Uma eleição (quase) exemplar

Depois das eleições legislativas de 18 de Maio, houve uma certa urgência e dramatização que perdeu força. Se, em tempos, um dirigente partidário questionava “qual é a pressa?”, o momento que se vive parece ser o de “qual é a calma?”. E a resposta, neste caso, é fácil.
O Governo da AD quer tempo. Pelo menos, mais do que os 11 meses que governou na anterior legislatura. Para mostrar resultados e para ajudar a passar a mensagem que está a introduzir mudanças no país. Para mais, tem, desta vez, a confiança de que o PS será um parceiro mais previsível em momentos cruciais no futuro, como no Orçamento do Estado para 2026, ou no momento em que o país tiver que subir consideravelmente o seu investimento em defesa.
O PS, por seu lado, está a braços com um momento de transição de liderança. Só terá eleições directas no fim do mês, e congresso depois das eleições autárquicas, no Outono. Praticamente até final do ano, estará a arrumar a sua própria casa.
O Chega está-se a habituar à ideia de ser o maior partido da oposição e a calcular como poderá fazer sentido pôr em prática o prometido governo sombra — ideia importada dos anglo-saxónicos e cuja última experiência em Portugal, no final dos anos 90, com o PSD de Durão Barroso, foi um fiasco.
A Iniciativa Liberal, que até cresceu ligeiramente a sua bancada parlamentar, ficou mergulhada numa abrupta crise de liderança com o anúncio da demissão de Rui Rocha, que fez como Pedro Nuno Santos e meteu os papéis para demissão com efeitos imediatos.
No fundo, todos os partidos principais precisam, por um lado, ganhar tempo para si próprios e, por outro lado, evitar precipitações, pois o sinal claro dado pelo eleitorado foi de que não quer novas crises em breve.
O que se passou esta terça-feira na Assembleia da República foi o exemplo de tudo isso e foi um flagrante contraste com a triste sessão inaugural da legislatura passada em que José Pedro Aguiar-Branco apenas foi eleito à quarta tentativa depois de acusações mútuas e desacordos entre AD e Chega. Desta vez, o ex-ministro da Defesa da AD foi eleito com 202 votos a favor, uma ampla e rara maioria. O consenso só foi estragado pela recusa de deputados do PSD de votar, ao final do dia, em Diogo Pacheco Amorim (do Chega) para vice-presidente. Falhou a eleição por um voto, pondo em xeque a palavra do PSD.
Numa Assembleia da República que tem o maior número de partidos de sempre (dez ao todo), com um Governo de maioria relativa, o dia-a-dia terá que ser feito de negociações permanentes, troca de argumentos, mas sem gritaria e chantagem. Esse será um dos múltiplos desafios da legislatura. O dia de ontem foi um bom exemplo.
