Dómúz, um clássico reinventado ao serviço da mixologia

Este artigo foi originalmente publicado no 20.º número da
revista DDD – D de Delta.
É uma evolução feliz. As garrafas eram altas, agora são baixas, e os rótulos, e até a logomarca, são completamente diferentes”, resume André Coelho, da Co&K, a agência que coordenou o rebranding da Dómúz, uma referência nacional nos anos 60 e 70, graças aos seus licores de anis – o tradicional, transparente, e o “Mel de Damas”, mais doce, destinado ao público feminino. Os tempos mudaram e, com eles, os gostos e preferências dos consumidores.
“Tivemos de reconsiderar tudo”, aponta Pedro Foles, diretor-geral da Adega Mayor, que tem agora em mãos o desafio de gerir a Dómúz. “É a marca mais antiga do grupo, fundada em 1932, até antes dos cafés Camelo, e não queríamos desistir dela”, acrescenta. E sublinha: “Uma marca que perdura quase cem anos tem com certeza valor, e uma história para contar, que precisa de ser trazida para os dias de hoje. Foi esse o nosso ponto de partida.”


Claro que, se ainda exitisse um espectro de consumidores regulares de Dómúz, um rebranding tão disruptivo poderia não ser recomendável, mas não é o caso. “O consumidor que viveu esse momento de maior notoriedade, de maior expansão da marca, hoje já não tem relação com ela. É uma marca que, aos jovens, não diz nada, e que os mais velhos, que dela têm essa memória, deixaram de consumir, garante Pedro Foles, lembrando que “era uma gama que estava adormecida dentro do Grupo Nabeiro”. Os licores de anis vão ser descontinuados, por não terem potencial que justifique a sua manutenção. Não é o caso das variedades de café e amêndoa amarga. Agora pretendemos, no primeiro ano, pelo menos duplicar as vendas da marca, mas acreditamos que o crescimento possa ser muito mais expressivo do que isso.
Aliás, conforme a aceitação do mercado, poderão até vir a nascer licores Dómúz com outros aromas. Mas sem precipitações: “A marca renasce, para já, com estas duas referências, mas a visão é que mais adiante venha a ser alargada com outras bebidas relevantes para os nossos clientes e consumidores.” Não serão apenas os portugueses a ditar o futuro: “A marca tem distribuição internacional, com expressão particular em Espanha, onde se enraizou associada ao hábito do chupito, que é o equivalente à nossa abaladiça, aquela bebida que é oferecida no pós-refeição ou pós-café.”

Nesse sentido, no mercado português, os licores são também maioritariamente tomados como digestivos, concorrendo com o vinho do Porto e da Madeira, entre outros. Mas estes em concreto têm uma oportunidade de consumo distinta: “São os momentos de fruição fora das refeições, em que os licores podem ser consumidos individualmente ou em cocktails.” A amêndoa amarga é ótima para fins de tarde, preparada só com gelo e limão. E o licor de café também se bebe só com gelo e limão: é uma bebida próxima do chamado mazagrin, mas com álcool.
Certo é que a categoria dos licores tem vindo a crescer e isso deve-se sobretudo ao desenvolvimento da mixologia. “O licor de café, por exemplo, integra a receita de um dos cocktails mais procurados hoje, que é o Espresso Martini”, explica ainda Pedro Foles, referindo que será seguida uma estratégia de distribuição omnicanal. “Os bares, cafés e restaurantes serão o primeiro canal a explorar, seguindo-se o canal de retalho, no sentido de oferecer uma acessibilidade condizente com a matriz da marca.” Notando que os hábitos de consumo estão a mudar – “há um conjunto deste tipo de bebidas com maior adesão, e uma franja da população que procura inovação, que mesmo dentro do que pode ser uma marca histórica, procura novidade” –, este rebranding da Dómúz faz todo o sentido.
Futuro com História
“Pegar na herança e reinventá-la para o futuro, para a arte da mixologia” foi, segundo André Coelho, coordenador deste rebranding, o desafio que a Adega Mayor lançou à agência Co&K. “Fomos desafiados a transformar uma marca com quase cem anos, e a transformação foi enorme”, afirma.
Tudo começou em dezembro de 2024 – e o resultado está à vista dos consumidores já este verão.
Fizemos um processo colaborativo entre a agência e as equipas da Adega Mayor e da Dómúz, um workshopde cocriação em que todos trabalharam seguindo os princípios do design thinking para definir o caminho, e em que analisámos não apenas o reposicionamento da marca, mas também alguns insights do passado e alguns pormenores da história, uma história muito bonita, e muito querida pelo comendador Nabeiro. Por isso, decidimos reinventar, mas sem nunca esquecer o passado.”
A história remonta a 1932, quando três sócios de Elvas fundaram a Dómúz – batizada segundo a expressão Domus mea est orbis meus, “a minha casa é o meu mundo”, em latim. Dois deles eram farmacêuticos e, através da profissão, conheciam os segredos das misturas de ingredientes naturais e da criação de xaropes e elixires – uma espécie de alquimia, palavra que deriva do grego para “fusão de líquidos”. Partindo dos mesmos princípios em que baseavam os seus remédios, criaram apetitosos licores – com uma base de xarope, nada mais do que uma combinação de água destilada e açúcar, para dar doçura, um aroma (no caso, o anis, já que a amêndoa amarga e o café são sabores mais recentes) e aguardente.
O rebranding da marca é um tributo a essa ligação à farmácia, mas “é importante que fique claro”, ressalva André Coelho, “que a Adega Mayor se quer afastar desse universo, dessa ideia dos remédios, da química, que hoje não é bem considerada; as pessoas procuram o que é mais natural e feito de forma artesanal”. A inspiração foi, pois, “a farmácia como alquimia, ou mesmo um conceito mais futurista de mixologia, a arte de criar e misturar bebidas, sabores”. É, até certo ponto, um regresso às raízes, mas adaptado ao mundo atual, em que estão na moda os cocktails, os barmen que os criam, as festas de fim de tarde de verão, a tradicional amêndoa amarga bebida num copo moderno…
A chave do (bom) resultado foi o referido workshop. Vários caminhos foram propostos, espalharam-se post-its com ideias pelas paredes, e o conceito do rebranding foi-se afunilando: “Eu cheguei a pensar em garrafas de vidro azul, mas a equipa da Adega Mayor mostrou-me logo que não era por aí. Numa tarde, ganhou-se uma semana de trabalho.”
Produzidas numa vidreira da Marinha Grande, com vidro reciclado, as novas garrafas dos licores Dómúz são, pois, transparentes, privilegiando a cor do próprio licor. Quanto ao formato, “inspiram-se no frasco típico de farmácia, o que é completamente disruptivo em relação às originais”. Além disso, “estão mais próximas do que é tradicional hoje, até no segmento dos gins”. Também os rótulos são totalmente diferentes dos que dantes identificavam a marca: “São inspirados nas etiquetas de farmácia. Têm uma base branca e, depois, uma faixa laranja, no caso do licor de café, e uma faixa azul, no de amêndoa amarga.”
A equipa da Dómúz não levava ideias preconcebidas para o workshop, mas sabia o que era importante vincar: “A Dómúz é anterior à Delta e foi uma marca notável, com um consumo expressivo, quando o Sr. Rui Nabeiro se associou a ela, por via da sua força comercial, pela qual também existia um grande valor afetivo. Ou seja, era um clássico e isso não podia ser descurado. Por outro lado, com a passagem do tempo, a alteração do gosto e a chegada a Portugal de um conjunto de marcas multinacionais, que motivou a evolução, a diversificação e a sofisticação desta categoria de bebidas, a marca entrou em declínio.”
Com a reorganização do grupo e o modelo de governance que fez com que a Dómúz ficasse sob a alçada da equipa de gestão da Adega Mayor, concluiu-se que a marca continuava a ter um enorme potencial. E foi esse o ponto de partida que levou a este rebranding, que é quase uma refundação da Dómúz: “Era preciso reinventar um clássico, modernizar tudo, mas sem abdicar da história, e dar resposta à tendência da mixologia, que tem ainda muito por onde crescer.”
Texto: Rita Bertrand