As reparações foram ao teatro

As pessoas woke estão sempre a presumir que a questão das reparações é sensível, difícil de abordar, e que só por isso o debate dessa questão não arranca na sociedade portuguesa, mas estão enganadas. Em primeiro lugar porque o debate já arrancou há muitos anos (começou em abril de 2017). Em segundo lugar porque é muito fácil debater a questão das reparações desde que se assuma, como há muito faço, que não há qualquer reparação a fazer e que se explique porquê. Ao contrário do que gente woke pensa, a questão não está adormecida ou ainda por tratar. Está, isso sim, digerida e resolvida pois tudo indica que os portugueses têm uma opinião formada sobre o assunto, que é a de discordar de pedidos de desculpa e de reparações. No nosso país pensa-se, ao invés, que os portugueses devem ser indemnizados pelo que deixaram em África.

Ou seja, a menos que haja uma inesperada mudança no rumo dos acontecimentos e das correntes de opinião o assunto das reparações é um nado-morto em Portugal e faço votos de que assim permaneça. É verdade que no verão de 2023 dez pessoas woke, entre as quais o conhecido activista Mamadou Ba, produziram uma pomposamente designada Declaração do Porto, ou seja, um caderno reivindicativo no qual, entre outras coisas, se exigia ao Estado português que pagasse indemnizações às pessoas lesadas pelo colonialismo. Esses woke puseram a dita Declaração a circular na Internet com vista à recolha de assinaturas. Esperavam, obviamente, uma grande adesão à iniciativa, mas o resultado foi tão escasso que ela não chegou a descolar. Na primavera seguinte houve quem pensasse que as infelicíssimas declarações de Marcelo Rebelo de Sousa iriam reanimar o assunto. Organizaram-se dois ou três debates televisivos, mas a questão nunca ganhou tracção e voltou a desaparecer da ordem do dia e das preocupações dos portugueses. Actualmente, e salvo melhor opinião, as reparações são um tema de nicho, estritamente africano ou de extrema-esquerda, que tem alguma exposição na RTP África e em raras iniciativas de académicos conotados com o Bloco, e por aí se fica.

O desejo de insuflar vida num tema que está praticamente morto, ou desaparecido num gueto, foi a principal razão que levou Marco Mendonça, um actor, dramaturgo e encenador nascido em Moçambique em 1995 — é um jovem, portanto —, a pôr de pé a peça teatral Reparations, Baby!, algo que foi profusamente noticiado e que tenta, por via  de uma nova abordagem — o riso e o desafio destinados a provocar reflexão —, culpabilizar e responsabilizar os portugueses por determinados aspectos do seu passado colonial. Como o próprio autor nos diz, “pode ser produtivo saber que a culpa existe, e que ela pertence a alguém. Acredito que, mais do que nunca, as pessoas precisam de viver essa culpa, de a sentir, ou de empatizar com quem reclama reparações históricas (…) A culpa existe, e está, de certa forma, no ADN da construção do país e do império”, ainda que a população branca de Portugal se recuse a aceitá-lo. Os portugueses não seriam “heróis do mar” e sim “heróis do mas”, sempre a desculpar as atrocidades do império com os usos e costumes dos “homens desse tempo”, sempre afogados em séculos de mentiras.

Tanto quanto posso ver, e não obstante os seus eventuais méritos e a chancela do Teatro Nacional D. Maria II, a peça não suscitou a atenção e o debate que o seu autor desejava, o que talvez seja bom pois Reparations, Baby! coxeia um bocado do ponto de vista histórico. É claro que a arte não tem de ser historicamente irrepreensível e que uma peça de teatro pode valer por muitos outros aspectos que não o rigor histórico. Mas Marco Mendonça quer meter a História ao barulho, assume frontalmente que pretende, entre outras coisas, ensinar e informar, e preocupa-se em “lançar factos, dados históricos, estatísticas” para a sua audiência. O problema é que por vezes o faz sem ter os conhecimentos requeridos e sem saber exactamente do que está a falar. Atirar aos espectadores com o número de escravos transportados em navios registados com bandeira portuguesa, por exemplo, é enganador, a menos que se explique — o que Marco Mendonça não faz — o que era o chamado embandeiramento e qual a sua dimensão. Para quem não sabe, o embandeiramento era, e continua a ser, um estratagema seguido pelos armadores de navios como forma de contornarem proibições ou leis mais rigorosas e foi adoptado também no tráfico ilícito de escravos. O recurso fraudulento à bandeira portuguesa foi praticado em larguíssima escala pelos negreiros que actuavam no Brasil, quando a partir de 1830, por lei e pelos tratados, esse tráfico se tornou proibido nesse país. Todavia, o Brasil continuou a fazê-lo recorrendo à bandeira portuguesa, tendo, a coberto dessa habilidade, importado quase meio milhão de escravos negros. Acrescente-se a propósito, e pela milésima vez, que Portugal não “foi responsável pelo tráfico de quase 6 milhões de homens, mulheres e crianças”. Isso é falso. Esses são os números agregados de dois países: Portugal (4,5 milhões de pessoas) e Brasil independente (1,3 milhões).

As objecções que um historiador pode pôr à peça não se ficam pelos erros numéricos e pelas meias-verdades que ela transmite. Há um problema de fundo com a divisa ou filosofia de que a referida peça parte e em que assenta. De facto, Reparations, Baby! é proposta aos espectadores por meio da seguinte declaração da cantora sul-africana Miriam Makeba: “O conquistador escreve a História. Eles vieram, dominaram e escreveram. Não se espera que as pessoas que vieram para nos invadir escrevam a verdade sobre nós”. Esta frase e outras do mesmo género que frequentemente encontrarmos nas redes sociais de pessoas africanas e afrodescendentes são geralmente apresentadas sob a forma de axioma, como algo tão perfeitamente claro e evidente que dispensaria demonstração. Por vezes são difundidas com uma conotação ou carga reactiva. Há cinco anos, num artigo com vários equívocos, o escritor angolano João Melo, por exemplo, afirmou que “a história é escrita pelos vencedores. Mas também pode ser reescrita, quando os derrotados se rebelam”.

Estamos perante afirmações ou máximas erradas e, no caso de João Melo, duplamente erradas. Na verdade, a História não é escrita pelos conquistadores ou vencedores — que seriam, por suposta inerência, mentirosos —, mas sim pelos historiadores. Há bons e maus historiadores, os que são isentos e os que são politicamente interessados em virar as coisas num certo sentido. Há bons historiadores negros — Orlando Patterson, por exemplo — que, no essencial e no que se reporta aos factos, dizem o mesmo que os bons historiadores brancos, o que não é de estranhar porque a História é escrita com base em documentos que podem ser verificados e estudados por qualquer pessoa, seja ela descendente de vencedores ou de vencidos. Dito isto, subsiste uma importante pergunta: poderíamos construir e contar uma outra História como é o manifesto desejo de muitos africanos, de Miriam Makeba ao autor da peça Reparations, Baby? Poderíamos, sim, se houvesse novas questões a colocar aos documentos existentes — e se eles fossem capazes de nos dar novas respostas — e sobretudo se houvesse novos documentos autênticos, de preferência produzidos pelos povos conquistados ou dominados, que permitissem contestar ou contradizer as versões que agora temos e aceitamos como boas.

Mas haverá esses documentos? Não parece, ou pelo menos ainda não foram encontrados, e essa é uma limitação não apenas de boa parte da história de África, mas das histórias de todos os povos sem escrita, cujas existência, características, formas de actuação e condutas políticas e sociais chegaram até nós por via do que os povos letrados que com eles contactaram nos transmitiram. O que sabemos dos povos do sul de Angola chegou até nós por intermédio do que os portugueses deles escreveram; o que conhecemos dos Hunos foi-nos transmitido pelos Romanos; etc.

Trata-se de uma inevitabilidade sempre que estão em contacto ou em confronto povos com e sem escrita, que faz com que a informação obtida sobre os que não sabem escrever e não nos deixaram as suas próprias narrativas seja parcial. Mas isso não significa que seja falsa, ao contrário do que Miriam Makeba, João Melo e muitíssimos africanos supõem. Aliás, afora as questões numéricas ou mensuráveis, os historiadores lidam sempre ou quase sempre com informações parciais, pessoais, unilaterais, que têm de filtrar e descodificar. É esse, em boa medida, o seu trabalho. João Melo diz que a História pode ser reescrita “quando os derrotados se rebelam”, mas está equivocado e a equivocar-nos. Nos casos em que isso é feito, quando os povos em rebelião chegam ao poder e invertem ou alteram a narrativa fazem-no por razões de conveniência política e ideológica e não por motivos historiográficos ou científicos. Nesses casos a História deixa de o ser, isto é, deixa de ser uma forma isenta de conhecer o passado e converte-se num logro e em propaganda, numa História militante e revanchista. A História só se reescreve quando se lança mão de novos conceitos, se utilizam novos documentos ou se enfrentam novos problemas.

É por isso falso que, à falta desses ingredientes, os africanos apologistas de reparações possam escrever uma história substancialmente diferente da que até agora foi escrita. Quando, para contornarem o obstáculo da lacuna documental, recorrem à fantasia e nos dão opiniões, provocação, humor ou representação teatral salpicada de dados históricos avulso, como acontece na peça Reparations, Baby!, estão a propor-nos um mundo ficcional, a espicaçar as nossas emoções, a fazer activismo e intervenção política. Tudo isso é perfeitamente legítimo, claro, mas não confundam as coisas: não é História e geralmente nem sequer é verdade.

Dispensa para amamentação. Querer ir mais além

Parto do princípio de que o debate em torno das alterações ao código do trabalho é motivado por um desejo de maior proteção da maternidade, de melhores condições para a amamentação e aleitação, de preocupação com o bem estar das famílias. Também tenho esse desejo.

Assim sendo, se tantos estão de acordo, haverá condições políticas e sociais para querer ir mais além, na defesa de políticas públicas para a família, para a proteção da infância, para a conciliação família-trabalho.

Habitualmente atenta a estes temas, confesso que levei tempo a perceber o que estava em jogo.

Entre as declarações da Sra. Ministra do Trabalho, as reações dos partidos políticos da esquerda à direita, da Ordem dos Médicos e de outros parceiros sociais, compreendi que havia alguma confusão a gerar perplexidade e reações excessivas. Mais uma vez, na bolha mediática, mais ruído do que esclarecimento.

Senão, vejamos:

Na redação do Código de Trabalho que está em vigor (artigo 47º, parágrafo 1) “a mãe que amamenta o filho tem direito a dispensa de trabalho para o efeito, durante o tempo que durar a amamentação.” A nova redação do mesmo parágrafo  determina uma limitação no tempo de amamentação – “até a criança perfazer dois anos”.

Trata-se, pois, da introdução de uma clarificação quanto ao tempo de amamentação, em linha com os pareceres emitidos pela Ordem dos Médicos, pela Associação dos médicos de família e pela DGS.

A outra questão é a obrigatoriedade de apresentação de atestados médicos que comprovem a amamentação, necessidade que é criticada pelos profissionais de saúde e outros actores sociais.

Estas duas alterações estão a provocar conflito e crítica. Considera-se uma perda de direitos, um retrocesso, uma medida contra a família. Mais uma vez, uma comunicação menos cuidada, gera dificuldades difíceis de ultrapassar.

Acredito que na concertação social se pode trabalhar um entendimento, e que será possível alcançar um consenso.

Um compromisso possível seria:

  1. a aceitação da limitação do tempo de amamentação;
  2. a aceitação de um compromisso de honra da mãe de que está a amamentar, sem necessidade de atestados médicos.

Estou certa de que na Assembleia da Republica, também se poderá trabalhar um entendimento político que permita ultrapassar as divergências que surgiram.

Tenhamos consciência de que é preciso muito mais, num país com graves alterações demográficas e com uma taxa de natalidade das mais baixas do mundo!

Faltam crianças. Faltam famílias com filhos. Não porque não os desejem, mas porque é muito difícil.

Quanto mais uma sociedade e uma cultura se “habitua” a não ter filhos, mais isso a reforça e os filhos não surgem.

Bem sei que há problemas muito difíceis de resolver, como os problemas da habitação, dos salários baixos, do trabalho estável.

Mas há caminhos que se podem percorrer já, se queremos ir mais longe.

Duas sugestões.

Alargar a Creche Feliz para TODAS as crianças. Os equipamentos de guarda de crianças têm de ser próximos e acessíveis. As dificuldades na procura de vagas em creches, são um dos maiores obstáculos que os jovens pais enfrentam.

Redução do tempo de trabalho para pais ou mães nos primeiros 2 anos de vida de um filho, sem depender da amamentação ou aleitação. Seria muito mais justo, eficaz, paritário. Um fortíssimo sinal para a sociedade. O tempo passado com crianças nos primeiros anos de vida é essencial no seu desenvolvimento físico e emocional.

Ao governo, peço que ouse. À Assembleia da República, que legisle. À sociedade e às empresas, lembro que as condições de trabalho também são um investimento.

A minha moral é superior à tua (4)

O Partido Republicano (GOP – Grand Old Party) passou por uma metamorfose que o transformou de bastião do conservadorismo económico num movimento cultural radicalizado. O que outrora foi um partido de elites económicas e conservadoras, uma força política tradicional, com raízes na defesa do livre mercado e na contenção fiscal, tornou-se gradualmente um movimento cultural radicalizado, onde religião, ressentimento e populismo se cruzam de forma explosiva definindo as prioridades políticas. Esta evolução – ou mutação – começou com Richard Nixon e consolidou-se com Donald Trump, envolvendo uma aliança explosiva entre os evangélicos, a extrema-direita e agora também com tecnocratas como Peter Thiel.

O ponto de inflexão começou com a chamada “Estratégia do Sul” de Richard Nixon, no início dos anos 1970. Ao procurar conquistar eleitores brancos sulistas descontentes com Martin Luther King, Jr., e os avanços dos direitos civis, Nixon mobilizou uma retórica de “lei e ordem” que apelava a uma classe média assustada, ansiosa por estabilidade. Embora mantivesse distância dos evangélicos – ainda maioritariamente apolíticos – e da extrema-direita organizada, mas marginalizada (John Birch Society), foi com Nixon que se iniciou a ponte entre o conservadorismo cultural e a política partidária, reforçando o papel da identidade, incluindo religiosa, na agenda republicana.

A direita religiosa encontrou um catalisador na decisão Roe v. Wade (1973), que permitiu o aborto nos EUA. O Pastor Jerry Falwell e a sua “Maioria Moral” transformaram a moral religiosa num poderoso instrumento eleitoral. Os evangélicos deixaram de ser espectadores e tornaram-se protagonistas, exigindo uma plataforma política que combatesse não apenas o aborto, mas também a secularização da sociedade americana. E o GOP começou a absorver esse eleitorado. Adaptando-se às suas exigências, adoptou a agenda religiosa e moldou a sua narrativa em torno da chamada “guerra cultural”. Ao mesmo tempo, a extrema-direita reorganizou-se em torno de causas como a oposição aos impostos, à imigração e ao intervencionismo externo, desafiando o establishment moderado do partido.

Ronald Reagan não foi apenas um presidente carismático – foi o verdadeiro fundador do Partido Republicano moderno. Com ele, os evangélicos passaram de aliados a protagonistas. Reagan prometeu defender valores tradicionais, combater o aborto e restaurar a presença da religião na esfera pública. Apesar do seu pragmatismo em várias decisões, conseguiu unir evangélicos, conservadores económicos e anticomunistas numa coligação ideológica duradoura, deslocando o partido definitivamente para a direita. Embora não fosse um religioso fervoroso, Reagan prometeu restaurar a influência da fé cristã na esfera pública e nomeou juízes alinhados com a agenda religiosa. O seu legado é visível ainda hoje na estrutura ideológica do GOP, sobretudo no modo como a política é travada em torno de valores morais, e não apenas de princípios económicos.

A presidência de George H. W. Bush revelou o início do declínio do centro moderado republicano com os evangélicos a representar cerca de 40% dos eleitores nas primárias do GOP. Apesar de herdar a coligação de Reagan, Bush Sr. não conseguiu manter a fidelidade da base evangélica e nacionalista. O aumento de impostos, a procura do bipartidarismo, combinados com uma postura centrista nas relações internacionais, gerou tensões internas. O desafio de Pat Buchanan nas primárias de 1992 e o extremismo de Newt Gingrich e do seu “Contrato com a América” consolidaram a ascensão da extrema-direita fiscal e do sentimento antigovernamental, lançando as sementes do futuro movimento Tea Party.

A eleição de Barack Obama, em 2008, foi um catalisador poderoso da radicalização republicana. Para muitos sectores conservadores, Obama personificava tudo o que o GOP rejeitava: multiculturalismo, progressismo e intervenção estatal. Os evangélicos mantiveram a sua influência, mas foi a extrema-direita que mais cresceu. O Tea Party, nascido da hostilidade a Obama, à reforma da saúde e à crescente diversidade do país, consolidou um discurso populista, fiscalmente conservador e socialmente reacionário. Figuras como Ted Cruz e Rand Paul combinaram religião, libertarianismo e nacionalismo num discurso político inflamável. Infelizmente, essa retórica desfigurou o GOP que passou a ser beligerante e intransigente.

Donald Trump representou a fusão definitiva entre superioridade moral da fé e o fanatismo. Divorciado e sem tradição religiosa, a “anomalia” Trump converteu-se num ícone para os cristãos conservadores, estabelecendo um alinhamento quase incondicional ao prometer defender a “liberdade religiosa”, nomear juízes antiaborto e atacar ferozmente o politicamente correcto e o wokismo. A extrema-direita encontrou nele o seu paladino: nativismo, protecionismo, teorias da conspiração e desprezo pelas instituições democráticas tornaram-se norma. O ataque ao Capitólio, a 6 de janeiro de 2021, foi a tradução prática dessa radicalização.

Peter Thiel, alguém que diz ser libertário e que já não acredita que a liberdade e a democracia são compatíveis, tem tido um papel fundamental na reconfiguração ideológica do GOP. Ao longo dos anos, Thiel tornou-se numa infraestrutura de poder que molda discretamente decisões estratégicas no seio do GOP (convém não descurar o papel da Palantir Technologies no Estado norte-americano). Considerando que a democracia liberal é um obstáculo à eficiência do poder, Thiel, através de think tanks, plataformas alternativas e publicações, promove uma agenda que desafia os pilares da democracia e é um dos principais promotores da chamada “Nova Direita”. Ao apoiar candidatos como J.D. Vance e Blake Masters, ao difundir uma visão política que mistura libertarianismo tecnológico, nacionalismo autoritário e cepticismo democrático, Thiel não é apenas um mero financiador. É um ideólogo que procura definir futuros através de narrativas.

Simultaneamente, o Project 2025, da Heritage Foundation, apresentou um plano para reformular por completo o aparelho estatal, propondo abertamente a substituição funcionários públicos por nomeações de pessoas leais, o desmantelar agências federais, a criminalização do aborto e a promoção de uma visão religiosa no governo. Trata-se de uma engenharia institucional, que pretende tornar irreversível a transformação iniciada por Trump. Por outras palavras, é um manual para a captura política, administrativa e cultural dos EUA que põe em causa a secularização e democracia na América (ao menos, são claros e transparentes sobre o que pretendem).

Em 2025, já não se pode falar de Partido Republicano nos moldes históricos. Os princípios fundadores do GOP – como o respeito pela Constituição, o equilíbrio fiscal, o federalismo e a contenção do poder executivo – foram substituídos por uma lógica de culto à personalidade e confronto permanente. O movimento MAGA, liderado por Trump, absorveu o partido, redefinindo-o como uma plataforma de vingança cultural, autoritarismo populista e superioridade moral religiosa.

Esta substituição não é apenas simbólica – é estrutural. A MAGA tornou-se a nova identidade política da direita americana, com Trump como figura de culto. A fidelidade é hoje critério de sobrevivência política dentro do partido. Não sei se a MAGA terá futuro. Nem JD Vance, nem Kari Lake, têm carisma suficiente para substituir Trump. Independentemente disso, neste momento, o GOP não existe. O que existe agora é o MAGA, algo completamente distinto, até mesmo contraditório aos princípios e valores que foram defendidos pelo partido republicano.

Após décadas de cedência ao fanatismo, o GOP é um partido dominado por guerras culturais e religiosas, ressentimento identitário e populismo autoritário. Moderados como John McCain ou Mitt Romney foram esquecidos ou marginalizados. Até o anticomunismo de Reagan foi praticamente descartado. E as redes sociais amplificam vozes radicais que incitam à exclusão, à confrontação e à perseguição de dissidentes. O partido, outrora defensor de valores democráticos, tornou-se adversário desses mesmos princípios.

O GOP não está apenas radicalizado – está profundamente reconfigurado. O cruzamento entre religião organizada, tecnologia autoritária e engenharia institucional tornou-o num partido que desafia os fundamentos da democracia liberal. Esta transformação, embora gradual, foi cuidadosamente alimentada e dificilmente será revertida. Mas não é impossível consegui-lo.

Post-Scriptum:

Eu leio e ouço o que dizem Peter Thiel e outros e recordo-me de Mussolini: “We were the first to state, in the face of demoliberal individualism, that the individual exists only in so far as he is within the State and subjected to the requirements of the State and that, as civilisation assumes aspects which grow more and more complicated, individual freedom becomes more and more restricted.” – To the General Staff Conference of Fascism, in Discorsi del 1929, Milano, Alpes, 1930, p. 280).

Fisco moçambicano nega diferendo fiscal com a Galp sobre 162 milhões de euros

O presidente da Autoridade Tributária (AT) de Moçambique rejeitou esta sexta-feira haver um diferendo com a petrolífera portuguesa Galp, de 162 de milhões de euros, conforme conhecido publicamente.

Questionado pela Lusa à margem de um evento da AT, em Maputo, e sem adiantar mais comentários, Aníbal Mbalango garantiu que aquela autoridade “não tem diferendo” com a petrolífera portuguesa, no negócio da venda de uma participação em Moçambique.

O litígio fiscal, que o Centro de Integridade Pública (CIP) classifica como um “teste à soberania económica de Moçambique”, surgiu na sequência da venda, em março, da participação de 10% da Galp à petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos (ADNOC), na Área 4 da Bacia do Rovuma.

Numa análise ao que descreve como diferendo, o CIP recorda que a AT “notificou a petrolífera para o pagamento de um imposto sobre as mais-valias no valor de 162 milhões de euros, equivalente a 12 biliões de meticais”, montante “sobre o qual a própria Galp confirma ter sido notificada no seu relatório oficial aos acionistas”.

“Este valor resulta da aplicação da taxa efetiva de 17,6%, prevista no regime fiscal petrolífero moçambicano, a uma mais-valia estimada pela AT em cerca de 920 milhões de euros. Em flagrante contraste, a Galp contesta a liquidação alegando uma mais-valia tributável de apenas 26 milhões de euros, um valor 35 vezes inferior ao calculado pela AT”, lê-se no relatório do CIP.

Para esta organização da sociedade civil criada em 2005 e que monitoriza e promove a integridade e a transparência dos poderes públicos e do Estado, a posição da Galp “é ainda mais questionável quando, no mesmo período, a empresa reporta aos seus acionistas um ganho contabilístico de 147 milhões de euros com a mesma transação, evidenciando uma gritante inconsistência entre o que declara ao fisco e o que comunica aos seus investidores”.

Acrescenta que a decisão da Galp, “de recorrer à arbitragem internacional, no Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID) do Banco Mundial, previsivelmente com base numa cláusula de estabilização do Contrato de Concessão de 2007, representa uma tática conhecida como ‘guerra de desgaste’”.

“Esta estratégia visa explorar a profunda assimetria de poder financeiro entre a empresa e o Estado moçambicano, forçando o país a aceitar um acordo desfavorável para evitar custos legais exorbitantes, estimados de forma conservadora entre 6 e 8 milhões de dólares. Estes custos representam entre 3,4% e 4,6% do valor total do imposto devido”, refere-se ainda no relatório em que o CIP analisa a arquitetura da transação, a robustez da base legal moçambicana e a “provável estratégia de litigância da Galp”.

“Conclui-se que a posição de Moçambique é legalmente sólida e alinhada com as melhores práticas internacionais de combate à erosão fiscal, ou seja, à redução da base tributária através de esquemas de elisão fiscal abusiva. No entanto, a capacidade do país para fazer valer os seus direitos soberanos exige uma resposta firme do Estado, um escrutínio atento da sociedade civil e uma atuação responsável dos parceiros internacionais, incluindo o Estado português que é acionista de referência da Galp”, aponta ainda o CIP.

A Lusa noticiou em 4 de julho que o Governo moçambicano espera o pagamento de impostos sobre mais-valias pela Galp em 2025 e 2026, da venda da participação de 10% no consórcio na Área 4.

“Em 2024, a empresa Galp anunciou a intenção de vender a sua participação de 10% na Área 4 à companhia petrolífera nacional dos Emirados Árabes Unidos, ADNOC. Espera-se que algumas transações relacionadas com esta operação se concluam em 2025 e 2026, o que deverá gerar pagamentos de imposto sobre mais-valias”, lê-se no Cenário Fiscal de Médio Prazo, aprovado em junho, em Conselho de Ministros.

A Área 4 é operada pela Mozambique Rovuma Venture (MRV), uma joint venture em copropriedade da ExxonMobil, Eni e CNPC (China), que detém 70% da concessão.

A Galp anunciou em 28 de março último que concluiu a venda da sua participação de 10% na Área 4 em Moçambique por 881 milhões de dólares (816 milhões de euros) à XRG, da Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC).

Apreendidas 120 artes de pesca ilegais em fiscalizações de captura de polvo no Norte

A Polícia Marítima apreendeu 120 artes de pesca caladas ilegais e 10 armadilhas durante uma fiscalização com foco na captura de polvo, interdita até 15 de agosto na região Norte do país, informou hoje a Autoridade Marítima Nacional (AMN).

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Em comunicado, a AMN referiu que realizou entre terça e quinta-feira ações de fiscalização dirigidas à atividade de pesca, com foco na captura de polvo, atualmente interdita até 15 de agosto, devido ao período de defeso, ao largo de Aveiro, Viana do Castelo e ainda na área de Leixões (Matosinhos) e Póvoa de Varzim.

“Das ações de fiscalização, resultou a apreensão de um total de 120 artes de pesca caladas ilegais, denominadas por “alcatruzes”, e 10 armadilhas, tendo os cerca de 50 polvos capturados e os alcatruzes que continham ovas no interior sido devolvidos ao habitat natural. Foram ainda levantados diversos autos de notícia”, refere a mesma nota.

Segundo a AMN, estas iniciativas têm como principal objetivo intensificar o controlo do cumprimento do período de defeso da captura do polvo, contribuindo para a proteção e sustentabilidade dos recursos marinhos, em alinhamento com as diretrizes de conservação estabelecidas pelas autoridades competentes.

Esta ação contou com a participação de elementos do Comando Local da Polícia Marítima de Aveiro, de Leixões e de Viana do Castelo.

​Papa recebe quadro de Santo Agostinho com um anjo

O Papa Leão XIV recebeu esta sexta-feira um quadro com uma representação de Santo Agostinho, três meses após ter sido eleito pontífice da Igreja Católica.

Uma delegação dos Museus Vaticanos encontrou-se com o Papa para lhe entregar a pintura onde aparece Santo Agostinho e um anjo, uma obra de um artista anónimo do século XVIII.

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O quadro tem um significado particular. O Papa Leão XIV é membro da Ordem de Santo Agostinho e no seu primeiro discurso apresentou-se como “filho de Santo Agostinho”.

De acordo com o site Vatican News, a pintura restaurada é uma cópia gratuita da figura de Santo Agostinho, que aparece no fresco da Disputa do Santíssimo Sacramento, pintado por Raffaello Sanzio, em 1509, no Quarto da Signatura, no Vaticano.

Atlanta. Tiroteio no campus da Universidade Emory faz um ferido

A Universidade Emory, em Atlanta, no estado norte-americano da Geórgia, alertou, esta sexta-feira, as autoridades locais para a presença de um “atirador ativo” dentro do campus principal dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças, relata a NBC News.

O Departamento da Polícia de Atlanta está no local a investigar e, até ao momento, há registo de pelo menos um ferido. Trata-se, segundo as autoridades, de um polícia. O FBI enviou, também, agentes para as instalações com o objetivo de auxiliar a polícia local.

Na rede social X, o Escritório de Preparação e Resposta a Eventos Críticos da Universidade Emory pediu a todas as pessoas presentes no campus para evitarem toda a área. “CORRA, ESCONDA-SE, CONTRA-ATAQUE” e evite a zona”, pode ler-se.

Autárquicas. José Diegas candidata-se como independente a Vila Pouca de Aguiar

O ex-presidente da concelhia do PSD de Vila Pouca de Aguiar José Diegas é candidato pelo Movimento Aguiarense Independente (MAI) à câmara local, para “devolver à população” o poder de decidir e “unir vontades” sem bandeiras partidárias.

“A decisão de criar o MAI nasceu de uma convicção profunda de que a política local deve estar mais próxima das pessoas, livre de interesses partidários e centrada nas reais necessidades da nossa terra”, afirmou esta sexta-feira o candidato à agência Lusa.

José Diegas, 51 anos, demitiu-se da concelhia do PSD de Vila Pouca de Aguiar em julho, depois de a nacional do partido não ter homologado a sua candidatura à câmara, aprovada pelas estruturas concelhia e distrital.

Pelo PSD candidata-se Ana Rita Dias, que em 2024 assumiu a presidência do município do distrito de Vila Real.

José Diegas começou o percurso político há 20 anos, tendo, entre outros cargos, sido presidente da Junta de Freguesia de Valoura durante três mandatos, eleito pelo PSD, e presidente da Comissão Política de Secção de Vila Pouca de Aguiar desde dezembro de 2022 a julho.

Há sete anos que é secretário intermunicipal na Comunidade Intermunicipal do Alto Tâmega e Barroso.

A candidatura independente nasceu, segundo José Diegas, “da vontade de devolver à população o poder de decidir, com transparência, responsabilidade e compromisso com o desenvolvimento do concelho”.

“Queremos unir vontades, ouvir todas as vozes, sem bandeiras partidárias e construir um projeto com base na competência, na ética e no amor genuíno por Vila Pouca de Aguiar”, salientou, acrescentando não estar “aqui para dividir”, mas “para somar e para construir um caminho novo, com todos e para todos”.

José Diegas apresentou-se como uma “pessoa de convicções e de princípios”, que não é “vulnerável a pressões” e que está de “consciência totalmente tranquila, para liderar um novo projeto que acabe com o atual imobilismo da câmara municipal, apresente ideias novas, trate todas as pessoas por igual e acabe com os muitos interesses instalados”.

“Talvez essa tenha sido uma das razões da não homologação da minha candidatura pela direção do PSD. Quero levar por diante esse projeto com uma postura de isenção e de total transparência, sem estar condicionado pelo tactismo e oportunismo partidário”, afirmou.

Acrescentou:”Sei que muita gente vai ser pressionada e ter receio de dar a cara, mas acredito piamente que na hora da decisão não falharão e estarão lá para dizer da sua justiça”.

José Diegas quer que a sua candidatura seja “uma lufada de ar fresco para os aguiarenses”, apostando numa “forma diferente de fazer política, sempre próxima das pessoas e com atenção aos seus reais problemas”.

Salientou ainda que, num concelho envelhecido e desertificado, a área social, a educação e os jovens “merecerão especial atenção”.

Também a saúde, o desenvolvimento industrial, o turismo e o apoio aos agricultores são preocupações do MAI.

“No entanto, a proximidade com as pessoas, a sua auscultação e a resolução dos seus reais problemas, por vezes pequenos problemas, mas muito importantes para elas, serão fundamentais para a nossa candidatura. Este é o nosso tempo. O tempo de fazer mais, o tempo de fazer diferente”, frisou.

O advogado Leal da Costa encabeça a lista do MAI à Assembleia Municipal de Vila Pouca de Aguiar.

Por este concelho, concorrem ainda às eleições autárquicas de 12 de outubro Manuel Borges Machado (PS) e Sónia Macedo (CDU).

Em 2021, o PSD ganhou as eleições autárquicas com 5.681 votos (64,95%) e cinco mandatos, enquanto o PS conseguiu 2.312 votos (26,43%) e dois mandatos. O Chega obteve 159 votos (1,82%), a CDU 149 votos (1,70%) e o CDS-PP 111 votos (1,27 %).

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Número de infetados com Mpox em Moçambique sobe para 34 e casos suspeitos para 275

Moçambique registou mais um caso de Mpox nas últimas 24 horas, na província de Niassa, epicentro do surto, elevando para 34 em quase um mês, com o total de casos suspeitos a subir para 275.

No mais recente boletim diário da evolução da doença, divulgado pela Direção Nacional de Saúde Pública e consultado pela Lusa, com dados de 11 de julho a 07 de agosto, além do acumulado de 34 positivos, é referido que a doença continua a não apresentar letalidade, sem registo de óbitos, somando ainda 18 recuperados.

O novo caso registado nas últimas 24 horas foi confirmado no distrito de Lago, epicentro do surto atual, província de Niassa, no norte do país. Houve ainda registo de 53 novos casos suspeitos no mesmo período — de 222 para 275 —, entre a cidade e província de Maputo, bem como nas províncias de Niassa, Sofala, Nampula, Gaza, Zambézia e Manica, estando 134 contactos em seguimento pelas autoridades de saúde.

Até ao momento, as autoridades sanitárias contabilizam 29 casos de Mpox no Niassa (norte), dois em Manica (centro) e três na província de Maputo (sul).

O diretor nacional de Saúde Pública em Moçambique pediu na quarta-feira que se evite o pânico e a desinformação em relação à Mpox, visando combater a discriminação que possa surgir contra as vítimas.

Moçambique espera receber em setembro vacinas para conter um possível cenário de alastramento de casos de Mpox, anunciou na terça-feira o Governo.

As autoridades moçambicanas anunciaram na semana passada um reforço da vigilância fronteiriça, com equipas de rastreio e testagem, para travar a propagação de casos de Mpox.

As autoridades sanitárias garantiram também que Moçambique está preparado para lidar com o Mpox, com capacidade para 4.000 testes, feitos localmente, tendo já usado mais de 180 neste surto.

A Mpox é uma doença viral zoonótica, identificada pela primeira vez em 1970, na República Democrática do Congo. No atual surto, na África austral, desde 01 de janeiro, já foram notificados 77.458 casos da doença, em 22 países, com 501 óbitos.

O primeiro caso de Mpox em Moçambique aconteceu em outubro de 2022, com um doente em Maputo. O coordenador do COESP, órgão da Direção Nacional de Saúde Pública, aponta a capacidade de testagem que agora existe nas províncias, com 4.000 testes disponíveis e mil para análises de reagentes para identificar estirpes de casos positivos, como a grande mudança em três anos.

Moçambique tem agora capacidade para testar em todas as capitais de província, através dos laboratórios de Saúde Pública, disse.

Embarcação dá à costa no Algarve com dezenas de pessoas a bordo

Uma embarcação com várias dezenas de migrantes a bordo deu à costa esta sexta-feira na Praia de Boca do Rio, em Vila do Bispo, no Algarve. A notícia foi avançada pela CNN Portugal e confirmada ao PÚBLICO por fonte da Guarda Nacional Republicana (GNR).

A bordo do barco de madeira seguiam 38 pessoas, incluindo duas crianças, adiantou a Autoridade Marítima Nacional (AMN). A embarcação terá saído do Norte de África, segundo a CNN Portugal.

Ao PÚBLICO, fonte da GNR confirmou a ocorrência e disse que foram accionados vários meios para o local, mas não avançou detalhes quanto ao número de pessoas. O alerta foi dado às 20h05 por uma pessoa “que se encontrava nas proximidades”, esclareceu a AMN.

As imagens divulgadas pela estação televisiva mostram alguns tripulantes a abandonar a embarcação e outros já no areal, obedecendo a indicações de militares da GNR.

O porta-voz da GNR, major João Gaspar, adiantou ao PÚBLICO que a prioridade dos militares no terreno foi “a segurança dos migrantes”, acrescentando que alguns careciam de cuidados médicos. Por essa razão, as pessoas resgatadas foram encaminhadas para unidades de saúde.

Segundo a AMN, os elementos da Polícia Marítima chamados ao local constataram que as pessoas “apresentavam sinais de saúde débil”.

As fontes ouvidas pelo PÚBLICO não adiantaram, para já, a proveniência da embarcação. No local estão também destacados meios da Protecção Civil de Vila do Bispo, do INEM e dos Bombeiros Voluntários de Vila do Bispo e Lagos. As autoridades a realizar “uma avaliação clínica” dos migrantes e a “garantir o fornecimento de água e comida”, informou a AMN.

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