É mais complicado do que parece


O acordo das tarifas que a União Europeia fechou com Trump é um espelho da supremacia norte-americana ao mesmo tempo que Donald Trump quer recuperar a grandeza perdida da América. É um pouco contraditório, mas todo o redesenhar da nova ordem internacional parece desordenado e caótico. Podemos culpar o presidente dos EUA por essa incongruência, mas esta nem sequer é uma novidade. O cenário do pós-Segunda Guerra Mundial esteve longe de ser previsto e até a estratégia da contenção sugerida por George Kennan foi sendo corrigida e adaptada durante os anos da Guerra Fria. O certo é que, fora as tiradas de Trump, os EUA estão definitivamente mais preocupados em lidar com a China na Ásia que com a Rússia na Europa. Os norte-americanos vão cometer erros tácticos na Ásia (tirar o tapete a aliados na região é aproximá-los da China), mas dificilmente a estratégia se vai alterar mesmo com os democratas de volta na Casa Branca.
Sendo um espelho da supremacia norte-americana, o acordo que a UE fechou com Trump é revelador do quanto Bruxelas compreendeu a alteração do equilíbrio de forças. Depois de décadas com uma taxa de crescimento económico inferior ao dos EUA, os europeus começam a sofrer de uma perda de qualidade de vida quando comparada com a dos norte-americanos e também já com a de alguns cidadãos no Extremo Oriente onde (e quem visite esses lugares pode comprová-lo), se antevê melhor como será o modo de vida no futuro.
No entanto, e ao mesmo tempo, a vida na Europa tem aspectos sem os quais nós, europeus, não imaginaríamos viver. Chris Arnade é um fotógrafo norte-americano que já trabalhou nos mercados financeiros de Wall Street, até se decidir passear pelo mundo e fotografar e escrever sobre isso. No mês passado escreveu para a Free Press sobre quem vive melhor, se os norte-americanos se os europeus. A sua escolha vai para estes últimos numa referência interessante à valorização que fazemos do espaço público e, consequentemente, da sua diversidade e imprevisibilidade, nomeadamente nos cafés (Steiner concordaria com ele nisto) e que mais não será que o resultado da menor importância que damos ao indivíduo, ao contrário do que acontece nos EUA. Não me interessa aqui discutir se Arnade tem ou não razão, até porque a explicação do fenómeno advém também de um passado diverso na Europa, contrário à padronização norte-americana criada num espaço de tempo mais curto. De salientar apenas que as coisas são o que são e estas acabam por ser mais complicadas do que parecem à primeira vista.
Assim, talvez o acordo que a UE fechou com Trump seja também uma derrota da América. Os norte-americanos vão pagar mais caro pelos produtos europeus e irão gastar mais dinheiro para ter bens fabricados nos Estados Unidos que podiam vir do Velho Continente. Trabalhadores, empresas, capital e máquinas serão usados para produzir o que a América vai deixar de importar e não fabricar o que vai deixar de exportar. O resultado é um desperdício de recursos e perda de qualidade. Mas isso é um problema deles. Não nosso. O nosso consiste em aceitar a nova realidade que é mantermos a vida dos cafés ao mesmo tempo que lidamos sozinhos com a Rússia. Com a tragédia. Vai ser difícil, mas não necessariamente impossível.
Não só a Rússia é mais fraca que a China como também os estados europeus têm meios (caso assim o decidam) para deter a Rússia sem que os EUA assumam a liderança do processo. Da mesma forma que Washington não quer perder tempo com a Europa para se concentrar em Beijing, é bom que Bruxelas resolva os seus mal-entendidos com os EUA para se focar em Moscovo. Nessa medida, o acordo de tarifas que a UE fechou com Trump é positivo. Estamos melhor que antes? Não. Mas sem dúvida melhor do que esperávamos em Abril. A verdade é que as coisas são mesmo um pouco mais complicadas do que parecem à primeira vista. O que não deixa de ser uma vantagem, pois que, sendo complicado é também imprevisível, logo inesperado e surpreendente. É tal qual como entrar num café europeu: nunca sabemos o que vamos encontrar.