“Não seria boa ideia” excluir PS de uma revisão constitucional, alerta Bacelar Gouveia

Ainda o Presidente da República não indigitou um primeiro-ministro e, sem demoras, a Iniciativa Liberal (IL) já anunciou que pretende apresentar uma proposta de revisão constitucional na próxima legislatura. Contactado pela Renascença, Jorge Bacelar Gouveia considera que seria má ideia excluir o PS deste processo.
O constitucionalista sublinha, por outro lado, que existem limites materiais a uma revisão constitucional, independentemente da maioria que a suporte: “a Constituição tem uma coluna vertebral que nunca pode ser quebrada. Está expressa no artigo 288, que diz respeito aos limites materiais de revisão. Portanto, há um conjunto de princípios, de valores e de direitos que nunca podem ser revistos, qualquer que seja a maioria de revisão”.
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Nestas declarações à Renascença, Bacelar Gouveia aponta alguns exemplos: “a separação dos poderes, por exemplo. A consagração dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos também não podem ser eliminados, não podem ser restringidos”.
Já no entender deste constitucionalista, seria possível – e desejável – retirar da Constituição as alusões ideológicas ao socialismo, que ainda persistem: “sim, defendo [essa alteração] porque uma Constituição não pode ser capturada por nenhuma ideologia”.
Agora que o PSD, IL e Chega juntos – sem os deputados do PS – garantem os dois terços dos deputados que são necessários para rever a Constituição da República Portuguesa poderiam alterar o que quiserem na lei fundamental, ou há limites inultrapassáveis?
A Constituição tem, digamos, uma coluna vertebral que nunca pode ser quebrada. Está expressa no artigo 288, que diz respeito aos limites materiais de revisão. Portanto, há um conjunto de princípios, de valores e de direitos que nunca podem ser revistos, qualquer que seja a maioria de revisão.
Por exemplo?
A separação dos poderes, por exemplo. A consagração dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos também não podem ser eliminados, não podem ser restringidos. Portanto, as alterações a fazer, ou são alterações técnicas e uma questão que tem sido muito discutida é a de saber se deve, ou não, deve continuar a existir o Tribunal Constitucional. Há muitos juristas que defendem a sua extinção. Não é o meu caso, mas uma maioria das vezes pode acabar com o Tribunal Constitucional e esse poder de fiscalização regressar ao Supremo Tribunal de Justiça. Outras questões, por exemplo, a Constituição ainda acusa alguns vestígios de certas ideologias. É o caso, no preâmbulo, de dizer que nós vamos a caminho de uma sociedade socialista.
O senhor defende que as alusões ideológicas ao socialismo na Constituição deveriam ser abolidas?
Sim. Defendo porque uma Constituição não pode ser capturada por nenhuma ideologia.
Se a maioria direita quiser acabar com isso, pode acabar?
Pode, com certeza, porque o preâmbulo não é intangível, não é imodificável.
Mas imagino que, por exemplo, já não será possível – ainda que fosse uma maioria avassaladora, muito mais até do que os dois terços – limitar a liberdade de expressão.
Isso está fora de questão. A expressão, no fundo, é um especto identitário da democracia. Se acaso isso fosse possível, e eu acho que não é ou, por exemplo, se os deputados aprovassem a monarquia em vez da república, seria um golpe de Estado.
Não seria uma revisão, seria uma revolução, embora com os votos certinhos, mas seria sempre uma revisão inconstitucional.
Na sua leitura enquanto constitucionalista, até onde pode chegar uma plataforma de entendimento entre o PSD, a Iniciativa Liberal e o Chega para uma revisão constitucional?
Eu acho que há assuntos que podem ser revistos, mas eu gostaria que o Partido Socialista não ficasse excluído desse consenso constitucional, porque não seria uma boa ideia. O Partido Socialista, neste momento, não é necessário nessa maioria, mas, atendendo à história da Constituição, atendendo ao papel que o Partido Socialista tem na sociedade portuguesa, no próprio sistema, embora mudando o sistema agora – já não é um sistema bem bipartidário, é um sistema multipartidário – mas eu acho que, da parte dos partidos que neste momento têm a maioria de dois terços, acho que deve haver sempre o cuidado de integrar, o mais possível, a vontade do Partido Socialista. Claro que não haverá acordo em tudo, mas não deve ser automaticamente excluído do processo de revisão constitucional.
Mas não há nenhuma linha vermelha que o PSD tenha de dizer não à Iniciativa Liberal ou ao Chega?
As linhas vermelhas, para mim, são as linhas vermelhas de não tornar a Constituição ideológica e, por outro lado, de não fazer alterações à Constituição que se possam violar os limites materiais da revisão.