Uma surpreendente fonte de nuvens na Antárctida: cocó de pinguim

Quando milhões de pinguins comem e se reproduzem na Antárctida, deixam para trás montes de guano. Dado que se alimentam principalmente de peixe e krill, os seus excrementos contêm grandes quantidades de resíduos de azoto que se decompõem em amoníaco. Numa nova investigação publicada na quinta-feira na revista Communications Earth & Environment, os cientistas descobriram que as quantidades incríveis de amoníaco deixadas para trás se combinam com compostos de enxofre do oceano e fazem crescer nuvens em poucas horas.
Modelos informáticos anteriores concluíram que estas nuvens alimentadas por guano [excremento acumulado de aves marinhas] no Árctico arrefecem o solo. Mas os autores do estudo afirmam que são necessárias observações para confirmar o efeito no clima. As nuvens podem também ter efeitos variáveis de arrefecimento ou aquecimento, consoante estejam localizadas sobre o oceano ou sobre o gelo.
“Há ligações entre fenómenos que acontecem no nosso planeta natural que não são necessariamente esperadas”, reconhece Matthew Boyer, autor principal do estudo e estudante de doutoramento na Universidade de Helsínquia. “E esta é uma delas.”
Na base de Marambio, na península Antárctica, Boyer e os seus colegas mediram a concentração de amoníaco de uma colónia de 60 mil pinguins-de-adélia (Pygoscelis adeliae) em Janeiro de 2023. Descobriram que o guano era uma das principais fontes de amoníaco na costa, ultrapassando mesmo o amoníaco proveniente do oceano Antárctico. Quando o vento soprava na direcção da colónia, os instrumentos da equipa – a 8 km de distância – mediam concentrações de amoníaco 1000 vezes superiores ao nível médio típico.
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Mesmo quando os pinguins deixaram a área no final de Fevereiro e o seu guano permaneceu, a concentração era ainda mais de 100 vezes superior ao nível normal.
À medida que o amoníaco aumentava, a equipa observou um período de nevoeiro que concluiu estar relacionado com a maior concentração de partículas de aerossóis. O nevoeiro demorou cerca de três a quatro horas a formar-se.
Os químicos no guano ajudaram a acelerar a formação de nuvens, explica Matthew Boyer. Os compostos de enxofre do fitoplâncton do oceano combinaram-se com o amoníaco e a dimetilamina [composto orgânico azotado que se encontra em produtos ou substâncias em decomposição] do guano, o que acelerou a formação de partículas de nuvens em dez mil vezes.
Nuvens e arrefecimento
O efeito das nuvens no clima não é claro. As nuvens absorvem a radiação solar e a radiação proveniente do planeta. A maioria das nuvens na Terra tem um efeito de arrefecimento, reflectindo a luz solar de volta para o espaço. Mas Boyer lembra que o gelo é altamente reflector e também emite radiação; se uma nuvem for menos reflectora do que o gelo por baixo dela, então poderá reter esse calor e contribuir para o aquecimento da superfície.
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No entanto, os modelos informáticos de estudos anteriores sugerem que o efeito líquido arrefeceria provavelmente a superfície. Um estudo realizado em 2016 analisou as nuvens de guano de aves marinhas sobre o Árctico e revelou um efeito de arrefecimento na região – superior a 1 watt por metro quadrado perto de grandes colónias de aves marinhas. Os modelos informáticos do estudo mostraram que as nuvens eram compostas por mais gotículas, mas mais pequenas, o que reflectia mais luz solar para o espaço.
“Podemos supor que haverá um efeito de arrefecimento das nuvens porque, em geral, esse é o efeito mais proeminente das nuvens na atmosfera”, diz Matthew Boyer, que pretende fazer mais observações. “Os modelos são uma boa forma de estimar como as coisas poderão ser, mas é necessário verificar com as medições.”
Espécies de pinguins maiores ou grandes colónias de pinguins, algumas podem ter centenas de milhares de pinguins, podem produzir nuvens ainda maiores. As nuvens maiores, disse Boyer, tendem a ter mais gotículas, mas mais pequenas, e reflectem mais luz solar. Também não produzem muita precipitação.
Não se sabe ao certo como é que estas emissões de guano se vão alterar no futuro, à medida que as populações mudam. Cerca de uma dúzia de populações de pinguins está a diminuir, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza. Os pinguins-de-adélia do estudo são um dos poucos que registam um aumento do número de indivíduos.
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Explicação da atmosfera
Os resultados não são surpreendentes porque as experiências de laboratório mostraram que os gases emitidos pelo guano ajudam a formar partículas na atmosfera, comenta Ken Carslaw, um cientista atmosférico da Universidade de Leeds, que não esteve envolvido na investigação. Mas este estudo é uma “confirmação valiosa de que o que foi observado no laboratório pode explicar o que está a acontecer na atmosfera real”, disse.
Estas partículas de aerossol ou nuvens alimentadas a cocó provavelmente não afectarão as alterações climáticas, mesmo que se alterem substancialmente, acrescentou. No entanto, é importante compreender a influência dos gases de guano porque fazem parte da atmosfera natural.
“É vital compreender que estes ambientes naturais são a base a partir da qual quantificamos e compreendemos os efeitos humanos no clima”, afirma Carslaw. “Estas observações são outra peça do puzzle que ajudará a melhorar a forma como as nuvens são representadas nos modelos climáticos.”
Enquanto os cientistas há muito que constatam que as alterações climáticas causadas pelo homem estão a afectar o Árctico, as tendências na Antárctida têm sido mais díspares até há pouco tempo. Em sete anos, o continente registou três Verões com um nível recorde de gelo marinho baixo – o que alguns cientistas consideram ser os primeiros sinais de que as alterações climáticas provocadas pelo homem estão a sobrepor-se aos processos naturais na Antárctida.
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As alterações locais na Antárctida e no Árctico têm um impacto global no clima. A fusão de ambos os mantos de gelo influencia a subida do nível do mar em todo o mundo, calculando-se que os níveis subam mais um metro até 2100. Mas a distribuição não é homogénea, com algumas zonas já a sofrerem os efeitos.
“Os oceanos e os pinguins estão a influenciar a atmosfera e, na verdade, a influenciar o clima local na Antárctida”, avisa Boyer. “As alterações locais na Antárctida terão um impacto no clima global.”
Exclusivo PÚBLICO/ The Washington Post
