Em vez de fungicida, estas videiras em Cantanhede são tratadas com raios ultravioleta. E os resultados prometem

Ainda é preciso esperar mais algum tempo até colher os cachos, mas aquilo que está ao alcance da vista, naquelas cepas de Touriga Nacional e Moscatel, deixa antever um futuro promissor. Foram vários meses a combater o oídio e o míldio com recurso a luz ultravioleta, e o que inicialmente parecia uma loucura está cada vez mais perto de se tornar um tratamento alternativo ao uso de produtos químicos, como sulfatos. A experiência-piloto desenvolvida por iniciativa do município de Cantanhede, na região demarcada da Bairrada, tem funcionado bem e, no próximo ano, poderá vir a ser alargada a uma área maior. Essa é pelo menos a vontade do produtor João Póvoa, da Kompassus, depois de ter testemunhado que as videiras tratadas com raios UV estavam iguais às que foram “tratadas com o método clássico, ou seja, fungicida”. A manterem-se estes resultados animadores, este novo tratamento abre uma janela de oportunidades para os produtores: custos mais baixos e menos resíduos.
“Queremos alargar a área e também aplicar mais algum rigor. Desta vez, foi uma experiência mais empírica, mas vamos tentar que seja algo mais científico”, anunciou o produtor, que sempre gostou de inovar. Ainda assim, confessa, quando foi confrontado com o desafio lançado pelo vereador com o pelouro dos Recursos Naturais, Desenvolvimento Agrícola e Florestal, Adérito Machado, de quem é amigo pessoal, achou que era uma “maluqueira”. “Arranjei-lhe uma pequena parcela, que por sinal até é mais sensível ao míldio do que as outras, e a coisa correu bem, aquela ideia maluca dele revelou-se uma grande ideia”, testemunhou. E muito embora reconheça que há ainda estudos e análises que precisam de ser feitos, agradam-lhe as vantagens que este tratamento pode trazer. “Os preços dos fungicidas estão pela hora da morte, reduzir os custos seria óptimo. A juntar o facto de reduzir resíduos, ainda melhor”, notava, depois de uma visita às vinhas, localizadas na freguesia de Cordinhã, onde o projecto tem estado a ser desenvolvido.
Na prática, o processo é, aparentemente, simples. São oito lâmpadas UV (gama C), quatro de cada lado, instaladas numa espécie de atrelado que vai sendo empurrado por entre as linhas de vinhas. A energia eléctrica necessária para manter as lâmpadas acesas é garantida por um pequeno gerador instalado no veículo que Adérito Machado baptizou de “Violeta”. “Nem podia ter outro nome que não esse”, apontava ao PÚBLICO, antes de avançar, em passo calmo, ao longo das videiras.
A verdade é que, neste período experimental, tem sido o próprio autarca quem tem feito cada um dos tratamentos – uma vez por semana e desde o início da vegetação – sempre em período nocturno. “O oídio é um fungo que vive na superfície das plantas, nomeadamente nas videiras, e por isso fica exposto aos raios UV do sol que podem danificar o seu ADN. Para se proteger, ele consegue reparar rapidamente esse ADN — mas só quando há luz. Por isso, quando se faz tratamento com luz ultravioleta gama C à noite, o fungo não consegue activar esse mecanismo de defesa, e o tratamento torna-se mais eficaz”, explicou.
Foram três anos de testes, este último mais a sério e já a abranger cerca de 300 pés de videiras, com todas as tarefas assumidas por si. “A ideia é mostrar caminhos aos nossos agricultores para poderem fazer vinho biológico”, sustentou, notando que esta solução contribui para a redução do impacto ambiental e para a protecção da saúde dos trabalhadores e consumidores, uma vez que alguns fungicidas utilizados são sistémicos e entram na circulação da planta. “Este é o futuro da viticultura, é o caminho”, frisou.
Dos equipamentos de saúde para as vinhas
Além de executante, Adérito Machado é também o mentor do projecto. Depois de verificar que a tecnologia ultravioleta já é usada na desinfecção de equipamentos de saúde, o vereador, com uma carreira profissional na área das análises clínicas, começou a investigar e encontrou informações relativas a uma experiência com luz ultravioleta numas vinhas de Bordéus, em França. Como vive no meio de viticultores, entre os quais o seu pai, começou a averiguar a possibilidade de avançar com um projecto-piloto na sua terra. “No primeiro ano, fizemos só numas seis cepas de um amigo, e no segundo ano também. Como correu bem, este ano avançámos para uns 300 pés, aqui na Kompassus”, enquadrou, a propósito da experiência que tem contado com a parceria da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, no âmbito do mestrado em Segurança Alimentar.
Resta agora prosseguir com os testes, apurando qual o impacto deste tratamento na uva, nomeadamente na sua capacidade de fermentação. “Estamos agora, na Faculdade de Farmácia, a analisar os fenóis, para comparar a qualidade do vinho final e ver se há alterações em relação à mesma casta tratada de forma convencional”, explicou o vereador com o pelouro da Agricultura. O caminho está em aberto.
