Médicos, enfermeiros e profissionais da saúde no Algarve estão em greve

Médicos, enfermeiros e outros profissionais da área da saúde cumprem esta quinta-feira uma greve conjunta de 24 horas, no Algarve, em protesto contra a falta de profissionais e a degradação das condições de trabalho.

A paralisação abrange todos os profissionais da saúde que trabalham no Serviço Nacional de Saúde (SNS) na região, que exigem, entre outras reivindicações, a contratação de mais pessoal para travar o desgaste a que dizem estar a ser sujeitos.

Segundo os profissionais de saúde, a exaustão e o agravamento das condições de trabalho só não têm maiores consequências para os doentes e utentes devido ao “elevado sentido de responsabilidade e entrega” diária.

“Os pedidos de exoneração e rescisões de contratos de trabalho acontecem quase diariamente e, em muitos serviços, regista-se uma diminuição do número de profissionais, por turno”, lamentam os profissionais, num comunicado conjunto.

Por seu turno, o presidente da Unidade Local de Saúde (ULS) do Algarve, Tiago Botelho disse à Lusa não compreender os motivos invocados para a greve, considerando que, na sua origem, estão estruturas sindicais que atuam por razões políticas.

A greve, marcada para entre as 0h00 e as 24h00, foi convocada pelo Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS-FNAM), pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) e pelo Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas do Sul e das Regiões Autónomas.

Médicos sem Fronteiras denunciam “matança orquestrada” em Gaza: “Isto não é ajuda”

“Um laboratório de crueldade”: é assim que a organização internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) descreve aquilo em que se transformaram os locais de distribuição de ajuda da Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla e inglês) – que, afirma, “institucionaliza a política israelita de fome” no território.

Num relatório que reune testemunhos de feridos e de pessoal médico em duas clínicas junto a centros de distribuição da GHF, a MSF avança o número de 174 pessoas tratadas com ferimentos de balas nas últimas sete semanas, entre junho e julho. Quase metade das vítimas eram crianças.

A grande maioria – quase todos (96%) – eram jovens rapazes, o que simboliza a estratégia adotada pelas famílias, de enviar o seu membro mais jovem e mais saudável para conseguir enfrentar a multidão e chegar à comida.


“As pessoas estão a ser abatidas como animais. Não estão armadas. Não são soldados. São civis com sacos de plástico, à espera de levar para casa farinha ou massa”


A MSF aponta que numa das clínicas, em Al Mawasi, no sul de Gaza, 11% dos ferimentos por balas de armas foram dirigidos à cabeça e ao pescoço, enquanto quase 20% tiveram como alvo o peito, o abdómen e as costas. Numa outra clínica a poucos quilómetros, em Khan Younis, os feridos apresentaram mais ferimentos nas pernas.

A precisão dos disparos, conclui a organização, sugere “uma intencionalidade, em vez de fogo acidental ou indiscriminado”.

As pessoas estão a ser abatidas como animais. Não estão armadas. Não são soldados. São civis com sacos de plástico, à espera de levar para casa farinha ou massa. Quão alto é o preço que se tem de pagar por um saco com comida?”, diz um coordenador médico da MSF no relatório.

O documento, que tem por base os dois centros da MSF no sul de Gaza, refere que no espaço de sete semanas foram recebidos 1.380 feridos vindos dos locais de distribuição de comida, além de 28 corpos sem vida.

"Já estive em guerras, mas nunca num genocídio”: O que vê um português em Gaza?

Entre os 28 mortos recolhidos, todos à exceção de um eram homens com idades entre os 20 e os 30 anos, com ferimentos de balas da cintura para cima.

No relatório sublinha-se que, apesar de as equipas médicas da organização não conduzirem investigações para identificar os autores dos disparos, os locais em questão são controlados pelo exército israelita, “tornando a presença de grupos armados palestinianos nestas áreas altamente improvável”.

Crianças com tiros no peito enquanto procuram comida. Pessoas esmagadas ou sufocadas em debandadas. Multidões abatidas a tiro em pontos de distribuição. Em 54 anos de operações da MSF, raramente vimos níveis de violência sistemática contra uma população civil desarmada, mascarada de ‘ajuda’. Os locais de distribuição da GHF transformaram-se num laboratório de crueldade”, refere a diretora-geral da MSF.

No seu relatório, os Médicos sem Fronteiras pedem o fim do “esquema” da Fundação Humanitária de Gaza, uma solução criada por Israel e pelos Estados Unidos que teve início em maio deste ano, depois de 11 semanas de total bloqueio de entrada de bens alimentares e de saúde. O mecanismo de distribuição é da responsabilidade de empresas privadas, acompanhadas pelo exército israelita, que garante o perímetro de segurança no local.

“Estamos a ser massacrados. Já fui ferido talvez 10 vezes,” diz Mohammed Riad Tabasi (nome fictício), um paciente tratado na clínica dos Médicos Sem Fronteiras em Al-Mawasi. “Vi com os meus próprios olhos cerca de 20 cadáveres à minha volta. Todos baleados na cabeça, no estômago.”

Avisos pelas redes sociais e horários “aleatórios”

Durante o cessar-fogo que vigorou entre janeiro e março deste ano, a ONU tinha cerca de 400 pontos de entrega de ajuda humanitária no enclave. A GHF tem quatro e e estão todos localizados em zonas controladas pelo exército de Israel. Foram criados em maio, em resposta a acusações do governo de Netanyahu de desvio de ajuda em Gaza, pelo Hamas, e de fracasso da resposta humanitária da ONU no local.

De acordo com o relatório da MSF, os horários de funcionamento dos centros da GHF são “aleatórios”. Os cidadãos de Gaza são avisados pelas redes sociais de que um determinado centro vai abrir. “Frequentemente estes avisos surgem durante a noite e com menos de 30 minutos” de antecedência, lê-se no documento. “Os pontos podem ‘abrir’ e ‘fechar’ em minutos.”

“A GHF publica no Facebook ‘rotas seguras’ para os locais, ignorando que os palestinianos normalmente se deslocam no escuro e que as referências circundantes foram destruídas, tornando estas ‘rotas seguras’ quase impossíveis de seguir.”

Os centros da MSF em Gaza estão vocacionados para prestar apenas cuidados primários, mas, desde que os centros da GHF começaram a operar, as equipas tiveram de mudar as rotinas, indica o relatório. “Habituaram-se de tal forma ao fluxo de feridos a seguir a cada distribuição que começaram a monitorizar as redes sociais da GHF — usadas para anunciar as aberturas dos locais — para garantir que as equipas médicas estavam a postos antes do tempo”, lê-se.

Os profissionais da organização descrevem como veem multidões a subir a rua, carregando sacos para guardar os bens recolhidos. “Depois os feridos começam a chegar, quase ao mesmo tempo. Tenho pacientes com ferimentos de balas que são, literalmente, carregados nos mesmos sacos de plástico que usaram para carregar comida“, relata uma responsável pela equipa de enfermagem.

“O modo como este esquema opera visa claramente retirar a dignidade às pessoas. Mesmo quem consegue obter alimentos nestes locais, corre o risco de sofrer roubos e agressões por outras pessoas famintas”, aponta a MSF, que se viu obrigada a criar um novo tipo de classificação de ferimentos — Espancado por Outro (BBO, na sigla em inglês) — para os casos de pessoas feridas no meio das multidões nos locais de distribuição de alimentos.

Em entrevista à Renascença no final de julho, um psicólogo português ao serviço dos Médicos Sem Fronteiras deu o seu testemunho de “pessoas a serem baleadas enquanto esperam por comida”, criticando a distribuição “mal feita” de ajuda humanitária pela GHF.

Segundo dados do Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, mais de 1000 habitantes do enclave morreram à procura de ajuda e comida, em pontos de distribuição de alimentos. Os feridos, indica, ultrapassam os sete milhares.

A 13 de julho, a ONU reportava um registo de 875 mortos na recolha de comida, 674 dos quais nas imediações dos pontos de distribuição da GHF.

Trump anuncia tarifa de 100% sobre chips e semicondutores que não sejam produzidos nos EUA

O Presidente norte-americano Donald Trump anunciou esta quarta-feira que os Estados Unidos vão aplicar uma tarifa de cerca de 100% à importação de chips e semicondutores provenientes de países que não fabriquem estes componentes em território norte-americano nem tenham planos concretos para o fazer.

Já segue a Informação da Renascença no WhatsApp? É só clicar aqui.

A medida, segundo Trump, visa proteger e incentivar a produção nacional no sector tecnológico, sobretudo no fabrico de chips, considerado estratégico. Empresas que já tenham assumido o compromisso de construir fábricas nos EUA ficarão isentas desta tarifa.

“100% de tarifa sobre todos os chips e semicondutores que entrem nos Estados Unidos. Mas, se tiverem feito um compromisso de construir (nos EUA), ou se estiverem em processo de construção (nos EUA), como muitos estão, não haverá tarifa,” disse Trump na Sala Oval.

Trump não explicou, contudo, que tipos de chips serão abrangidos pela nova tarifa, nem qual o calendário para a sua aplicação.

O programa federal de subsídios à indústria dos semicondutores, aprovado em 2022, prevê um investimento de 52,7 mil milhões de dólares (cerca de 48,6 mil milhões de euros) para apoio à investigação e instalação de fábricas nos Estados Unidos.

Na década de 1990, os Estados Unidos produziam cerca de 40% dos chips a nível mundial, quota que desceu para 12% em 2024, de acordo com dados oficiais.

“Se, por alguma razão, disserem que estão a construir e não construírem, então voltamos atrás, somamos tudo, acumula-se, e cobramos mais tarde. Têm de pagar, e isso é garantido,” avisou Trump.

Os “berbicachos” do Presidente

No rico e culto pecúlio vocabular de Marcelo Rebelo de Sousa há uma palavra que se repete a cada passo: berbicacho. Em Março de 2013, o Presidente ainda não era Presidente e alertou que o Governo de Passos Coelho tinha arranjado um “berbicacho” por causa do salário mínimo; em Março de 2022, perante a proximidade de eleições legislativas, avisou que, “se os portugueses não dão maioria clara a ninguém”, será “um berbicacho para o Presidente”. E voltou outra vez à palavra, que, dizem os dicionários, significa uma “situação complicada ou difícil de resolver”, a propósito da extinção anunciada pelo Governo da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Em causa, diz Marcelo, está o risco de se “criar um berbicacho para resolver um problema que se entende que devia ser resolvido”.

Os leitores são a força e a vida do jornal

O contributo do PÚBLICO para a vida democrática e cívica do país reside na força da relação que estabelece com os seus leitores.Para continuar a ler este artigo assine o PÚBLICO.Ligue – nos através do 808 200 095 ou envie-nos um email para [email protected].

Lula: “Não me vou humilhar” para negociar com Trump

O Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, afastou nesta quarta-feira a hipótese de um diálogo com o homólogo norte-americano Donald Trump para discutir as novas tarifas impostas pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros, classificando essa possibilidade como uma “humilhação”.

Já segue a Informação da Renascença no WhatsApp? É só clicar aqui.

O dia em que a minha intuição disser que o Trump está disposto a conversar, não hesitarei em ligar-lhe. Mas hoje a minha intuição diz que ele não quer conversar. E eu não me vou humilhar”, disse Lula em entrevista à agência “Reuters”, a partir da residência oficial em Brasília.

As novas tarifas norte-americanas, que entraram em vigor esta quarta-feira, representam um aumento para 50% sobre vários produtos de exportação do Brasil.

Apesar do impacto potencial, Lula garantiu que não haverá, para já, medidas de retaliação da parte de Brasília.

Segundo Lula, o Governo está a estudar apoios a empresas afetadas, incluindo linhas de crédito e incentivos à exportação, embora sem revelar ainda detalhes concretos.

Lula sublinhou ainda que pretende contactar os líderes da China e da Índia para discutir uma resposta coordenada no seio dos BRICS.

“Não há ainda coordenação entre os BRICS, mas vai haver. Qual é o poder de negociação de um país pequeno com os Estados Unidos? Nenhum”, referiu.

O chefe de Estado criticou duramente a ligação entre as tarifas impostas pelos EUA e os processos judiciais contra Jair Bolsonaro, considerando inaceitável a tentativa de ingerência por parte de Washington.

Para Lula, Bolsonaro deve ser julgado não só pelas tentativas de reverter as eleições de 2022, mas também por incentivar a intervenção de Trump.

“O Supremo não está nem aí para o que o Trump diz, nem deve estar”, afirmou. “Bolsonaro é um traidor da pátria.”

O Presidente brasileiro disse estar aberto a um eventual encontro com Trump nas Nações Unidas, em setembro, ou nas negociações climáticas marcadas para novembro. Contudo, apontou o historial do ex-presidente dos EUA em situações semelhantes.

“O que o Trump fez com o Zelenskiy foi humilhação. Isso não é normal. O que fez com o Ramaphosa foi humilhação. Um presidente não pode humilhar outro. Eu respeito todos e exijo respeito.”

A ameaça do futuro que paira sobre nós

O chegar da chamada silly season tem para mim muito pouco de silly. Os últimos dias de julho recordam-me sempre que agosto se aproxima a passos rápidos e que, no dia 3, se cumprirá mais um ano sobre a primeira vez que fui seriamente ameaçado por ter escrito um artigo. Comentários rudes, violentos e ofensivos já os tinha tido, e muitos, nas caixas onde tal é possível ser feito em alguns jornais, nas edições online; mas, nesse dia, as palavras foram mais longe, através de uma mensagem pessoal enviada numa rede social.

Guardei as mensagens. Vasculhei o perfil da pessoa, as suas “postagens”. Era mais um simples nacionalista, adorador dos movimentos que nesse distante 2018 começavam a dar mais nas vistas. Seguia tudo o que tivesse pendor fascista. O meu artigo que o fez contactar-me, e que saíra na Visão, uns dias antes, tinha como base uma análise ao judaísmo em contexto da Grande Guerra, defendendo a paz e a concórdia: “Judaísmo, identidades e pré-conceitos: Uma leitura através de Mikhail Petrovich Artzybashev.”

Nunca respondi, mas fui seguindo o seu perfil nas redes sociais. Passados alguns anos, o meu ameaçador faleceu. No seu mural era dada a notícia, mas durante largos meses continuaram a ser lá replicadas matérias xenófobas, racistas e fascistas – os automatismos e os algoritmos conseguem manter vivo um perfil para lá de quem o criou.

Nesse distante 2018, Eugénio, pois era o seu nome próprio, fazia uma leitura de quem eu era: “és licenciado, tens um bom emprego e julgas que és esperto”; e acrescentava: “estás a dizer que quando formos todos mestiços, filhos de pai preto, judeu ou muçulmano e mãe indiferenciada, este mundo será finalmente o oásis perfeito”. Finalizava afirmando o seu orgulho pátrio, o valor da nossa história e como queria passar esses valores para as netas.

Hoje, sete anos depois, regresso a essas mensagens que remetiam para um futuro que, infelizmente, vejo aproximar-se. Diretamente, para aquele momento, ele não me ameaçava; era num futuro em que a sua visão do nacionalismo seria vencedora que a ameaça valia. Depois de dizer que guardaria o meu nome, a intimação era lançada para o futuro: “quando esta merda rebentar, não fales judeu, porque anda por aí muito maluco, grita só o teu nome para conversarmos.”

Mas, hoje, o que interessa como reflexão não é o conteúdo em si dessa ameaça. Nunca chegámos a “conversar”, como ela sugeria que viesse a acontecer quando “esta merda rebentar”, mas sempre que vejo os números de simpatizantes de certos movimentos e partidos percebo como a forma daquela ameaça era quase profética.

Normalizadas certas posturas, normalizada a violência verbal e, em muitos casos, física, o que sobra do hiato que eu julgava existir entre a ameaça do dito Eugénio e o futuro? Cada vez estamos mais perto da barbárie, cada vez estamos mais longe das formas civilizadas de agir para com o outro.

Cada vez mais urge não ficar calado ou quieto.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

A solução dos três Estados

Que tempos verdadeiramente excepcionais vivemos! Numa era digital onde algoritmos conseguem calcular trajectórias espaciais com precisão milimétrica e onde a análise de dados move biliões de euros nos mercados financeiros, os nossos veneráveis órgãos de comunicação social ocidentais optaram por abraçar uma metodologia estatística revolucionária, aceitar cegamente números fornecidos por organizações terroristas como se fossem relatórios do Banco Central Europeu. É de perguntar se estamos perante jornalismo de investigação ou uma comédia de pastelão digna dos irmãos Marx.

Permitam-me que vos apresente uma das jóias da credibilidade jornalística contemporânea, o famoso “Ministério da Saúde de Gaza”. Que prodígio da transparência democrática! Uma entidade controlada pelo Hamas, organização que a União Europeia, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Israel classificam como grupo terrorista, transformou-se, como por magia, na fonte estatística mais confiável do planeta Terra.

Pensem na ironia, os mesmos jornalistas que passam semanas a verificar as declarações de património de um qualquer ministro europeu, que questionam metodologias de sondagens eleitorais e que dissecam relatórios económicos governamentais com lupa de detective, aceitam, sem um único “mas”, números fornecidos por uma organização que usa civis como escudos humanos, constrói túneis militares sob hospitais e escolas, executa opositores políticos em praça pública, rouba ajuda humanitária para financiar rockets e ensina crianças de cinco anos a odiar judeus.

A manipulação mediática atingiu níveis tão grotescos que faria corar Goebbels. Cada estatística é apresentada como facto irrefutável, cada número como verdade sagrada. Onde estão os correspondentes internacionais independentes em Gaza? Onde estão as organizações de verificação de factos? Ah, olvidei-me, estão todos “escoltados” pelo Hamas, essa organização conhecida pela sua abertura à imprensa livre.

Esta encenação hollywoodesca seria cómica se não fosse trágica. O Hamas descobriu a fórmula perfeita, transformar cada morte num instrumento de propaganda, cada hospital destruído (convenientemente omitindo os arsenais na cave) numa “prova” de genocídio sionista. 

E aqui chegamos à mais recente obra-prima da diplomacia internacional, imaginem não uma solução de dois estados mas uma “solução de três estados”. Porque, evidentemente, se dois estados em conflito não funcionam, três é que é a resposta! É como resolver problemas conjugais arranjando uma segunda esposa… sim porque qual será a autoridade da ANP e da Fatah em Gaza?

Imaginemos este cenário, segundo esta lógica brilhante, dividiremos o território entre Israel, Cisjordânia (Palestina) e Gaza. Três estados, três governos, três sistemas jurídicos, três forças militares. O que poderia correr mal?

Mas aguardem, que a coisa fica ainda melhor. Perguntas que nenhum dos génios diplomáticos quer responder:

  • Reconheceria a ONU Gaza como estado soberano?
  • O que aconteceria quando este “estado” disparasse rockets sobre Israel? Seria considerado um acto de guerra entre estados soberanos?
  • Teria Gaza direito a assento na Assembleia Geral da ONU?
  • Poderia assinar tratados militares com o Irão?
  • O que acontece se Gaza reivindicar soberania sobre partes da Cisjordânia?
  • Quem controlará o espaço aéreo? As águas territoriais?
  • Como funcionará a livre circulação entre territórios palestinianos se Gaza for hostil à Cisjordânia?

Isto tudo num cenário hipotético, ou não… A resposta a todas estas perguntas é a mesma, ninguém pensou nisso. Ou melhor, pensaram, mas preferiram ignorar porque as respostas destroem toda a narrativa.

 

Esta pseudo-solução serve um propósito cristalino, eternizar o conflito. O Hamas não quer paz, quer a destruição de Israel. Está escrito na sua carta constitutiva, repetido nos seus discursos, demonstrado nas suas acções. Para esta organização, qualquer acordo que reconheça o direito de Israel a existir é traição aos “mártires”.

O reconhecimento da Palestina sem contrapartidas de segurança será o maior erro diplomático desde que Chamberlain acenou com um papel em Munique declarando “paz para o nosso tempo”. Porque uma vez criado este precedente, quando o Hamas atacar Israel a partir do seu “estado soberano” de Gaza, como responderá a comunidade internacional?

Dirá que Gaza tem direito à “resistência”? Classificará os ataques como “direito à autodeterminação”? Ou reconhecerá finalmente que criou um Estado terrorista às portas do Mediterrâneo? 

Façamos uma análise realista das capacidades da ANP para governar Gaza.

Capacidade militar, zero. A ANP não possui forças armadas capazes nem de enfrentar uma milícia de bairro, quanto mais o Hamas. As suas “forças de segurança” são, na melhor das hipóteses, uma polícia glorificada.

Legitimidade popular em Gaza, Inexistente. O Hamas governa Gaza há 17 anos. Uma geração inteira cresceu sob a sua tutela. A ANP é vista como colaboracionista e corrupta.

Estruturas administrativas, fragmentárias. A ANP mal consegue gerir a Cisjordânia, onde tem algum controlo. Como administrará um território devastado pela guerra e controlado por túneis militares?

Apoio internacional, retórico. Os países árabes adoram fazer discursos sobre a Palestina, mas quando se trata de enviar soldados para combater o Hamas… silêncio absoluto.

Então, pergunta-se, como eliminará a ANP uma organização terrorista entrincheirada há décadas? A resposta é óbvia, não o eliminará. E quando o Hamas continuar os seus ataques, agora enquanto “proxy” iraniano operando a partir de um “estado soberano”, a quem pedirá ajuda a ANP?

À ONU? Essa organização que tem mais resoluções contra Israel (democracia funcional) que contra a Síria (que usou armas químicas contra civis)? Aos países árabes que em 75 anos nunca moveram um soldado para defender os palestinianos? Ou, suprema ironia, a Israel para limpar a casa?

O cenário mais provável é uma guerra civil sangrenta entre Fatah e Hamas, transformando Gaza numa Somália do Mediterrâneo. Mas desta vez com uma diferença crucial, será um Estado reconhecido internacionalmente, com todos os direitos e protecções jurídicas que isso implica.

E então, os mesmos progressistas que hoje aplaudem o reconhecimento da Palestina dirão quê? Que não era isso que queriam? Que não previram as consequências? Que a culpa é… de Israel?

O maior beneficiário desta loucura diplomática será Teerão. O regime iraniano ganhará uma base operacional “legítima” a 60 quilómetros de Tel Aviv. Gaza transformar-se-á no Hezbollah do sul, mas com estatuto de Estado soberano.

Que arsenal poderá o “Estado de Gaza” importar para “defesa nacional”? Mísseis de longo alcance? Mísseis anti-aéreos? Drones armados? E quando Israel tentar interceptar estes carregamentos, será acusado de “agressão contra um Estado soberano”?

O Irão conseguirá aquilo que nunca ousou sonhar, transformar o seu proxy terrorista numa entidade estatal reconhecida, com direitos internacionais e protecção jurídica. É o jackpot da proliferação terrorista.

A ONU, essa catedral da hipocrisia internacional, será forçada a enfrentar as suas próprias contradições. Como explicará que reconhece um Estado controlado por uma organização que a própria ONU classifica como usando “métodos terroristas”?

Como justificará dar assento na Assembleia Geral a representantes que, na semana anterior, podem ter executado dissidentes políticos? Como conciliará os princípios da Carta da ONU com a realidade de um Estado-membro que tem como objectivo declarado a destruição de outro Estado-membro?

A resposta será, como sempre, mais hipocrisia e mais duplos critérios. Israel continuará a ser o único país do mundo submetido a escrutínio permanente, enquanto “o novo Estado” gozará da benevolência internacional reservada às “vítimas”.

A Europa, esse continente que descobriu tardiamente os perigos da imigração descontrolada e do extremismo islâmico, está a preparar-se para criar um novo foco de instabilidade a duas horas de voo de Roma.

Quando a Palestina se transformar num Estado falhado, e transformar-se-á, as ondas de refugiados não se dirigirão para os prósperos países árabes do Golfo. Dirigir-se-ão para as costas europeias, como sempre acontece. E entre esses refugiados virão, inevitavelmente, elementos radicalizados pelo Hamas.

Os mesmos eurodeputados que hoje acenam com bandeiras palestinianas serão os primeiros a exigir “soluções europeias” para a crise humanitária que ajudaram a criar. A ironia será deliciosa, se não fosse trágica. 

Cada político, cada jornalista, cada activista que hoje defende esta “solução” fantasiosa carregará nas costas a responsabilidade histórica pelo prolongamento do sofrimento de inocentes. Porque ao criar as condições para a perpetuação do Hamas, ao legitimizar o terrorismo através do reconhecimento estatal sem contrapartidas, estarão a assinar uma sentença de morte para milhares de pessoas, palestinianos e israelitas.

A história não os perdoará. Quando crianças palestinianas morrerem em combates entre Fatah e Hamas, quando famílias inteiras forem executadas por “colaboração”, quando Gaza se transformar numa Síria em miniatura, lembrem-se, vocês construíram esta tragédia.

Os novos Filisteus não vêm do mar Mediterrâneo, como os seus antecessores históricos. Vêm das universidades de elite, das redacções dos jornais, dos parlamentos europeus. Têm diplomas em ciências sociais, falam de direitos humanos e vestem camisolas com slogans de paz.

Mas tal como os Filisteus originais, são invasores culturais. Invadem a complexidade do Médio Oriente com as suas simplificações ideológicas. Invadem a história com os seus mitos convenientes. Invadem a realidade com as suas fantasias progressistas.

E tal como os antigos Filisteus, o seu objectivo final é o mesmo, apagar Israel do mapa. Não com espadas e lanças, mas com resoluções da ONU e campanhas de boicote. Não com exércitos, mas com hashtags e manifestações. Não com honestidade, mas com manipulação mediática e falsificação histórica. 

A “solução dos três estados” é, na realidade, a fórmula perfeita para transformar uma tragédia regional numa catástrofe civilizacional. É a receita ideal para converter Gaza num Estado falhado, a Cisjordânia num campo de batalha e Israel num alvo permanente de um Estado terrorista legitimado internacionalmente.

Quando esta construção artificial ruir, e ruirá, porque está edificada sobre mentiras e sustentada por ódio, quando Gaza se transformar num Afeganistão mediterrânico, quando a guerra civil palestiniana atingir dimensões genocidas, quando o Irão instalar bases de mísseis a uma hora de Atenas, recordem-se destas palavras.

O tempo, esse juiz implacável da história, encarregar-se-á de expor a fraude intelectual e moral por detrás desta pseudo-compaixão progressista. E talvez então, demasiado tarde, percebam que o verdadeiro crime contra a humanidade foi aquele que cometeram contra a verdade, a lógica e o elementar bom senso.

Mas haverá justiça poética nisto tudo, os mesmos que hoje aplaudem a criação de um Estado terrorista serão os primeiros a sofrer as suas consequências. Porque a história, essa senhora severa mas justa, tem uma forma peculiar de fazer pagar a factura da estupidez ideológica a quem a assina.

Reconhecer a Palestina, neste momento, significa a vitória do terrorismo e empoderar todas as organizações terroristas no mundo. O tempo e a história se encarregarão…

O tempo, esse cronometrista incorruptível da justiça histórica, não perdoa aqueles que escolhem a militância cega em detrimento dos factos, a ideologia em detrimento da realidade, o ódio em detrimento da razão.

Jovens de hoje, cuidadores de amanhã: o futuro dos nossos idosos

Sou jovem, mas não posso fechar os olhos ao que vejo à minha volta. Escrevo sobre o envelhecimento em Portugal porque acredito que este é um tema que nos toca a todos, independentemente da idade. Porque, cedo ou tarde, somos todos chamados a envelhecer ou a cuidar de quem envelhece. E, se não começarmos agora a mudar, arriscamo-nos a perpetuar um silêncio que custa vidas e dignidade.

O que acontece a um país onde há cada vez mais avós e cada vez menos netos? A resposta não pode ser apenas esperar do Estado. Em Portugal, o envelhecimento da população já é uma realidade incontornável, mas a forma como cuidamos dos nossos idosos revela muito sobre os valores que queremos preservar. Somos um dos países mais envelhecidos da Europa, mas continuamos a agir como se o tempo não passasse, como se o futuro não nos dissesse respeito.

Mais de 23% da população portuguesa tem hoje 65 anos ou mais. Muitos vivem sozinhos, com pensões modestas que mal chegam para pagar a renda e os medicamentos. As listas de espera para entrar num lar são longas, e os cuidadores informais, muitas vezes familiares dedicados, enfrentam desafios enormes, sem o apoio que merecem.

Temos de reconhecer que a base do cuidado é a família e a comunidade. É nela que se constrói a verdadeira solidariedade, o apoio que o Estado não pode, nem deve, substituir por completo. Ao mesmo tempo, programas públicos e financiamentos existem, mas precisam de ser melhor organizados, mais eficazes e menos burocráticos.

Em 2022, a Cruz Vermelha relatou o caso de uma idosa que ligou para pedir companhia. Não precisava de medicamentos, nem de alimentação, apenas de alguém que lhe falasse. Noutra situação, uma mulher de 84 anos vivia num prédio sem elevador e já não conseguia sair de casa. Estes casos mostram que a desagregação social e o afastamento familiar são questões que devemos enfrentar com seriedade.

Envelhecer não é uma tragédia. A verdadeira tragédia é fazê-lo num país que não valoriza os seus valores fundamentais: o respeito pela família, a responsabilidade pessoal e o cuidado com os nossos. A dignidade não se perde com a idade, e muito menos com o distanciamento entre gerações.

É urgente pensarmos o envelhecimento como uma fase com valor, voz e direitos. Precisamos de políticas públicas integradas, sim, mas também de um reencontro com os valores que unem as famílias e as comunidades. Mais apoio domiciliário, melhores lares, estruturas que evitem o isolamento, sim, mas também uma sociedade que se reconcilie com a importância do papel familiar.

No fundo, cuidar dos nossos idosos é cuidar de nós próprios, da nossa história, das nossas raízes, do que somos. É olhar nos olhos de quem viveu, amou, trabalhou e construiu este país, e reconhecer que merece mais do que solidão ou abandono. É dar-lhes a mão quando o caminho fica mais difícil, é garantir que o último capítulo da vida seja escrito com dignidade, amor e respeito.

Porque, no final, somos todos responsáveis por que memória queremos deixar para quem vier depois de nós. Cuidar dos nossos idosos é um dever que define a alma de uma nação.

Quem esquece os seus, esquece-se a si próprio.

Portugal e a antiguidade dos sefarditas. Uma peça identitária fundamental

É longa, possivelmente de mais de dois milénios, a presença judaica no que hoje é o território português. Inevitavelmente, esta espessura histórica teria de marcar de forma muito clara as populações que hoje habitam esse mesmo espaço, dando material para o campo identitário.

Contudo, o caminho do tempo não foi simples e linear e, no Portugal contemporâneo, essa inevitável memória não é nada pacífica. É um desconforto que radica numa dificuldade em definir se os judeus sefarditas somos “nós” ou se são “eles”, vindo de séculos de perseguição que tentaram apagar os traços identitários do judaísmo sefardita da nossa cultura.

Percebemos esta tensão no campo do adagiário. Como que num inconsciente coletivo, os ditados populares são uma marca do que se consolidou ao longo dos séculos como perceção e representação. “Trabalhar que nem um mouro” ou “fazer judiarias” são dois exemplos de como a cultura popular portuguesa consignou chaves de intolerância na memória coletiva, uma em relação aos muçulmanos, outra aos judeus.

Socialmente, um provérbio é a imagem de um tempo longo, de um tecido social com pouca mudança. O caso do judaísmo é, possivelmente, o caso mais significativo em Portugal. Se o “fazer judiarias” revela uma imagem negativa, um outro adágio, “andar com o credo na boca”, mostra como o medo dos critpo-judeus em serem apanhados sem saber a oração do Credo, não conseguindo provar que eram bons cristãos, passou para o tecido social, sem mácula da minoria supostamente indesejada e caricaturada – saber o Credo por forma a recitá-lo imediatamente, passou a ser imagem de um medo endémico numa população habituada a inquisições e polícias políticas. Neste caso, o todo do tecido social irmanou-se com o perseguido, com a minoria, com o “outro”.

De facto, se há campo da nossa memória coletiva que com alguma dificuldade conseguimos compreender, ele encontra-se na relação que os judeus sefarditas criaram com o território peninsular, mais propriamente com o português. Dois fenómenos correm paralelos num rio lodoso; por um lado, muito pouco se tem estudado sobre a antiguidade da presença dos judeus na Ibéria, pressentindo-se, apenas, que ela será milenar; por outro, de onde virá, como se formou essa estreita relação entre os judeus e Sefarad, uma mítica terra, uma mítica era, um mítico espaço de que resultou, mesmo após a conversão forçada, uma relação e uma proximidade simbólica fortíssimas?

Esta ligação, tantas vezes comprovada, por exemplo, no facto de em algumas sinagogas, como em Amesterdão, ainda se recitarem orações em português, vários séculos depois da fuga, foi um dos motores e justificativas para a Lei que em 2013 foi aprovada, por unanimidade, para permitir o acesso à cidadania portuguesa por parte dos descendentes dos sefarditas fugidos à Inquisição.

Apesar de muitas vezes perseguidos no início da Idade Média, os judeus peninsulares encontraram na Ibéria, até à passagem do século XIV para o XV, um espaço de significativa liberdade, quer religiosa, quer de ação. Foi este o fundo que resultou, ao longo dos séculos, na construção quase mítica da ideia de Sefarad, sempre associada a um espaço de profunda identificação e significativa felicidade.

Sinagoga Sefardita, na judiaria de Castelo de Vide.

Desde muito cedo, não sabemos quando, esta realidade designada por «Sefarad» foi identificada com a Península Ibérica (a palavra Sefarad surge no texto bíblico de Abdias, versículo 21, um texto do século VI a.C.). Não podemos saber desde quando, de facto, existiram judeus no território peninsular, mas podemos dizer, com certo grau de verosimilhança, que isso terá acontecido muito cedo, logicamente antes do domínio romano, aquando da grande expansão comercial dos fenícios.

Os fenícios, com as suas armadas preenchidas também com hebreus, pululavam numa época de primeira globalização em que a moeda e o ferro traziam uma rápida e brusca homogeneização de gostos e práticas culturais. A chegada dos primeiros hebreus deve estar relacionada, ou com a vinda de comerciantes fenícios logo no início da Idade do Ferro, ou com a proximidade, mais tarde, ao contínuo de dominação cartaginesa do Norte de África, onde as populações semitas dominavam, dominando também todo um modo de vida em torno do comércio. É o próprio texto bíblico a mostrar que o hebreu Rei Salomão organizara armadas com o Rei de Tiro para comerciar na Península Ibérica (1 Rs 10, 22). Estaríamos, provavelmente, entre os séculos X e IX a.C., quando os primeiros hebreus chegaram a terras, muito depois, apelidadas de portuguesas.

Com o advento do domínio romano, a presença judaica avoluma-se e, antes da chegada do Cristianismo, já existiriam grandes comunidades judaicas em várias regiões da Ibéria. O grande difusor do Cristianismo, Paulo de Tarso, é quem nos confirma essa realidade, quando afirma a vontade de vir evangelizar a este canto do mundo mediterrânico – S. Paulo deslocava-se sempre a cidades com grandes comunidades judaicas.

Afirma o apóstolo na sua Carta aos Romanos (Rm 15,23-24, 28):

“Como não tenho mais nenhum campo de acção nestas regiões, e há muitos anos que ando com tão grande desejo de ir ter convosco, quando for de viagem para a Hispânia… Ao passar por aí, espero ver-vos e receber a vossa ajuda para ir até lá, depois de primeiro ter gozado, ainda que por um pouco, da vossa companhia… Portanto, quando este assunto estiver resolvido, e lhes tiver entregado o produto desta colecta devidamente selado, partirei para a Hispânia, passando por junto de vós.”

Para a mesma época, a arqueologia também nos valida esta informação. Pela mesma época, com datação da primeira metade do séc. I d.C., foi encontrado em Mértola um grupo de onze moedas cunhadas na Judeia, atestando as trocas comerciais entre as duas regiões.

Pedra de anel com símbolos judaicos (Museu Cidade de Ammaia).

Uma pedra de anel, provavelmente proveniente da cidade romana de Ammaia, datado do séc. II d.C., e hoje em depósito no Museu Nacional de Arqueologia, constitui um dos testemunhos arqueológicos mais antigos para a datação da presença judaica, não só em Portugal, mas em toda a Península Ibérica.

Anteriores em Portugal, mais de um milénio antes de haver Portugal. Anterior em alguns séculos ao Cristianismo, o judaísmo sefardita é parte sem a qual é impossível compreender Portugal. Atores fundamentais na época da fundação do reino, foram imprescindíveis na construção da expansão dos séculos XV e XVI. Pena que a perseguição tenha caído sobre o reino e tenha destruído a riqueza cultural antes construída.

[Os artigos da série Portugal 900 Anos são uma colaboração semanal da Sociedade Histórica da Independência de Portugal. As opiniões dos autores representam as suas próprias posições.]

A fantasia do reconhecimento do “estado” da Palestina

Há vários problemas com a fantasia de se reconhecer o “estado” da Palestina. O primeiro é que não existe um “estado” da Palestina. Como se pode reconhecer o que não existe? Existem dois territórios palestinos: a margem ocidental do rio Jordão; e a faixa da Gaza. São territórios distintos, com dois governos diferentes, que não reconhecem legitimidade política um ao outro. Qual das “Palestinas” será reconhecida por Portugal e por outros países europeus? Parece que será a Autoridade Palestiniana na margem ocidental do rio Jordão. Essa é a primeira contradição da fantasia (lamento, mas não é possível chamar-lhe estratégia). Querem reconhecer o “estado” da Palestina por causa da guerra de Gaza, mas se o fizerem estão a atacar directamente a autoridade que governa Gaza, o Hamas.

Os governos europeus também querem pressionar o governo de Israel. Mas, curiosamente, ao não reconhecerem o Hamas como a autoridade soberana palestina, colocam-se ao lado de Israel que pede a rendição absoluta do Hamas desde os ataques de 7 de Outubro de 2023. O Hamas reclama que representa o povo palestino, em Gaza e na faixa ocidental do rio Jordão, mas se os países europeus não reconhecerem a autoridade que o Hamas reclama para si próprio, estão a acabar com o Hamas como ele existe de momento. Eis a segunda contradição: parecendo que estão a atacar Israel, os governos europeus estão a colocar-se ao lado do governo de Israel contra o Hamas.

Obviamente, os governos europeus sabem isso tudo. Mas insistem na fantasia do “estado” da Palestina. Ora, o que vão os governos europeus fazer para ajudar a construir um estado palestino? É o preço de querer reconhecer o que não existe: que se faça alguma coisa para que passe a existir. A primeira coisa que teriam que fazer seria forçar o Hamas a render-se. Os países europeus não têm poder nem vontade para pagar os custos de impor essa estratégia. Por isso, o reconhecimento de um “estado” da Palestina seria (ou será, se a sensatez não prevalecer) mais uma exercício europeia de diplomacia vazia e sem consequências.

Mas há ainda uma quarta contradição. Só na aparência é que o eventual reconhecimento do “estado” da Palestina constitui um acto de política externa. Na verdade, é um exercício populista de política interna. Por um lado, acham que as maiorias das populações europeias querem reconhecer um “estado” da Palestina. As televisões querem, mas as televisões há muito que deixaram de representar a maioria das populações europeias. Os governos europeus estão convencidos que é popular, internamente, reconhecer o “estado” da palestina, e que também lhes dá uma superioridade moral que não enjeitam, mas a busca de popularidade entre as suas populações é política interna, não é diplomacia.

No caso da França e do Reino Unido há também uma tentativa de Macron e de Starmer de apaziguar as populações muçulmanas, onde os grupos radicais islâmicos exercem muita influência. É próprio de líderes fracos, como são o Presidente francês e o PM britânico. Mas uma outra dimensão mais preocupante: as minorias imigrantes começam a influenciar as políticas externas de países europeus. A diplomacia não serve para apaziguar grupos radicais. Sobretudo, as fraquezas e os problemas internos de Macron e de Starmer não devem influenciar a política externa de outros países europeus.

1 49 50 51 52 53 607