Comissão Europeia apresenta lei do espaço para cortar o lixo e criar mercado único

A Lei do Espaço da União Europeia foi, finalmente, apresentada na semana passada com dois pilares centrais no documento disponibilizado: a criação de um mercado único e a redução do lixo espacial. Tanto um como outro formalizam ambições antigas da Comissão Europeia, que agora avança com estas propostas para uniformizar procedimentos na União Europeia e responsabilizar os operadores espaciais no controlo do lixo em órbita.
A proposta chega com um ano de atraso face ao previsto inicialmente, mas sem alterações face às prioridades que têm sido defendidas quer pela Comissão Europeia, quer pela Agência Espacial Europeia: segurança, sustentabilidade e competitividade.
A criação de um mercado único para os serviços espaciais na Europa reduz, caso o documento seja aprovado, a burocracia necessária para actuar em mais do que um país no espaço europeu. Ao ter uma legislação única, a uniformização de procedimentos facilita a operação das empresas espaciais e garante a hipótese de mais do que um país beneficiar destas actividades.
Actualmente, a regulação é feita através da legislação nacional e apenas 13 dos 27 países da União Europeia têm leis espaciais nacionais. Ao ser aprovada, a Lei do Espaço permitirá eliminar as barreiras fronteiriças nas actividades espaciais.
A Europa quer manter-se como pioneira no capítulo da sustentabilidade e do combate ao lixo espacial, estipulando novas regras para as empresas que enviam satélites para o espaço. A malha regulatória no documento apresentado pela Comissão Europeia é mais apertada e impõe garantias de limpeza e multas em caso de incumprimento.
A Lei do Espaço prevê a criação de uma base de dados de monitorização dos objectos no espaço e obriga as empresas espaciais a ter planos para o fim da vida dos satélites ou outros equipamentos enviados para o espaço – de forma a limitar o lixo espacial e a poluição luminosa, duas preocupações antigas na Europa. No entanto, os satélites exclusivamente de uso militar ou para segurança nacional ficam isentos destas regras.
A velocidade actual no envio de constelações de satélites para a órbita terrestre não conhece precedentes. Hoje, há mais de 10.000 satélites de todo o mundo em órbita, estimando-se o lançamento de outros 50.000 durante a próxima década. A juntar a este trânsito orbital, há mais de 128 milhões de detritos a vaguear no espaço – resultado de antigos satélites, por exemplo – que aumentam o risco de futuros acidentes. Os limites impostos ao lixo espacial e futuras acções de limpeza (em que a Agência Espacial Europeia já está a trabalhar) são prioridades no sector do espaço.
O incumprimento das regras pode resultar em multas até ao dobro dos lucros de uma empresa espacial, segundo a proposta apresentada pela Comissão Europeia. As imposições, se aprovadas, aplicam-se a operadores europeus ou estrangeiros que actuem ou ofereçam serviços no espaço da União Europeia.
A Lei do Espaço da União Europeia também prevê a necessidade de garantir segurança apertada contra ataques informáticos e a avaliação regular dos riscos de cibersegurança das infra-estruturas espaciais das empresas.
O documento, que ainda terá um longo processo de discussão pela frente, aparece num momento crítico da União Europeia quer no sector espacial, quer na soberania. O espaço é um dos pontos fulcrais na estratégia de defesa, garantindo acesso a comunicações fiáveis ou a uma monitorização visual do terreno através dos satélites. Actualmente, os satélites em órbita são dominados por Elon Musk e pela sua rede de satélites Starlink. No início da invasão russa da Ucrânia, a interrupção das comunicações do lado ucraniano por esta rede de satélites mostrou o potencial perigo de depender apenas de uma empresa no acesso a comunicações em tempo de guerra.
Portugal pede contributos
A proposta para a Lei do Espaço da União Europeia seguirá agora para debate no Parlamento Europeu e no Conselho da União Europeia, prevendo-se que a actual proposta produza efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2030. Durante este ano, serão também reunidos contributos dos vários Estados-membros para melhorar o documento apresentado. Esta proposta serve apenas como regulamento, não sendo uma carta de intenções de investimento, por exemplo. Essas intenções estão descritas na “Visão para uma Economia do Espaço Europeia”, lançada também na semana passada, e que preconiza a União Europeia como líder na economia do espaço em 2050 através do investimento em defesa, investigação científica e infra-estrutura de acesso ao espaço. Falta saber qual será o montante desse investimento e as acções concretas para tornar a Europa líder num sector em que China e Estados Unidos partem bastante à frente.
No âmbito desta proposta de regulamento europeu para o espaço, a Agência Espacial Portuguesa anunciou a organização de um debate público sobre este documento a 12 de Setembro deste ano. Antes, a agência portuguesa quer recolher contributos sobre os efeitos da nova lei para o espaço no contexto português com uma consulta pública facultativa e disponível até ao final deste mês de Julho. O formulário para enviar contributos está disponível no site da organização.
“Este é um momento estratégico, em que os Estados-membros têm a possibilidade de propor alterações ao texto legislativo e influenciar a redacção final do EU Space Act [lei do espaço] com base nas especificidades e prioridades nacionais”, sublinha Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa.
