Em Locarno, com Willem Dafoe: “Cada vez mais vivo fora da indústria do cinema americano”


Por amor a uma italiana [a realizadora e atriz Giada Colagrande], trocou há 20 anos Nova Iorque por Roma. Já se sente europeu?
O que sinto é que cada vez mais vivo fora da indústria do cinema americano e que isso me torna mais disponível para este tipo de filmes como The Birthday Party. Nem toda a gente sabe que eu comecei no teatro. Ainda faço teatro, aliás. Fui nomeado diretor artístico do departamento de teatro da Biennale de Veneza para as edições deste ano e do próximo. Aqui em Locarno ninguém me fala disso, por exemplo. São dois mundos separados.
É vizinho de Abel Ferrara em Itália, já fizeram vários filmes juntos, mas não ultimamente. O que se passa?
Tenho estado muito ocupado e o Abel é impaciente, tem que fazer as coisas ao seu ritmo, nem sempre é fácil acompanhá-lo. Sabe que ele escreveu um livro sobre a sua vida? Vai sair nos Estados Unidos este Outubro.
Na última vez que falámos, elogiou muito o trabalho e a criatividade de Yorgos Lanthimos. Ele tem um filme pronto para Veneza, Bugonia, mas você não entra neste. Por algum motivo?
Ah, mas segui-o de perto, ele pôs-me a par da história. E simplesmente não há ali nada que eu possa fazer. Às vezes vejo filmes de pessoas que admiro e fico a cismar, “bolas, porque é que ele nem sequer me ligou…” Não foi este o caso. Você verá: não há lugar para mim em Bugonia.
E no entanto vai estar em Veneza com dois outros filmes. Que me pode dizer sobre The Souffleur, do argentino Gastón Solnicki, fotografado pelo português Rui Poças?
Conheci Gastón num período em que vivi em Buenos Aires mas só voltámos a ver-nos graças ao retiro Oxbelly, um encontro de artistas, sem fins lucrativos, promovido na Costa Navarino pelo produtor grego Christos V. Konstantakopoulos. Ele tem um resort de família naquela zona e convida gente criativa para trocar ideias. O Paul Thomas Anderson e a Jane Campion já passaram por lá. Quando lá fui, estive no mesmo grupo de mentores do Gastón, foi então que ele me falou da história de um empresário americano que gere há 30 anos o mesmo hotel de Viena, célebre pela receita do seu soufflé. Nisto, ele descobre que o edifício do hotel vai ser vendido e demolido. E tenta inverter essa situação. É uma história muito ligada a Viena.
O outro filme que terei em Veneza chama-se Late Fame, vem de uma novela escrita por Arthur Schnitzler que só foi descoberta muito recentemente, há cerca de dez anos, num monte de papéis. A história original passa-se também em Viena – há coincidências assim – embora o filme a tenha transposto para Nova Iorque. O que é engraçado é que eu próprio quis, a uma certa altura, realizar esta história. Mais tarde encontro Kent Jones [crítico, programador e realizador nova-iorquino], que me diz ter adquirido os direitos da história. E sem nada saber do meu desejo, ele convida-me para fazer o papel principal. Outra coincidência extraordinária! Tal como The Souffleur, também é um filme pequeno, e muito especial. Acho que capta certas atmosferas que estão a ser hoje muito sentidas em Nova Iorque.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia