Agência federal abre investigação sobre ex-procurador de Trump, Jack Smith

Uma agência federal dos EUA abriu uma investigação formal sobre o ex-procurador especial Jack Smith, que supervisionou duas investigações criminais sobre o Presidente Donald Trump após o seu primeiro mandato na Casa Branca.

O Gabinete do Conselheiro Especial (OSC, na sigla original) confirmou à Reuters que estava a investigar se Smith violou a Lei Hatch, que proíbe funcionários federais de usar a sua posição para actividades políticas. A decisão segue-se a um pedido de investigação do senador norte-americano Tom Cotton, republicano do Arcansas.

O OSC é uma agência independente que investiga a conduta de funcionários federais, mas não tem autoridade para apresentar acusações criminais. É diferente do tipo de gabinete do procurador especial anteriormente supervisionado por Smith, que foi nomeado pelo Departamento de Justiça para conduzir processos criminais.

A investigação da OSC, que foi noticiada pela primeira vez pelo New York Post, é a mais recente de uma série de acções tomadas por Trump e seus aliados contra os seus inimigos políticos.

A Reuters não conseguiu contactar Smith, que renunciou ao cargo em Janeiro após a vitória eleitoral de Trump, para comentar o assunto.

No início desta semana, Cotton acusou Smith de ter sido agressivo nos seus casos contra Trump, com o objectivo de prejudicar a campanha presidencial do republicano, chamando Smith de “um actor político disfarçado de funcionário público” numa série de publicações no X.

“É por isso que pedi que esta interferência sem precedentes nas eleições de 2024 fosse imediatamente investigada pelo OSC”, escreveu Cotton no X.

Ex-procurador de crimes de guerra, Smith moveu duas acções criminais contra Trump: uma acusando-o de reter ilegalmente material confidencial e outra relacionada às tentativas de Trump de reverter a sua derrota nas eleições de 2020, um esforço que desencadeou o ataque de 6 de Janeiro de 2021 ao Capitólio dos Estados Unidos.

Nenhum dos processos chegou a julgamento, tendo sido adiados e afectados por uma série de contestações legais, incluindo uma decisão da maioria conservadora do Supremo Tribunal, que concedeu aos ex-presidentes ampla imunidade contra processos criminais.

Smith desistiu de ambos os processos depois de Trump ter vencido as eleições, citando uma política de longa data do Departamento de Justiça contra o processo de um presidente em exercício, mas divulgou um relatório em Janeiro dizendo que as provas que reuniu teriam sido suficientes para um tribunal condenar Trump.

Trump negou qualquer irregularidade e atacou as acusações como tentativas de prejudicar a sua campanha.

Festas em Marinhais antecipam fogo de artifício 30 minutos para fugir à proibição do Governo

O Governo anunciou o estado de alerta a iniciar-se a partir da meia-noite e, para fugir às proibições, a organização das Festas de Marinhas, uma vila no concelho de Salvaterra de Magos, anunciou a antecipação do fogo de artifício em meia hora.

Numa publicação no Facebook, a Comissão de Festas refere que “devido ao alerta vermelho emitido pelo Governo”, a sessão de fogo de artifício, originalmente agendada para as 00h00, foi antecipada para as 23h30.

Nos comentários, os próprios moradores falam em “falta de civismo” e em “desrespeito”, perante uma medida que tem como objetivo a prevenção de incêndios.

Entre as proibições relacionadas com o estado de alerta está, precisamente a pirotecnia: “Proibição da utilização de fogo-de-artifício ou outros artefactos pirotécnicos, independentemente da sua forma de combustão, bem como a suspensão das autorizações que tenham sido emitidas”, como refere o comunicado do Governo divulgado este sábado.

Amamentar sob suspeita: o retrocesso de uma medida sem coração

Há decisões políticas que, sinceramente, parecem desenhadas num gabinete onde nunca se ouviu o choro de um recém-nascido, nem se sentiu o cansaço doce (e exausto) de uma mãe com um bebé ao colo. A recente proposta do Governo para exigir um atestado médico logo no início da amamentação é uma dessas decisões que soa a retrocesso. “Um recuo legal”, como já foi dito pela Ordem dos Médicos, mas sobretudo um recuo ético, social e humano.

Amamentar é um gesto profundamente íntimo, físico e emocional. Reduzi-lo à burocracia de um papel carimbado por um médico é transformá-lo num ato a ser justificado, autorizado, quase suspeito. É impor à mãe uma carga que não é dela: a de provar o evidente, como se o vínculo com o seu bebé fosse algo que se valida por via administrativa.

Mas mais do que isso, é também excluir tantas outras mães e pais que, mesmo não amamentando, precisam igualmente desse tempo de conexão, de presença e de vinculação com os seus filhos. O cuidado não tem uma forma única. E o direito a estar com um bebé pequeno devia ser universal, porque é nesse tempo partilhado que se constrói a segurança emocional que nenhuma lei ou produtividade poderá substituir.

Cuidar do nosso bebé devia ser um direito e não um privilégio.

Num país que tanto gosta de afirmar que as crianças são o futuro, é contraditório que se legisle como se a infância fosse um incomodo, como se o tempo com um filho fosse tempo perdido. Como se amamentar, oferecer colo e cuidar fossem tarefas secundárias. A infância não se repete.

Pedir mais burocracia às mães, num momento em que tantas estão frágeis, exaustas, a adaptar-se a uma nova realidade, é desumano. E não resolve nada. Só aumenta o stress, só reforça desigualdades, só afasta as mulheres do que verdadeiramente importa: estar com os seus filhos.

Se é para regulamentar, que seja no sentido de cuidar. Que se pense numa medida verdadeiramente universal, sem necessidade de provas, atestados ou justificações. Por exemplo, uma redução de horário para todas as mães e pais nos primeiros dois anos de vida dos seus filhos. Porque apoiar a parentalidade e consequentemente a natalidade é investir no futuro das famílias e do país.

Se queremos mesmo uma sociedade mais justa, mais humana e mais saudável, temos de começar por proteger o tempo da infância, com empatia, visão e coragem. E isso não se faz com papéis. Porque o amor não cabe num formulário!

Livros que nos estragam

Hoje é comum as bibliotecas municipais terem uma prateleira de livros para dar. Na prática, é uma prateleira de livros para dar e receber. Não é suposto que as pessoas apenas levem livros mas que tragam também. Reconheço que tenho praticado muito mais a arte de levar do que a arte de trazer.

A Biblioteca Municipal de Oeiras tem sido ao longo dos anos um segundo lar para a Família Cavaco. Já lá fizemos trabalhos de casa, conhecemos amigos, tivemos encontros inesperados, escrevemos livros, partimos ossos. Tudo. Daí que uma boa parte do que leio surge não só das prateleiras arrumadas e organizadas da sala principal, como também daquela em que os livros podem ficar para nós.

Sendo eu um cristão que crê que nos salvamos pelo que lemos (ou não fosse um protestante teimoso no princípio do “somente a Escritura”), acredito também que o que lemos não pode ser inteiramente previsto. Ou seja, não devemos apenas ler o que devemos, devemos ler também aquilo que não esperávamos ler. Aliás, muitas vezes devemos até ler o que não devíamos ler. Isto significa que o leitor agraciado será também aquele que leu fora da bibliografia previsível, oficial e canónica.

O que é isso de ler fora da bibliografia previsível, oficial e canónica? É, por exemplo, ler um livro que nos apareceu na prateleira para dar da biblioteca municipal. É ler fora da previsão, fora da lista que anotámos, fora do que julgávamos ter a ver connosco. No fundo, para ler a sério é preciso ler fora de nós. Se tudo o que lermos tiver a nossa cara, o mundo é o rio triste no Narciso.

Não vou cair no extremo de dizer que têm sido esses livros inesperados os mais marcantes. Tenho apanhado umas valentes pessegadas. Ainda por cima, como tenho muita dificuldade em abandonar um livro a meio (sistemas de culpa enraizados), faço questão de aguentar até quando não valem a pena (o que também me proporciona uma experiência interessante: ler sem prazer). Os livros inesperados fazem com que a nossa vida não se torne artificialmente literária.

Uma vida artificialmente literária é aquela em que a escrita consolida a personalidade do leitor. É importante a escrita estragar a personalidade do leitor também. Os leitores de personalidade consolidada são um tédio. Dou um exemplo comezinho: uma Feira do Livro é um evento insuportável. Admitamos. Também já andei por lá e até já fiz aquela figura triste de estar a assinar autógrafos numa editora séria. Mas qualquer reunião de leitores consolidados rapidamente resvala para uma versão apenas mais sofisticada de um desfile de gigantones em carne e osso. Quando os cabeçudos são de madeira são mais simpáticos.

Daí terminar com um conselho: lê o livro que não tem nada a ver da prateleira para dar. Uma auto-ajuda foleira (terminei há dias o “O Caminho Menos Percorrido” do M. Scott Peck), um consagrado contemporâneo maçudo (“The Broom of the System” do David Foster Wallace), o esquecido do tempo do secundário (“Eurico, o Presbítero” do Alexandre Herculano), uma emotiva pérola britânica naquelas infalíveis capas da Penguin (“Silas Marner” da George Eliot), um best-seller semi-técnico do New York Times de que nunca ouviste falar (“Rapt” da Winifred Gallagher). Algo que é certo em ler o livro que parece errado é livrarmo-nos de uma existência literariamente consolidada.

A guerra perdida de Israel

É provável que, como nunca antes, a larga maioria da opinião pública mundial e das posições dos Estados esteja contra Israel, contra a sua campanha militar, contra os métodos utilizados em Gaza e contra a responsabilidade do Governo na não obtenção do regresso dos reféns. Até já dentro de Israel a opinião contrária ou crítica do Governo e da sua acção em Gaza e na Cisjordânia começa a ser significativa e pública. As reacções justas e justificadas do Governo e das Forças Armadas de Israel contra os covardes ataques do Hamas começaram por ser aceites sem dificuldade. Dois anos depois, são geralmente consideradas desproporcionadas, excessivas e até dignas do epíteto de genocídio. Os mais indignados fazem mesmo repetidas alusões ao Holocausto. De vítima, Israel passou rapidamente a criminoso.

Os leitores são a força e a vida do jornal

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Mas como, senhor Ministro, como?

“A estratégia “consistente” do Ministério da Agricultura é, assim, “de longo prazo”: Castro Almeida reiterou que este problema não se resolve “em dois ou três anos” e que não passa por “pagar as operações de limpeza, mas sim tornar a limpeza interessante do ponto de vista económico”.

Tive o cuidado de ir verificar a citação, que está correcta, e não tenho a pretensão de que o Senhor Ministro estivesse a responder às minhas propostas públicas para que os contribuintes paguem o serviço de gestão de combustíveis finos a quem o produz, como forma de induzir maior competitividade nas fileiras económicas que hoje gerem combustíveis finos (resina, pastorícia, gestão florestal comercial, conservação da natureza, caça, enfim, há um grande número de actividades económicas que fazem gestão de combustíveis finos, internalizando os custos dessa gestão).

Acontece que estas actividades, nas actuais circunstâncias, não chegam para fazer uma gestão de combustíveis finos (ervas, matos, raminhos, cascas, caruma, pinhas, etc.) que nos permita ter controlo sobre o fogo. Há pelo menos 200 anos que, em Portugal, se discutem formas de tornar economicamente mais interessante a gestão dos terrenos marginais, sem que os resultados se possam considerar razoáveis. Por economia de argumentação, vou deixar de lado as actividades que dependem da filantropia, como a conservação da natureza e falar das outras.

Aumentar a competitividade implica conseguir ter preços mais interessantes para os produtos que se colocam no mercado, ou ser mais eficiente ao ponto de conseguir colocar produtos e serviços no mercado a preços que o consumidor final aceita.

Para negar qualquer possibilidade de pagar um serviço socialmente útil, como faz o Senhor Ministro, seria preciso que a alternativa que apresenta tivesse um mínimo de solidez.

Pessoalmente, não vejo como pode o Governo português influenciar os preços do mercado internacional (uma das maneiras de dar valor à gestão florestal) e não percebo o que pretende fazer diferente do que tem sido feito há décadas para aumentar a eficiência das actividades que gerem combustíveis finos (a outra maneira de dar valor à floresta) e vou tentar explicar

Eu sei que há um clamor dos produtores de madeira contra o duopsónio (os próprios dizem que não são apenas dois compradores, há mais dois ou três) que caracteriza o mercado da madeira de eucalipto (falo deste por ser aquele em que seria mais fácil transferir valor para os produtores primários, em princípio, mas o que digo é válido para a madeira pinho, a resina, a cortiça, enfim, qualquer um dos produtos que exportamos a partir da produção florestal), teoricamente seria possível convencer as empresas de celulose a pagarem melhor a madeira, porque as fábricas são rentáveis.

O problema é que estas empresas concorrem em mercados internacionais em que se esforçam por sobreviver, sendo, por isso, escravas do preço dos produtos finais que chegam ao consumidor, como o papel, mesmo que não produzam papel, e só pasta, como no caso da Altri.

Sendo certo que já hoje importam madeira, e que essa importação de madeira impacta negativamente as suas contas, corremos o risco de as empresas preferirem fechar centros de produção, se o custo da madeira se tornar incomportável.

Depois de explicado o mais simples, por decorrer de conceitos simples de economia, isto é, por que razão a indústria não paga melhor a madeira que compra (não dá valor à floresta, para usar as palavras do Senhor Ministro), passemos brevemente pela habitual resposta sobre inovação, com dois exemplos concretos.

O primeiro, mais frequente, é a tineta de que as centrais de biomassa podem representar uma forma de valorização da gestão de matos, ideia com barbas, com uma longa história de fracassos, mas que ainda assim não morre.

A primeira central concreta que iria produzir electricidade a partir de matos foi a de Mortágua, que no seu mix de combustíveis usava talvez 2% de matos (e por vontade não económica de demonstrar que tinha utilidade para o que supostamente tinha sido feita), e as outras dificilmente usarão mais, porque as centrais precisam de materiais densos com elevada intensidade energética, e o fogo consome materiais finos, essencialmente ar e água, de baixa intensidade energética.

O segundo exemplo era um ovo de Colombo, penso que em Oliveira do Hospital, com um grande apoio da Universidade de Coimbra, que em vez de queimar matos para produzir electricidade, ia fazer bio refinação dos matos para obter bio petróleo, projecto em que não se queimaram matos, mas se queimaram uns milhões de euros.

O mais estranho não é que se invista nisto e o investimento nem sempre resulte, é da natureza da inovação falhar mais vezes que acertar, o estranho é que tudo isto se fez sem que ninguém quisesse saber que os matos são essencialmente ar e água, o que quer dizer que têm o mesmo problema do papel higiénico, um grande volume para um baixo valor, o que implica elevados custos de transporte, isto é, mesmo que no laboratório se produzisse (e penso que produziu) bio petróleo, não há qualquer hipótese da bio refinação ser mais rentável que o pastoreio pelo simples facto de, na comparação, as cabras terem uma vantagem enorme nos custos de transporte já que vão ter com a matéria prima, ou seja, não há novo negócio competitivo que vá gerir o mato.

O texto vai longo e, na verdade, Senhor Ministro, eu já escrevi aqui o que pensava do tal Plano de Valorização da Floresta que, na sua opinião, nos vai conduzir aos amanhãs que cantam.

O que eu gostava, Senhor Ministro, é que me explicasse como, como é que o Governo vai conseguir dar valor ao que as pessoas, isto é, os mercados, não dão valor e de onde lhe vem a certeza que esse caminho é melhor, mais simples e mais eficaz que alinhar os incentivos públicos com os mercados, pagando o serviço público de interesse geral que está implícito no pagamento parcial da gestão de combustíveis finos que é hoje feito pelas empresas que actuam no sector, percorrendo exactamente o mesmo menu de medidas que todos os seus antecessores percorreram, sem que conseguissem os resultados que se pretendia.

UE condena detenção de ex-deputado português em Macau e admite estar preocupada

A União Europeia condenou este sábado a detenção do ex-deputado de Macau e cidadão português Au Kam San, acusado de violar a lei da defesa da segurança do Estado, admitindo preocupação com a erosão das liberdades na região.

“A UE [União Europeia] condena a detenção de Au Kam San, cidadão da UE e antigo deputado de Macau, no dia 30 de julho, sob acusações de [violar a Lei de] Segurança Nacional”, avançou um porta-voz do Serviço Diplomático de Bruxelas, em comunicado este sábado divulgado.

Sublinhando que esta “constitui a primeira aplicação da Lei de Segurança Nacional da Região Administrativa Especial de Macau desde a sua adoção em 2009”, o Serviço Europeu para a Ação Externa afirmou que o acontecimento “agrava as preocupações existentes sobre a contínua erosão do pluralismo político e da liberdade de expressão” na região.

Bruxelas “recorda que o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais é um elemento central da Lei Básica de Macau e da máxima ‘um país, dois sistemas’”, acrescenta-se no comunicado.

A diplomacia da UE lembra ainda o dever da China de respeitar que a premissa do respeito pelos direitos dos residentes de Macau foi também estabelecida através da Declaração Conjunta Sino-Portuguesa de 1987 e do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

O caso está a ser acompanhado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros português que garantiu, através de fonte oficial, que “o assunto merecerá a melhor atenção das autoridades portuguesas, desde logo em futuros encontros a nível político, no espírito da Declaração Conjunta”.

O ex-deputado pró-democracia foi detido na quinta-feira por suspeita de violação da lei de Segurança Nacional, encontrando-se em prisão preventiva.

“A polícia entregou ao Ministério Público um indivíduo de Macau que terá conluiado com as forças externas anti-China, o qual, na sequência da investigação preliminar, se encontra preso preventivamente por suspeita de violar a lei relativa à defesa da segurança do Estado”, referiu o Ministério Público (MP) em comunicado divulgado na quinta-feira.

A medida de coação, continuou o MP, foi aplicada devido a “fortes indícios da prática do crime de estabelecimento de ligações com organizações, associações ou indivíduos de fora” de Macau “para a prática de atos contra a segurança do Estado”.

Au Kam San é suspeito, de acordo com a polícia, de fornecer a uma “organização anti-China” uma “grande quantidade de falsas informações com caráter provocador, para exibição pública no estrangeiro e ‘online’ nas redes sociais”.

A morte das bandas e o triunfo do algoritmo

Os Oasis voltaram, e estou em delírio. Para um quarentão que viveu a sua juventude nos anos 90 e gostasse de boa música, os Oasis eram uma banda essencial. Na altura, nem conhecia bem os Beatles, até conheci primeiro os Oasis (sacrilégio!). Estou muito feliz em vê-los voltar para esta digressão em que vão tocar todas as grandes músicas. Não estive presente em Cardiff no primeiro concerto nem estarei nos milionários concertos, mas mesmo assim é bom. Desenterrei novamente as músicas deles à guitarra e tem sido excelente.

Não deixa de ser curioso que hoje já não há bandas como os Oasis, nem sequer bandas. Como dizia bem Noel Gallagher, guitarrista e fundador dos Oasis, a indústria musical mudou e a boa música não está nos tops. Por várias razões.

Eu cresci numa época áurea de bandas, os anos 80 e 90: posso-me orgulhar de que apenas no ano de 1991 assisti à saída de um cluster de álbuns altamente influentes que foram lançados na música pop numa rápida sucessão: no espaço de apenas umas semanas, “Black Album” dos Metallica, “Ten” dos Pearl Jam, “Use Your Illusion I & II” dos Guns N’ Roses, “Nevermind” dos Nirvana e “Blood Sugar Sex Magik” dos Red Hot Chili Peppers chegaram às prateleiras e aos tops. Todas as bandas que, passados 30 anos, ainda ouvimos atualmente e que a geração Z adotou como suas — vejam como usam as t-shirts destas bandas e como muitas ainda atuam. Pergunto o seguinte: ainda ouviremos Beyoncé, Taylor Swift, Harry Styles, Dua Lipa, daqui a 30 anos?

Nos anos 90, os tops da música pop e rock estavam repletos de bandas que moldaram uma geração: Nirvana, Oasis, Pearl Jam, Radiohead, Red Hot Chili Peppers. Esses nomes, mais do que simples artistas, eram símbolos culturais, espelhos de um tempo em que a música significava identidade, autenticidade e comunidade. Trinta anos depois, os rankings globais são dominados por estrelas pop altamente produzidas, influenciadores musicais como Taylor Swift, Beyoncé ou Bad Bunny—artistas cuja relação com o ouvinte passa tanto pelo som como pelo storytelling digital, estética visual e presença nas redes.

O que mudou?

A resposta mais direta está na própria estrutura do mercado musical. Se antes era o rádio, a MTV (como me lembro do tempo da MTV), ou a crítica especializada que determinavam o que era ouvido, hoje é o algoritmo que manda. Plataformas como TikTok, Spotify ou YouTube substituíram os curadores humanos por motores de recomendação baseados em dados. A lógica não é promover qualidade, mas maximizar cliques, retenção e viralização.

Essa pressão transforma a criação musical. Em vez de canções com arranjos elaborados e crescendos narrativos, temos refrões de 10 segundos prontos a explodir no TikTok. Em vez de álbuns com coesão estética, temos faixas isoladas otimizadas para playlists genéricas. A canção é conteúdo, não obra. E Bill Gates já tinha antecipado a grande mudança do marketing, que chegou à gestão da música. Iria passar a ser conteúdo: “content is king”.

O eclipse das bandas

Noel Gallagher, líder dos Oasis, foi direto ao ponto numa entrevista à Gibson TV, “a coisa das bandas, no momento, está morta”.

Tive a sorte de pertencer a várias bandas na minha juventude e não sei se hoje os miúdos estarão assim tão preparados para isso. É certo que também vivi as separações e o desafio de ensaiar em conjunto. Mas é uma experiência única e das mais gratificantes.

E há razão neste lamento de Gallagher. Enquanto nos anos 90 a música era vista como um esforço coletivo, emocional e muitas vezes caótico, hoje é um projeto solo, digitalizado e altamente profissionalizado. O sucesso passou a depender mais de branding pessoal e do “content” do que de química musical.

Havia também muitas “ineficiências” na organização da música, é certo. A maioria das vezes, os músicos não sabiam gerir carreira, criar uma estratégia, bebiam, drogavam-se demais e a “arte”, no sentido criativo e mais caótico do termo, é que prevalecia sobre tudo. Hoje é o oposto, a gestão e o marketing altamente sofisticado e potencializado pela inteligência artificial tomaram conta de toda a música pop. Não é tudo mau, mas desequilibrou-se tudo outra vez noutro sentido. E já não falo aqui das múltiplas queixas de músicos proeminentes quanto às plataformas de streaming de música.

Taylor Swift, por exemplo, é um fenómeno global que transcende a música. O seu sucesso deve-se tanto à sua capacidade de escrever boas canções como à gestão exímia da sua imagem e narrativa pessoal. Beyoncé, por seu lado, construiu um império assente em performance visual, ativismo cultural e lançamentos multimédia que dominam o ciclo noticioso. A música, ainda que sólida, é apenas um componente do produto. Para mim, pessoalmente, uma mão cheia de nada e são artistas muito politizados, o que destrói a arte e a torna “engagé”(engajada socialmente) e, como vimos no passado, datada. Swift é uma grande gestora, é certo. Ninguém o nega, mas a arte é mais que isso. E o tempo vai dizer se ela é assim tão “estratosférica” em termos musicais como uns Beatles ou uns Nirvana.

É legítimo perguntar: será esta visão apenas saudosismo? Talvez em parte. Sim, sou um quarentão afundado na vida adulta e que sente falta dos concertos, das viagens, do público à nossa frente, dos ensaios, da pura criação (não fui nada estratosférico, mas dos poucos concertos que dei, já me chegou em satisfação). Mas há algo de estrutural nesta mudança. Os mecanismos que elevam artistas ao topo já não são os mesmos — e já não priorizam necessariamente a qualidade musical ou a perenidade.

Grande parte dos adolescentes entre os 13 e os 18 anos descobre nova música através de vídeos curtos nas redes sociais. Vamos contar pelos dedos das mãos os que se referem à rádio. Isto significa que a lógica do “hook imediato” prevalece sobre a construção musical. A atenção é o novo petróleo, e a música é apenas um dos meios para captá-la.

O mais inquietante não é apenas a mudança de nomes ou de estilos, mas a desvalorização da experiência musical como arte e como tempo partilhado. Já não há expectativa por um álbum, nem capas para folhear, nem letras para decorar. Há “conteúdo” para consumir e descartar.

Isso não quer dizer que não exista música de qualidade a ser feita hoje — pelo contrário. Há artistas extraordinários a emergir nos interstícios do sistema. Mas não estão necessariamente nos tops, nem vivem da atenção algorítmica.

É tempo de perguntarmos o que queremos da música. Se aceitarmos que o algoritmo decide por nós, então seremos apenas consumidores passivos de tendências efémeras. Mas se procurarmos ativamente, descobriremos que ainda há bandas, ainda há álbuns com alma e ainda há canções que não servem apenas para dançar em frente ao espelho, mas para pensar, sentir e lembrar.

Talvez o futuro da música não esteja nos tops. Talvez esteja onde sempre esteve a verdadeira arte: à margem, à espera de quem a queira escutar.

Lula ganha de todos os concorrentes em 1º e 2º turnos, mostra Datafolha

Os artigos da equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil.

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A mais recente pesquisa do Datafolha divulgada neste sábado mostra uma ligeira recuperação da posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa pela reeleição no ano que vem. Ele lidera de forma isolada todos os cenários em que disputa no primeiro turno e, no segundo, descolou-se no limite da margem de erro do inelegível Jair Bolsonaro (PL) e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).

A mudança é discreta, mas ocorre ao mesmo tempo em transcorre o embate de Lula com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que não lhe auferiu melhoria na avaliação de governo, segundo o mesmo levantamento. Mas pode sugerir efeito do alinhamento do clã Bolsonaro e aliados ao americano, que elevou a 50% as tarifas de importação sobre os produtos brasileiros.

Trump o fez alegando que Bolsonaro, que está sendo julgado acusado de tentar um golpe de Estado para ficar no Palácio Planalto após a derrota em 2022 para Lula, é um perseguido político. Isso fez a oposição pespegar no ex-presidente e entorno o rótulo de traidores da pátria, deixando governadores como Tarcísio em saia-justa.

O Datafolha testou sete cenários de primeiro turno. Bolsonaro ainda tem seu nome avaliado porque, mesmo inelegível, pode inscrever sua candidatura — assim como Lula fez quando estava preso em 2018, só para ser barrado mais perto do pleito.

Em todos, Lula tem vantagem sobre a oposição. Ampliou a vantagem sobre Bolsonaro em relação à pesquisa do mês passado em cinco pontos, batendo o rival por 39% a 33%. A margem de erro é de dois pontos para mais ou menos.

Para ficar na família, Lula derrota ambos os filhos do ex-presidente por margem semelhante: o deputado Eduardo (PL-SP) por 39% a 20% e o senador Flávio (PL-RJ), por 40% a 18%. Já a mulher de Bolsonaro, Michelle (PL-DF), perde por 39% a 24%.

Na disputa com Tarcísio, há estabilidade ante a rodada anterior. Lula marca 38% a 21%. O governador é o nome principal da oposição nos dois cenários sem o petista, e tem desempenho semelhante: empata em 23% a 23% com o ministro Fernando Haddad (PT) e fica na igualdade técnica com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB-SP), que lidera por 24% a 22%.

Lula decola no 2º turno

Nas hostes oposicionistas, o nome que melhor se sai além de Tarcísio é o do governador Ratinho Jr., do PSD do Paraná. Ele fica no terceiro lugar de forma consistente, oscilando da casa de 10% a 14% nos cenários hoje mais plausíveis.

O Datafolha dobrou os cenários de segundo turno. O empate técnico na simulação da pesquisa anterior de Lula contra Bolsonaro ou Tarcísio foi substituído agora por um descolamento do petista.

O ex-presidente tinha 45% ante 44% do petista, que agora lidera no limite máximo da margem, por 47% a 43%. Já o governador oscilou de 42% para 41%, enquanto Lula foi de 43% para 45%. A vantagem segue sobre Michelle (48% a 40%), Eduardo (49% a 37%) e Flávio (48% a 37%).

Nas novas simulações, quem se destaca é novamente Ratinho Jr., com desempenho semelhante ao do governador paulista, perdendo de 45% a 40% para Lula. O fator do nome pesa e pode influenciar o resultado, dada a popularidade do pai do paranaense, o apresentador de TV homônimo.

Seja como for, num cenário em que o campo da direita está aberto e Tarcísio é pressionado por alguns aliados a buscar a reeleição, é um dado a notar — e Ratinho Jr. é do PSD do mandachuva Gilberto Kassab, importante nome do governo paulista.

No mais, Lula marca 47% a 35% contra Ronaldo Caiado, governador de Goiás pelo União Brasil, e 46% a 36% quando enfrenta Romeu Zema, que governa Minas Gerais pelo Novo.

Sem o atual presidente, Tarcísio derrota Haddad por 43% a 37% no segundo turno e, em outro cenário, empata tecnicamente com Alckmin, mas tendo vantagem numérica (40% a 38%).

A pulverização do momento é aferida também quando se observa a tabela de nomes citados de forma espontânea pelos eleitores. Nela, está desenhado o imaginário da polarização: Lula tem 22%, Bolsonaro, 17%, e Tarcísio, 1%.

Índice de Rejeição

Já a rejeição, fator importante na construção de candidaturas, coloca Lula (47%) e Bolsonaro (44%) com patamares quase proibitivos de fastio do eleitorado hoje. A família do ex-presidente também é bem rejeitada, na casa dos 36%-38%.

Os eventuais candidatos da oposição sem o sobrenome Bolsonaro se beneficiam pela pouca exposição fora de suas fronteiras estaduais: Tarcísio tem só 17% de rejeição, ante 21% de Ratinho Jr. e 22% de Zema.

No campo governista, Haddad, que perdeu a disputa nacional para Bolsonaro em 2018, tem 32%, enquanto Alckmin, com longa carreira em São Paulo e duas derrotas federais (2006 e 2018), registra 27%.

O Datafolha foi às ruas nos dias 29 e 30 de julho, tendo entrevistado 2.004 eleitores em 130 municípios.

O acordo comercial entre os EUA e a UE

“O acordo cria certeza em tempos incertos”, disse Ursula von der Leyen, após a conclusão das negociações que fixaram uma tarifa aduaneira transversal de 15% para as exportações europeias e de 0% para as exportações americanas. Num primeiro momento, o único modo de justificar um resultado tão assimétrico como este foi recordar possibilidades mais gravosas. Podia ter sido pior foi o suspiro de alívio de alguns destacados representantes europeus, desde o Comissário para o Comércio, Maros Sefcovic, até ao chanceler alemão, Friedrich Merz, para quem as preces dos produtores alemães de automóveis soaram a ordens. O Primeiro Ministro belga foi filosófico. Descreveu o desenlace como “um momento de alívio, mas não de celebração”. Outros não se contiveram com tanta ponderação. O chefe do governo francês, Bayrou, depois de uns dias antes alertar os seus conterrâneos de que a austeridade vinha a caminho para evitar um “cenário à grega”, declarou “um dia sombrio”, e não hesitou em usar a palavra “submissão”.

De facto, nem os recursos recentemente preparados pela Europa para responder à coerção comercial de outros países – o chamado “instrumento anti-coacção” – mostraram que têm dentes; nem as estratégias mais audazes de pressão sobre os americanos, como ameaçar estrangular a economia americana com a carestia de bens intermédios europeus, estratégia usada pelos chineses nas últimas semanas com algum sucesso, puderam dar um ar da sua graça. Entre as vítimas de tanto negrume, consta a Organização Mundial de Comércio cujas normas, em particular as respeitantes ao estatuto de Nação Mais Favorecida, vão sendo uma a uma enterradas.

Na verdade, como não conhecemos os detalhes da aplicação destas tarifas, nem o tratamento dos sectores que foram vagamente citados como excepções, ainda não sabemos a amplitude real das consequências deste acordo. Não sabemos que viabilidade têm os números que impõem à Europa aquisições de produtos energéticos americanos, num período de 3 anos, os mesmos que perfazem o mandato presidencial de Trump, na ordem dos 750 mil milhões de dólares. Nem da capacidade de a Comissão vincular o sector privado de 27 Estados-membros a investir nos EUA cerca de 600 mil milhões. Por um lado, em 2018 Jean-Claude Juncker, o então presidente da Comissão Europeia, já prometera a Trump aumentar em grande escala as importações de energia, em particular de gás natural liquefeito, para apaziguar a fúria americana. Sem efeito notável, diga-se. Por outro lado, quem verificou os números actuais, constatou que nada do que foi estipulado é cumprível. Até ao final deste ano, a União Europeia, no seu conjunto, importará dos EUA menos de 65 mil milhões, incluindo gás natural, petróleo e carvão. Seria necessário quadruplicar estas encomendas já a partir de 2026, e se tal fosse possível, dadas as restrições de infraestrutura americana (em 2024, os EUA exportaram não mais do que 165 mil milhões destes seus três tipos de produtos energéticos para o resto do mundo) e as necessidades energéticas europeias, haveria rupturas sérias nas relações com outros fornecedores – e não apenas com a Rússia que já devíamos ter penalizado há muito mais tempo.

Além do dano que este acordo nebuloso causará à economia transatlântica, estes aspectos mirabolantes reflectem duas coisas distintas, mas cada vez mais ligadas. Primeiro, uma concepção radicalmente performativa da política, quer interna, quer externa. Proclama-se o que se quer e a eficácia da proclamação produzirá o resultado pretendido, não sendo as condições objectivas da realidade suficientes para o fazer. Trump “triunfou”, e o “negociador nato” verga todos os que encontra pela frente – este é um dos elementos da nova mitologia política americana que parece querer cavar um abismo próximo onde se afogar.

Segundo, a fraqueza geopolítica da Europa. O tão desejado mundo multipolar tem destes inconvenientes: os espaços políticos que não acompanharem o desempenho económico, tecnológico, militar, cultural dos seus adversários, não conseguirão conservar a situação de preeminência e de superioridade a que se habituaram. Em todos estes planos, a Europa debate-se com dificuldades cada vez mais notórias. Com um crescimento anual da sua economia, fixando o ano de Julho de 2024 a Julho de 2025, de 1,4%, a EU vai ficando cada vez mais para trás relativamente ao desempenho americano e chinês.

Incapaz de se defender sozinha, de agir na sua vizinhança próxima sem a iniciativa dos EUA, a Europa fica à sua mercê em tudo o resto. Está na hora de a Europa resistir à tentação de se dispersar por objectivos políticos cada vez mais numerosos. A alternativa é concentrar-se naqueles que poderão voltar a conferir-lhe poder e estatuto geopolíticos. Mais e mais objectivos políticos, e outras tantas competências burocráticas, apenas vão distraindo do essencial e entorpecendo a capacidade de agir. Não há nada de muito novo aqui: a reforma do mercado único e uma união dos mercados de capitais; o investimento em defesa; a travagem da degradação institucional e do esboroamento cultural das sociedades europeias. São tarefas prioritárias para todos os que não querem apenas fazer da política uma procissão de lamentos. Os sinais de alarme estão todos a soar e o capital político para levar a cabo transformações necessárias nestes domínios não é infinito. É preciso usá-lo bem e com critério.