia”. Por vezes nem isso e a notícia é dada como se fosse verdade apenas por ser anunciada.

Mas quem é “a ONU”? O público não questiona, porque confia nas siglas, de algum modo imagina que se trata de gente angelical e neutra, vestida de azul e cheia de boas intenções. O problema é que, em Gaza, esses “funcionários da ONU” não são neutros nem independentes. São palestinianos que vivem sob o domínio do Hamas, obedecem ao Hamas, e, em muitos casos, são o Hamas. Por isso é que estão vivos!

A máquina de propaganda funciona com precisão. Não há jornalistas estrangeiros a operar livremente na Faixa de Gaza. Todos os “repórteres” de que dependem meios como a BBC, a Reuters, a France Press ou a Al Jazeera estão sob a alçada directa do Hamas. Tudo o que dali sai tem a concordância do Hamas que aliás produz mesmo imagens e vídeos, como está largamente documentado. Nenhuma imagem de jihadistas mortos ou feridos é publicada. Não há registo de depósitos de armas escondidos em escolas, hospitais ou mesquitas. Os que há vêm de imagens feitas pelas tropas israelitas e são rapidamente atiradas para o oblívio. Tudo o que o Ocidente vê é a versão editada e aprovada pelo Hamas. Uma narrativa fabricada para emocionar e indignar. E a cada imagem, verdadeira ou falsa, de uma criança ferida ou de um prédio destruído, as redações ocidentais, com o seu misto de ignorância e antissemitismo larvar, disparam acusações automáticas contra Israel.

É crucial recordar o ponto de partida: o Hamas atacou Israel com um objectivo declarado e inegável: Matar judeus, sequestrar civis, torturar, aterrorizar. O que aconteceu a 7 de outubro não foi uma operação militar, foi uma matança deliberada, um pogrom do século XXI. Um genocídio em toda a regra!

Os líderes do Hamas sabiam que não iam destruir Israel com esse ataque e que a resposta israelita seria implacável. Contavam com isso. Era esse o seu plano.

A sua estratégia sempre foi usar os corpos dos próprios civis como escudos humanos e munição mediática. Sabiam que quanto mais mortos fossem exibidos, reais ou inventados, maior seria a pressão internacional para forçar Israel a parar. Sabiam que as capitais europeias, com as suas multidões agitadas e governos tímidos, são o terreno perfeito para esta chantagem emocional. E que se Israel não parasse, como era provável, dada a enormidade do acto terrorista, seria cada vez maior o isolamento do estado judaico, possíveis boicotes e sanções, enfim a paulatina asfixia do país.  Destruir Israel é, como todos sabem, o seu verdadeiro objectivo e não o escondem.

A ONU e muitas ONG’s desempenham aqui um papel vergonhoso. Organismos como a UNRWA, cujos funcionários são 99% palestinianos e está infiltrada até à medula por militantes e simpatizantes do Hamas, distribuem não apenas ajuda humanitária, mas também a ideologia e a malha de controle do grupo terrorista. A ONU, através das declarações dos seus representantes, como o Eng.º Guterres, Lazzarini, ou Francesca Albanese, nunca escondeu a sua parcialidade. Estes altos funcionários não chegaram aos cargos por serem modelos de imparcialidade ou competência. Foram eleitos com o voto massivo de países muçulmanos ou aliados desses regimes, muitas vezes comprados com petrodólares, tal como o Qatar comprou o Mundial de 2022. A mesma lógica de corrupção e submissão geopolítica alimenta a cumplicidade com o Hamas.

A chamada “fome em Gaza” é a última grande narrativa fabricada. A ajuda humanitária enviada para a Faixa pela “ONU”, não desaparece por milagre. É apropriada pelo Hamas, revendida no mercado negro, usada como moeda de troca política. Depoimentos de civis palestinianos e investigações independentes mostram que camiões da ONU são desviados amigavelmente por homens armados do Hamas. Os armazéns são controlados pelo grupo terrorista, que vende alimentos e medicamentos a preços inflacionados, enquanto os seus colaboradores e funcionários da ONU (palestinianos que lhe obedecem) fecham os olhos e continuam a culpar Israel por uma “crise humanitária” que eles  próprios perpetuam. Quem tentar romper este esquema é punido, a maioria das vezes com a morte. Há registos objectivos de palestinianos baleados por tentarem aceder a comida sem permissão do Hamas, ou por colaborarem com organizações que tentam distribuir ajuda fora da teia jihadista.

É esta dinâmica que o Ocidente se recusa a ver. Não é apenas ignorância; há uma ânsia de culpar Israel a todo o custo, um vício quase cultural em apontar o dedo ao judeu.

Líderes ocidentais, especialmente na Europa, continuam a emitir declarações “equilibradas”, sempre com uma condenação a Israel, como se a democracia israelita e uma organização terrorista estivessem no mesmo plano moral. Esta postura “salomónica” é, na verdade, cobardia travestida de diplomacia. Por detrás dela há uma realidade simples: os países muçulmanos são dezenas, Israel é só um. Os judeus são meia dúzia de gatos pingados, os muçulmanos são mais de 2 mil milhões, 25 % da população do planeta. Nos subúrbios das grandes cidades europeias, os imigrantes islâmicos já são uma força demográfica capaz de intimidar governos e condicionar políticas públicas. É mais fácil culpar Israel do que enfrentar motins e atentados em Paris, Bruxelas, Madrid ou Berlim. E o dinheiro do petróleo e do gáz financia hoje jornais, televisões, empresas, clubes de futebol, pessoas e universidades em todo o Ocidente. As contrapartidas são inevitáveis.

Entretanto, Israel continua a guerra a que foi obrigado, tentando agora tirar a água ao peixe, ou seja, a população ao Hamas. A estratégia é dura, mas não nova. A contra-guerrilha britânica na Malásia e as operações portuguesas em África seguiram um princípio semelhante: separar a população civil dos insurgentes, retirar-lhes a “água” em que o peixe nada. Gaza, porém, é um caso extremo. O Hamas fez da população o seu escudo, combatendo em bairros residenciais, usando escolas e hospitais como depósitos de armas e centros de comando. Cada operação israelita, por mais cuidadosa que seja, gera inevitavelmente vítimas civis, e é precisamente isso que o Hamas procura. É o seu modelo de negócio: transformar cada combate num cadáver civil e cada cadáver num comunicado de imprensa. Quantos mais cadáveres, reais ou inventados, mais o Hamas lucra.

O mais revoltante é que, quando os delirantes números fabricados pelo Hamas chegam aos jornais europeus, não há qualquer aviso ou nota crítica. O “Ministério da Saúde de Gaza”, o Hamas, é citado como se fosse uma entidade neutra, credível e independente. É como se, nos anos 40, a imprensa ocidental publicasse comunicados do Ministério da Propaganda de Goebbels sem qualquer filtro. A diferença é que agora essa propaganda tem o selo azul da ONU e o carimbo de ONG’s como a Médicos Sem Fronteiras, cujos relatórios são baseados em “testemunhos” fornecidos pelo Hamas.

A indignação ocidental, alimentada por estas mentiras, é vergonhosa. Marchas “pela Palestina” percorrem capitais europeias com cartazes a pedir o fim de Israel, muitas vezes acompanhadas de bandeiras do Hamas e slogans abertamente antissemitas. A linha entre “solidariedade com Gaza” e ódio aos judeus desapareceu há muito. As democracias que hoje se comovem com as imagens que o Hamas produz sobre a “fome em Gaza”, são as mesmas que, há oitenta anos, fecharam as portas a refugiados judeus ou os enviaram de volta para os campos de extermínio. Nada muda quando a moralidade é ditada pela cobardia e pela propaganda.

A verdade incómoda é que a crise humanitária em Gaza não é sequer um “efeito colateral” da guerra; é uma estratégia deliberada do Hamas. Sem a cumplicidade da ONU e a ingenuidade do Ocidente, este método já teria falhado. Mas enquanto houver jornalistas dispostos a repetir, sem verificação, os números e imagens do Hamas, e enquanto houver líderes europeus mais preocupados com votos em subúrbios islâmicos do que com a verdade, o terrorismo continuará a vencer no campo da opinião pública.

Israel aprendeu há muito que não pode confiar na boa vontade do mundo, porque a sua sobrevivência depende disso. Mas está a perder no campo das percepções, da propaganda e do ódio.

Para Israel cada cadáver é uma vida. Para o Hamas, cada imagem de fome é um trunfo. Para a ONU, cada comunicado é um gesto de alinhamento político. Para a imprensa ocidental, é apenas mais uma “história humana” que garante cliques e audiências.

O resultado é um Ocidente moralmente falido, cúmplice involuntário ou voluntário do cinismo, do jihadismo e do antissemitismo.

Ligação Lisboa-Oeiras: regresso ao passado dos dois municípios em matéria de mobilidade

No passado dia 3 de julho, os presidentes Carlos Moedas e Isaltino Morais anunciaram o fim do projeto LIOS, a prometida linha de elétrico rápido, que ligaria Lisboa a Oeiras. O que deveria ser uma infraestrutura moderna e sustentável que garantiria a requalificação completa do espaço público à sua passagem, permitindo criar zonas de circulação alternativas (ciclovias, por exemplo), foi substituída por uma solução de segunda ordem: uma linha de autocarros.

Este anúncio é o culminar de quatro anos de inação e de falta de visão estratégica. Trocou-se um transporte do futuro por um sistema do passado.

O retrocesso é claro, pois abdica-se do potencial transformador do elétrico rápido. Contudo, o traçado proposto, só por si, também é problemático.

Se, por um lado, a ligação entre Algés, o Colégio Militar e o anel Carnaxide/Linda-a-Velha faz sentido, por outro lado, são excluídas populações e territórios que merecem acesso digno à rede de transporte, como o Casalinho da Ajuda e Santo Amaro. Em Lisboa, o traçado, desviado para dentro de Monsanto, corta a meio a Tapada da Ajuda — um espaço verde e patrimonial inestimável!

No referido evento, falou-se também, vagamente, de uma ligação de metropolitano entre Alcântara e Algés, mas sem calendário nem projeto. O ministro das Infraestruturas, com a tutela do Metro de Lisboa, não a abordou sequer.

É difícil não ver nisto uma distração para esconder o verdadeiro recuo: abdicar de um sistema público robusto, em nome do facilitismo eleitoralista. Anunciaram-se 21 km de via segregada para autocarros, mas sem mostrar qualquer detalhe técnico, e um terminal para Algés, em vidro, gerado por Inteligência Artificial — uma estufa, sem qualquer critério climático. Mapas contraditórios, imagens mal preparadas e ausência total de consulta às populações.

A que mais se deverá a desistência do elétrico rápido? A resposta parece ser orçamental. No entanto, o projeto custaria menos de metade do valor devolvido em IRS, durante este mandato.

Aos quatro anos perdidos somar-se-ão mais três, para implementar… uma linha de autocarros. Nem para o retrocesso existe verdadeira vontade, pois com pintura de vias segregadas, prioridade semafórica e reorganização da circulação das linhas existentes, o projeto podia começar já amanhã.

Vale a pena recordar que há quase 100 anos, em 1930, Lisboa — que apenas tinha mais 46 mil habitantes do que tem hoje — já dispunha de uma rede de elétricos mais vasta e eficaz do que a que atualmente existe. Havia procura, mesmo que houvesse menos gente a residir em Carnide, nas Portas de Benfica ou no Lumiar do que a que hoje mora em Oeiras. E, ainda assim, a rede de elétricos ligava todos estes pontos ao centro de Lisboa.

Décadas mais tarde, a banalização do combustível fóssil transformou os autocarros no transporte público de eleição dos autarcas e governantes, e multiplicou a circulação em automóvel particular — com as consequências que agora todos conhecemos: o clima ressente-se, a congestão do tráfego torna a circulação ineficaz. Mais: se hoje tivéssemos em consideração os parâmetros que são usados no planeamento de capitais europeias como Madrid ou Paris, a densidade populacional deste território de que falamos — sobretudo no que toca às populações residentes nas várias freguesias de Oeiras — justificaria, por si só, a criação de uma linha de metro tradicional ou elétrico rápido/metro de superfície.

E, por isso, para o Livre, a substituição do LIOS por linhas de autocarro é um claro retrocesso, que deve ser repensado. Tanto os moradores de Lisboa como os de Oeiras merecem soluções de futuro, assentes na mobilidade sustentável e numa visão metropolitana integrada, e com justiça territorial.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

Decidir com base nos dados. Mas que dados?

Estamos no meio de uma crise de imigração que se desenvolveu nos últimos anos de forma descontrolada e desregulada. Afinal, quantos imigrantes estão a viver no país? A resposta certa é que não sabemos.

Os números indicados pela Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) para o número de estrangeiros com o estatuto de residente em autorizado em Portugal (1,57 milhões) não batem certo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) para a população total residente no país (10,7 milhões no final de 2024).

A evolução desta estatística nos anos mais recentes não reflecte o crescimento da imigração. Aparentemente, os dados da AIMA são mais fiáveis, porque têm por base o número de processos burocráticos tratados. Então onde estão esses imigrantes, aparentemente invisíveis na estatística da população residente? Terão saído do país dentro do Espaço Schengen, sujeito a poucos ou nenhuns controlos fronteiriços? Estão em Portugal mas não são detectados pelas estatísticas? Porquê?

São perguntas que as dúvidas bem colocadas pelo Presidente da República suscitaram e a que ninguém sabe responder, entre serviços públicos perdidos nas suas teias de trocas de informação burocráticas, pouco eficientes e com visível dificuldade em acompanhar a evolução da realidade e das novas necessidades que esta coloca.

Estamos também, há cerca de uma década, numa crise de habitação que não pára de se agravar. O combate à escassez de habitação devia requerer, antes de mais nada, a mobilização dos recursos públicos existentes adequados à função. Se há falta de casas e se o Estado está a tentar pôr em marcha programas de construção de habitação nova, mandaria a mais básica racionalidade que se começasse por utilizar os imóveis do Estado que estão devolutos, alguns há vários anos. Quantos são e onde estão esses imóveis? Não sabemos.

Há décadas que o Estado tenta fazer o inventário do seu património imobiliário. Sem sucesso. Conhecemos alguns casos óbvios e mais mediáticos – a ex-sede do Ministério da Educação no centro de Lisboa ou espaços militares que foram transferidos para o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) há mais de três anos e lá continuam, fechados e a degradarem-se.

Repare-se. O Estado sabe com todo o detalhe os imóveis que cada cidadão tem: a morada, a área ocupada, idade do imóvel, se o prédio tem elevador ou não ou se tem uma piscina. Mas desconhece o que está ao seu cuidado para poder desenhar políticas urgentes e eficazes.

Temos um problema de escassez de professores, mais acentuado nalgumas disciplinas e que deixa, todos os anos, milhares de alunos sem aulas durante uma parte ou a totalidade do ano lectivo. Quantos são esses alunos, onde estão, e durante quanto tempo não têm professores? Não sabemos.

Neste caso até pensávamos que sabíamos. Mas o actual ministro da Educação teve a frontalidade de nos desenganar. Ele próprio ainda acreditou nos dados que os serviços forneciam, mas depois de uma polémica política rapidamente se concluiu que sim, todos os anos havia uns números que eram divulgados. Mas também que a fiabilidade dos dados era escassa, para dizer o mínimo.

São apenas três exemplos trazidos por assuntos da máxima importância que estão neste momento na mesa das políticas públicas. Eles revelam a fragilidade dos sistemas de informação e de estatística do país. Revelam, por isso, a fragilidade do conhecimento que temos das realidades sobre as quais governantes, autarcas, deputados e outros responsáveis públicos e privados tomam decisões todos os dias.

Parece evidente que quando se desconhece o ponto de partida com rigor não se acerta no caminho para chegar ao destino.

O nosso desleixo cultural com os dados, as estatísticas e a informação está na origem de dois problemas graves: a falta de eficácia das políticas públicas e o crescimento dos populismos baseados apenas em percepções. Porque não tenhamos dúvidas: quando não há dados rigorosos alguém se encarregará de os inventar para ocupar esse vazio.

Leituras e reflexões para férias (III)

1 Nesta terceira e última crónica da série sobre leituras e reflexões para férias, não tenho dúvidas por onde começar: “The End of the Long American Century: Trump and the Sources of American Power” (Foreign Affairs, Julho/Agosto 2025, pp. 68-79) é o último artigo assinado pelo famoso Joseph S. Nye, que nos deixou em Maio deste ano.

Joseph Nye não carece de detalhada apresentação. Foi uma referência académica, política e intelectual pública do século XX. Ficou particularmente célebre por ter cunhado a expressão e o conceito de “Soft Power”, designando a influência e atração moral que a causa da democracia liberal euro-atlântica fez do século XX o “século americano”, como lhe chamou Henry Luce, citado por Joseph Nye.

Neste seu derradeiro testamento intelectual (em co-autoria com Robert O. Keohane), Joseph Nye é dramaticamente peremptório:

“Infelizmente, o foco míope da segunda administração Trump, que está obcecada com ‘coercive hard power’ ligado a assimetrias comerciais e sanções, conduzirá à erosão, não ao reforço, da ordem internacional liderada pelos EUA. (…) Trump não parece entender como a força americana assenta na interdependência. Em vez de ‘make America great again’, ele está a fazer uma trágica aposta na fraqueza.” (p.79)

2 Este derradeiro trágico testamento intelectual de Joseph Nye (“University Distinguished Service Professor Emeritus at Harvard’s Joseph K. Kennedy School of Government”) devia levar-nos a revisitar as grandes tradições políticas e intelectuais que sustentaram a supremacia da democracia liberal euro-atlântica na segunda metade do século XX.

Contrariamente ao que é hoje gritado pelos tribalismos populistas da direita e da esquerda radicais, aquela tradição liberal-democrática não assentou numa ortodoxia ideológica monista daquilo a que chamam “as elites”.

Pelo contrário, assentou no paradoxo pluralista do chamado “Centro Vital”: a concorrência e rivalidade civilizadas entre três grandes tradições políticas distintas, mas paradoxalmente concordantes na aceitação e defesa das regras gerais de boa conduta, geralmente consagradas em Constituições demo-liberais, que regem aquela concorrência e rivalidade civilizadas. Essas três grandes tradições políticas rivais genericamente englobam (1) os Conservadorismos, incluindo a Democracia Cristã, (2) os Liberalismos e (3) os Trabalhismo/Social-Democracia/Socialismo Democrático.

3 Começando pelos Conservadorismos, uma enfática sugestão de leitura e reflexão vai para Conservatism: The Fight for a Tradition, por Edmund Fawcett (Princeton & Oxford, 2020, 527 pp.). Trata-se de uma magistral, quase enciclopédica, re-visitação das principais correntes conservadoras – desde o conservadorismo liberal de Edmund Burke (1729-97) até ao presente, com enfático destaque para a Democracia Cristã de Konrad Adenauer (1876-1967).

No Prefácio, Edmund Fawcett coloca uma das questões centrais dos nossos dias.

“Com a esquerda em recuo, em termos intelectuais e político-partidários, a chamada direita tem hoje a dominância política. Mas de que direita se trata? Será ela expressão do conservadorismo liberal que sustentou os sucessos da democracia liberal pós-1945, ou será uma direita-dura (‘hard-right’) iliberal que reclama falar em nome do ‘povo’?” (p. XI)

4 Passando agora aos Liberalismos, uma também magistral, quase enciclopédica, re-visitação das principais correntes liberais – desde Locke, Montesquieu e Adam Smith, até Rawls, Nozick e Friedman – poderá ser encontrada em Freedom from Fear: An Incomplete History of Liberalism, por Alan S. Kahan (Princeton & Oxford, 2023, 511 pp.).

Inevitavelmente, a obra termina com um capítulo (11) sobre “Liberalism and Populism”. E também aqui é sublinhada a hostilidade do populismo (que o autor não associa apenas à direita radical, mas também à esquerda radical) contra a democracia liberal, parlamentar e constitucional.

Recordando a clivagem da esquerda radical dos anos 1960 entre “democracia popular ou participativa” contra “democracia burguesa ou parlamentar”, o autor sustenta que os populismos atuais (de esquerda e de direita) retomam essa dicotomia, “reclamando que a democracia liberal falhou porque a verdadeira voz do povo foi sufocada pelas elites” (p. 419).

5 Para concluir com uma sugestão de leitura/reflexão sobre Trabalhismo/Social Democracia/Socialismo Democrático, opto por uma excelente biografia intelectual de “um dos maiores e mais inspiradores líderes do século XX” – segundo Andrew Adonis, autor de Ernest Bevin: Labour’s Churchill (Biteback Publishing, 2020, 352 pp.).

De origem operária, e tendo sido durante décadas líder sindical, bem como do Partido Trabalhista britânico, Ernest Bevin (1881-1951) foi Ministro do Trabalho durante a II Guerra Mundial, no Governo de Coligação Nacional liderado por Winston Churchill. Após a vitória militar em Maio de 1945, a que se seguiu a derrota eleitoral de Churchill e do Partido Conservador em Julho, Bevin assume a pasta de Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Trabalhista liderado por Clement Attlee.

Segundo o autor do livro, “como Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Attlee no pós-guerra (1945-51), Bevin foi largamente responsável por manter Stalin fora da Europa Ocidental. Assumiu a liderança na criação da Alemanha Ocidental, da NATO e da aliança transatlântica – todas elas tendo sustentado a democracia e segurança da Europa até aos nossos dias” (p. XI).

Em suma, escreve ainda Andrew Adonis, “para o futuro da Europa e da civilização ocidental, aqueles seis anos após 1945 [em que Bevin foi Ministro dos Negócios Estrangeiros] foram tão cruciais como os seis anos anteriores, que viram Churchill liderar a derrota de Hitler e do Nazismo” (p. XII). Daqui decorre em grande parte o marcante título do livro, Ernest Bevin: Labour’s Churchill.

6 Termino com votos de Boas Férias e de boas leituras e reflexões. Conto estar de volta a 1 de Setembro.

A importância da brincadeira

Como vimos no último texto, a doutrina divide-se na resposta a esta pergunta. No livro Liberdade para aprender, Peter Gray defende que as crianças devem ser responsáveis pela sua própria educação – uma proposta arrojada, mas pouco convincente e que deixa o leitor imediatamente de alerta com a seguinte afirmação:

“A ideia de que é preciso ir à escola para aprender seja o que for ou para se tornar um pensador crítico é manifestamente ridícula para qualquer miúdo que saiba aceder à internet.”

Sabemos hoje que a ideia de que basta aceder à internet para nos tornarmos “pensadores críticos” ou obtermos conhecimento é absurda por várias razões. Uma dessas razões é biológica, mas, estranhamente, Gray não a equaciona no seu texto: na verdade, o cérebro das crianças está em desenvolvimento contínuo e o córtex pré-frontal, responsável pelo pensamento racional, a assunção de responsabilidades, a tomada de decisão ou a gratificação diferida, só termina o seu desenvolvimento depois de nos tornarmos jovens adultos, com mais de 20 anos.

As crianças precisam de orientação e os valores que a escola deveria promover não são difíceis de identificar: fazem parte da tradição ocidental há mais de dois mil anos e podem ser encontrados na obra de Aristóteles.

Em Portugal, temos já alguns projetos que assentam na desvalorização do professor e na defesa de escolas digitais, onde os alunos aprenderiam assistindo a vídeos on-line, de preferência em inglês – pois, como sabemos, tudo é melhor em língua inglesa. Na verdade, esse fascínio pelo digital e pela Internet faz-nos esquecer a mais importante das lições: se a escola tradicional sobreviveu todos estes séculos e se desenvolveu, de forma muito semelhante, em todas as civilizações que prosperaram, isso significa que, como recordou Luís Aguiar-Conraria numa conferência recentemente, ela passou no teste do tempo.

As crianças (e os jovens) precisam de um professor, de uma figura de autoridade e conhecimento e das regras e disciplina necessárias para desenvolverem os valores que nos permitem viver em sociedades mais pacíficas. Mas Peter Gray tem razão numa coisa: também precisam de brincar.

Se a parte mais racional do cérebro, digamos assim, amadurece mais tarde, o que os mamíferos fazem nos primeiros anos de vida é desenvolver a parte emocional e, com ela, muitas competências sociais. Não há aqui uma hierarquia: precisamos das duas componentes para nos tornarmos adultos saudáveis e socialmente integrados, mas há diferentes momentos para o desenvolvimento de cada uma.

O argumento evolutivo que Peter Gray apresenta é muito convincente: para aumentarmos as nossas probabilidades de sobrevivência, temos de ser capazes de cooperar eficazmente com os nossos semelhantes e para que isso aconteça precisamos de regulação emocional e regras de sociabilidade. A brincadeira é a forma que a natureza encontrou para nos ensinar isso.

Tudo funciona em termos biológicos: a brincadeira gera prazer (leva o nosso cérebro a produzir químicos de bem-estar) e, por isso, queremos brincar – mas para que as outras crianças queiram brincar connosco precisamos de aprender certas competências e são essas competências que se revelam fundamentais quando somos adultos.

Por um lado, a brincadeira permite-nos adquirir a capacidade de regulação emocional: quando brincam, as crianças aprendem a controlar o corpo e o medo. Já repararam como, nas brincadeiras tradicionais (como as escondidas e a apanhada), as crianças preferem ser as presas? É nessa posição que sentimos mais adrenalina e prazer e, por isso, preferimos fugir ou esconder-nos: a natureza ensina-nos dessa forma a sentir medo sem sermos tomados por ele – aprendemos a regulá-lo e a viver com ele.

O que acontece quando as crianças brincam pouco e por isso não aprendem esta regulação emocional? Tornam-se jovens temerosos e ansiosos, que receiam todas as dificuldades. Não aprenderam a correr riscos, sentir medo e lidar com ele. O mesmo vale para as histórias infantis, que têm sido sistematicamente higienizadas: as histórias tradicionais ensinam as crianças a lidar emocionalmente com o mal, mas quando protegemos as crianças da morte e do sofrimento, elas deixam de ter oportunidade para aprender a lidar emocionalmente com esses acontecimentos. E quando se confrontam realmente com a morte e o sofrimento, mesmo que pouco relevante, não reagem de forma adequada. (O histerismo woke nas universidades norte-americanas faz todo o sentido se considerarmos estes aspetos.)

Por outro lado, a brincadeira permite viver socialmente melhor porque aprendemos a ceder e a não impor a nossa vontade aos outros. Isto acontece porque, como queremos brincar com as outras crianças, aprendemos que não podemos ter sempre razão, nem impor sempre a nossa vontade; aprendemos a ceder e a fazer compromissos. Podemos amuar algumas vezes, mas – se os adultos não interferirem – acabamos por ceder, porque queremos continuar a brincar. Nas palavras de Gray:

“Nos jogos em grupo, todos os jogadores sabem que qualquer um deles desistirá se se sentir infeliz e, se desistirem demasiados, o jogo termina. Para que o jogo continue, os jogadores têm de satisfazer não só os seus próprios desejos, mas também os dos outros jogadores. O forte desejo que as crianças têm de brincar umas com as outras é, por isso, uma forma poderosa de aprenderem a satisfazer os desejos dos outros e a negociar as diferenças.”

Isto significa que aprendemos a reconhecer o outro como legítimo e a controlar os nossos impulsos e as nossas emoções mais violentas: se queremos continuar a brincar, temos de moderar a raiva que sentimos – ou ninguém quererá brincar connosco. Mas se as crianças não puderem desenvolver estas competências – se os adultos interferirem continuamente fazendo com que a vontade das crianças prevaleça –, elas tenderão a tornar-se jovens e adultos mais violentos porque menos capazes de controlar as suas emoções.

É este o grande contributo do livro de Peter Gray – e também do trabalho que, entre nós, Carlos Neto tem desenvolvido. Os dois autores permitem-nos compreender melhor não só a atual epidemia de ansiedade e doenças mentais dos jovens, mas também por que razão eles têm hoje comportamentos mais violentos.

A falta de brincadeira – que resulta de infâncias superprotegidas, famílias mais pequenas, desestruturação das comunidades e consequente sentimento de insegurança que acabou com a brincadeira na rua (não são só perceções, como é óbvio), horários escolares mais longos e, claro, a maldição dos telemóveis-espertos – juntamente com uma visão higienizada da infância fazem com que as crianças se tornem jovens inseguros, que ampliam os seus medos de forma irrazoável e são incapazes de lidar com as suas emoções. E como são menos capazes de regulação emocional, respondem com ataques de pânico (mais evidente nas raparigas) ou com mais violência (no caso dos rapazes).

Estas lições constituem bons elementos para promovermos uma discussão séria sobre a escola e a sua função. Gastar recursos públicos para discutir uma hora semanal de educação para cidadania é uma perda de tempo quando o que realmente importa é reformular a escola no sentido de permitir mais brincadeira até aos 12 anos e ser mais cientificamente exigente a partir daí. Isto pode significar, como se faz em alguns países, estabelecer o ensino primário por 6 anos (até aproximadamente aos 12), com um horário escolar que garanta tempo de brincadeira livre e não rigorosamente supervisionada por adultos; e ir aumentando o horário escolar a partir dos 12 anos, com um foco grande nos valores e nas competências científicas básicas.

Este não é só um problema português. A crise da escola é um problema ocidental, mas, se formos mais exigentes pelas nossas crianças, ainda vamos a tempo de dar condições para que elas se tornem adultos competentes.

O mês de agosto servirá para carregar baterias, regresso no início de setembro. Votos de umas boas férias!

Novo vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=giyxfOeioNg

Onde fica a verdadeira Cidadania

A disciplina de cidadania voltou para cima da mesa e desta vez não queria deixar passar a oportunidade de partilhar publicamente algumas considerações. Não só como filha do casal que levantou o debate sobre ela, mas como recém-licenciada em Educação Básica e futura professora.

Depois do que tenho visto não creio que a maior falha no nosso sistema educativo seja em relação à pouca abordagem em relação à sexualidade. O problema é mais profundo, mais estrutural, e as suas consequências estão à vista de todos: basta observar as “opiniões” que predominam no debate público.

Querem uma prova viva? Basta ler a secção de comentários da entrevista da SIC que saiu sobre os meus pais, no Instagram. O que ali se encontra não é debate, nem discordância esclarecida — é ruído, reação emocional, ataques pessoais. Raramente se encontram ali opiniões: na sua maioria são juízos precipitados, superficiais e tantas vezes desonestos, baseados em aparências e informações descontextualizadas. Para que um juízo possa ser considerado uma opinião legítima, exige-se um conhecimento profundo e sólido sobre o tema em questão, um esforço consciente para compreender as diversas nuances, contextos e argumentos envolvidos.

Talvez, se parássemos por um momento para refletir, ouvir e procurar entender antes de falar, a qualidade do debate público melhorasse significativamente. Opinar não é simplesmente manifestar uma ideia — é um ato responsável que pressupõe estudo, humildade intelectual e disponibilidade para reconhecer a complexidade das questões. Sem isso, o que temos são ecos vazios que apenas alimentam a polarização e o conflito, em vez de promover o entendimento e o progresso coletivo.

Esta incapacidade de compreender o outro antes de o julgar é, hoje, não apenas um sintoma do falhanço da educação em geral mas também um reflexo de um problema cultural mais vasto: a perda do valor da argumentação, da escuta e da dúvida bem formulada.

A escola não é – nem tem por que ser – o lugar de eleição onde se educa o carácter no âmbito moral ou ideológico. Esse lugar pertence, natural e geralmente, à família, e ainda ao conjunto da experiência pessoal, na qual a escola é apenas uma parte. Isto não significa que a escola seja neutra (o que é isso de ser neutra?). Pelo contrário: não pode abdicar do seu papel na promoção do respeito mútuo, da escuta e do debate civilizado. É precisamente nesse ambiente que se pode aprender a ler criticamente, a formular juízos ponderados, a avaliar informações com base na realidade e a pensar antes de falar. E pelo que vou vendo e ouvindo – e vai muito além deste assunto – ainda há muito caminho a percorrer neste sentido.

Aliás, convém lembrar que dentro da escola já existe – e não é de agora – uma disciplina que tem precisamente esta missão: a Filosofia. É nela que os alunos são desafiados a pensar com rigor, a distinguir argumentos válidos de falácias, a reconhecer a complexidade dos problemas e a exercitar o juízo ponderado. Não é por acaso que esta disciplina só é lecionada no ensino secundário — porque é aí que, em regra, os alunos, aliada a uma maior experiência de vida, começam a ter a maturidade cognitiva necessária para lidar com questões abstratas, éticas e existenciais de forma verdadeiramente crítica.

Pode ser que, antes de ensinarmos a ter opiniões, devêssemos assegurar que se aprende a pensar com clareza, o que não surge do improviso nem da exposição ocasional a ideias: exige estudo.

Mais do que incentivar opiniões espontâneas, importa cultivar o hábito de investigar: ir às fontes, à origem, compreender o contexto, interrogar o sentido das coisas. Isso requer humildade intelectual: reconhecer que não se pode falar com verdade sobre o que não se procurou compreender com profundidade.

Como futura professora, não quero formar alunos que pensem como eu ou como a maioria, mas alunos que saibam e queiram procurar a verdade por si. Quero dar-lhes as ferramentas para desenvolverem um raciocínio claro, exigente e honesto e, ao mesmo tempo, transmitir-lhes o encanto de compreender melhor o mundo, de ir além da superfície, de se deixarem mover pela curiosidade e pela procura da verdade.

Como filha dos meus pais reconheço o papel fundamental que tiveram na minha educação em todos os âmbitos (não se preocupem, também me falaram sobre sexo) e agradeço-lhes profundamente a formação para a liberdade que me deram.

Sei que, para alguns, pode ser tentador atribuir outras motivações a este texto; lamento informar que o texto foi escrito por mim e por minha livre vontade, ninguém me encomendou nada. Parece-me até que a obstinação de ver nisto outra coisa mais depressa validará o que escrevi. Mas estejam à vontade.

Fome em Gaza foi mais um pretexto para desinformação em tempo de guerra

Esta semana, vários jornais pelo mundo noticiaram que dois milhões de pessoas morrem, lentamente, à fome em Gaza. A acompanhar os relatos, foram publicadas diversas fotografias da dura realidade em que vivem os palestinianos no enclave. A autenticidade e o contexto de várias dessas fotografias foram postos em causa.

A capa do jornal francês Libération, de 24 de Julho de 2025, é um desses exemplos. A fotografia utilizada na primeira página mostrava uma criança de costas, subnutrida, e serviu para acompanhar um texto sobre a fome na Faixa de Gaza.

O jornal foi acusado por vários utilizadores do X, principalmente contas de membros da comunidade judaica francesa, de ter usado uma imagem que seria, na verdade, de uma criança do Iémen, alegadamente tirada em Setembro de 2016. Os utilizadores, não obstante, não mostravam qualquer prova que sustentasse as alegações, avança a Lusa.

A origem da foto já foi, entretanto, esclarecida pelo próprio jornal, que afirma que se trata, de facto, de uma criança em Gaza. Também a Lusa, através de reverse search image, sublinha que se trata de uma imagem da autoria de Omar Al-Qataa, ao serviço da AFP, tirada numa reportagem no campo de refugiados de Al-Shati, em Gaza, a 23 de Julho.

Uma outra foto, da mesma criança mas no colo do pai, foi alvo das mesmas acusações. A foto publicada no Junge Welt mostra Yazan, o mesmo rapaz da capa do jornal francês e que foi tirada nas mesmas circunstâncias que a mencionada.

O The Guardian e o Le Monde usaram imagens de uma mãe a segurar uma criança esquelética vestida com um saco plástico preto. Na mesma rede social, a imagem foi também atribuída a outro momento, igualmente no Iémen. Através do mesmo método de pesquisa, por bancos de imagens, é possível comprovar que se trata de uma fotografia de Muhammad Al-Matouq, em reportagem para contar a história desta família, no enclave.

Os períodos de guerra são terreno fértil para a desinformação e não se trata de um problema exclusivo do Médio Oriente. Em Junho, circulavam nas redes sociais vídeos alegadamente ligados à Operação Teia de Aranha, que a Ucrânia desencadeou contra a Rússia. Os vídeos que acumulavam milhares de visualizações eram, na realidade, excertos de videojogos partilhados num canal do YouTube, demonstrou a EuroVerify.

No mesmo mês, a Federação Internacional de Jornalistas dava conta da elevada quantidade de deepfakes e de informação descontextualizada nas redes sociais acerca de um outro conflito, entre a Índia e o Paquistão.

Hamilton e Ferrari voltam aos altos e baixos. Entre a adaptação e os relatórios para chegar aos títulos

Lewis Hamilton voltou a ter um fim de semana complicado com as cores da Ferrari. Eliminado na primeira fase da qualificação tanto para a corrida sprint como para o Grande Prémio, o heptacampeão salvou a sua honra ao terminar a corrida em sétimo, depois de descartar a posição baixa na grelha de partida por um arranque nas boxes.

O GP da Bélgica devia ter sido de viragem, ainda que ligeira, na temporada da Ferrari. Enquanto o resultado final não foi uma mudança de paradigma, Charles Leclerc foi ao pódio pela quinta vez este ano e disse estar mais “confortável” com o carro. Já Hamilton voltou a passar por problemas, num fim de semana em que revelou ter convocado reuniões para devolver a Ferrari aos títulos.

As dificuldades com o Ferrari, antes e depois das mudanças

Hamilton foi profícuo nos pedidos de desculpas à equipa após a eliminação na qualificação no sábado, provocada por uma das mais ligeiras infrações de limites de pista na curva Raidillon (o topo da rápida subida após o início da volta). “Inaceitável”, reconheceu o britânico.

A Ferrari alterou parte da suspensão traseira — incluindo, entende-se, um novo amortecedor para melhorar controlar a altura ao solo —, uma mudança esperada já há algum tempo. Questionado sobre se sente uma melhoria, Hamilton foi monossilábico — “não, nem por isso” — e continuou a apontar a traseira do carro como a maior limitação.

Hamilton culpou ainda o pião na qualificação para a corrida sprint — um bloqueio do eixo traseiro na última travagem da volta — numa nova peça do carro, que ficou por identificar.

Piastri vence F1 na Bélgica e aumenta vantagem sobre Lando Norris

“Temos um novo componente no carro que o Charles teve em Montreal [há três corridas]”, apontou Hamilton, relembrando que o colega de equipa “teve um acidente” nesse circuito, quando usou a peça pela primeira vez: “eu tive a mesma experiência na minha primeira vez com a peça ontem”.

Do lado de Leclerc, a experiência neste GP da Bélgica tem sido mais esperançosa, ainda que não transformadora. O terceiro lugar na qualificação, a pouco mais de três décimas da pole position na volta mais longa da temporada, é um bom sinal, já que o monegasco é conhecido por proezas na qualificação — e essas proezas dependem do carro lhe dar confiança para dançar no limite da aderência, algo que, até agora, não aconteceu este ano.

“Senti-me confortável com o carro desde o primeiro treino”, apontou Leclerc, para quem a mudança “vai na direção certa”, acrescentando: “É um bocadinho melhor. Foi isso que me ajudou a ser mais consistente este fim de semana. Os tempos apareceram mais facilmente. Normalmente é o meu ponto forte, mas este ano tenho tido dificuldades em pôr tudo junto na qualificação”.

“Como sempre, especialmente para a nossa equipa, tudo é muito empolado”, afirmou o piloto sobre a atenção mediática sobre a nova peça, já que “estamos a falar de diferenças muito mínimas numa volta” e a nova suspensão não vai dar “as três ou quatro décimas” que faltam para chegar à McLaren.

Leclerc já é piloto da Ferrari desde 2019, e entrou na academia de jovens pilotos da equipa em 2016. Conhece bem a equipa, as características dos carros italianos e a forma de trabalhar — que claramente é diferente do resto da grelha (ou pelo menos da Mercedes), dadas as dificuldades de adaptação de Hamilton.

Os relatórios de Hamilton para a equipa

O fim de semana em Spa-Francorchamps começou com Lewis Hamilton a sublinhar que não quer ter o resultado com a Ferrari que Fernando Alonso e Sebastian Vettel tiveram: zero campeonatos.

“Se olharmos para a equipa nos últimos 20 anos, ela teve pilotos fantásticos. Tiveram o Kimi [Räikkönen], o Fernando, o Sebastian, todos campeões do mundo, contudo, não venceram um campeonato do mundo” com a Ferrari, apontou o britânico (esquecendo-se que perdeu o título de 2007 para Räikkönen, então na Scuderia). “Eu recuso que esse seja o caso comigo. Por isso estou a esforçar-me mais”.

A frase surgiu já no fim de uma resposta sobre o que Hamilton tinha feito nas três semanas entre a corrida em Silverstone e o GP da Bélgica, com o heptacampeão a revelar os esforços nos bastidores para desbloquear “o enorme potencial dentro” da Ferrari, onde “nem todas” as partes estão a dar o máximo que podem.

“Estive na fábrica, duas semanas, alguns dias cada semana, fizemos a preparação… E naturalmente estávamos a ver o que aconteceu na última corrida, coisas que precisamos de mudar. Tive muitas reuniões, convoquei muitas reuniões com os líderes da equipa”, apontou Hamilton, referindo John Elkann (presidente da Ferrari), Benedetto Vigna (CEO da Ferrari) e Frederic Vasseu (diretor da equipa).

Com a época de F1 a meio, o que se segue? McLaren a caminho dos títulos, nove equipas rumo a 2026

“Tenho-me sentado com o diretor do desenvolvimento do carro, com o Loic Serra, mas também com os diretores de diferentes departamentos, a falar do motor do próximo ano, da suspensão dianteira do próximo ano, da suspensão traseira, coisas que quero, problemas que tenho com este carro”, enumerou Hamilton, que revelou que também Charles Leclerc tem participado nestas cimeiras em Maranello.

“Tenho enviado documentos ao longo do ano”, continuou o heptacampeão. “Depois das primeiras corridas, escrevi um documento completo para a equipa. Depois, durante esta pausa, enviei outros dois documentos. Nas reuniões quero falar disso, de alguns ajustes estruturais que precisamos de fazer para melhorar, de todas as áreas que queremos melhorar, e o outro documento era mesmo sobre o carro”, incluindo “os problemas” e novas características para incluir no projeto de 2026.

Durante a pausa entre os Grandes Prémios da Grã-Bretanha e Bélgica, Lewis Hamilton experimentou pela primeira vez o carro da Ferrari para 2026 no simulador, o que envolve “30 engenheiros numa sala e falar com cada um” sobre as várias partes do carro.

Os relatórios e análises descritas por Hamilton são, provavelmente, o maior benefício da chegada do campeão de 40 anos a Maranello — a experiência de trabalhar na equipa Mercedes, que foi campeã por oito anos consecutivos enquanto Lewis Hamilton venceu o título de pilotos por seis vezes, até com elementos que fizeram parte da era de Michael Schumacher na Ferrari, trará lições valiosas.

A questão que fica por responder é se apenas essa aproximação ajuda Hamilton a desafiar mais de perto Leclerc, ou se o piloto britânico vai encaixar ainda este ano na Ferrari.

António Félix da Costa conquista títulos de construtores e equipas na Fórmula E

O piloto português António Félix da Costa (Porsche) terminou hoje na sexta posição a 16.ª e última jornada do Mundial de Fórmula E, em Londres, e conquistou os títulos de construtores e de equipas com a marca alemã.

Félix da Costa, que partiu do 22.º e último lugar da grelha para a última prova do campeonato de carros elétricos, fez uma boa gestão da energia e conseguiu recuperar até ao sexto posto final, a 18,428 segundos do vencedor, o neozelandês Nick Cassidy (Jaguar), que bateu o seu compatriota Nyck de Vries (Mahindra) por 13,581 segundos, com o suíço Sébastien Buèmi (Envision) na terceira posição, a 14,964.

Os oito pontos somados por António Félix da Costa e os quatro pelo alemão Pascal Wherlein, seu companheiro de equipa, permitiram à Porsche festejar os dois campeonatos, que faltavam atribuir.

O britânico Oliver Rowland (Nissan), que já tinha assegurado o título de pilotos antes desta jornada, desistiu e fez a marca japonesa perder também o segundo lugar dos construtores para a Jaguar.

Rowland fechou o campeonato com 184 pontos, mais 31 do que Cassidy, que venceu as últimas três corridas da temporada e ascendeu ao segundo posto do campeonato.

Félix da Costa, que foi campeão na época 2019-2020, acabou o ano no quinto lugar, com 111 pontos, menos um do que o quarto classificado, o britânico Taylor Barnard (McLaren).

No campeonato de equipas, a Porsche somou 256 pontos, mais 29 do que a Jaguar.

Já nos construtores, a marca alemã chegou aos 383, conquistando o título com mais 33 pontos do que a Jaguar.

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