Mina da Lagoa Salgada: processamento do minério de ouro recorre a substância “altamente tóxica”

Uma substância que irá ser utilizada na mina da Lagoa Salgada, em Grândola, é “altamente tóxica”, podendo contaminar os lençóis freáticos da região, denuncia um comunicado subscrito pela associação ambientalista Zero, a Associação de Agricultores de Grândola, a Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade (Fapas), o Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), a associação Proteger Grândola e a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).
Uma das soluções preconizada pela Redcorp – Empreendimentos Mineiros, subsidiária do grupo canadiano Ascendant Resources para a exploração de filões polimetálicos de cobre, chumbo, zinco e metais associados, em que se incluem prata e ouro, prevê a utilização de cianeto de sódio, sólido solúvel em água, no processamento de metais preciosos.
“Trata-se de uma substância altamente tóxica, com riscos amplamente reconhecidos”, destaca o comunicado das associações. Contudo, a empresa mineira alega no Estudo de Impacto Ambiental (EIA), cujo processo de consulta pública terminou no dia 30 de Abril, que as outras alternativas no mercado “inviabilizam o projecto do ponto de vista técnico e económico”.
Desde que o cianeto de sódio foi aplicado às minas de ouro e prata a partir de 1887, continua a ser uma das principais formas de processamento devido à sua elevada taxa de adaptabilidade ao minério. Contudo, é um composto químico altamente tóxico que afecta os recursos hídricos das comunidades vizinhas das explorações mineiras que dele fazem uso, uma realidade comprovada em vários países.
Alerta para uso de explosivos
Associado a este problema, outros impactos fazem com que o projecto da Mina da Lagoa Salgada seja “um perigo para os recursos hídricos da região com impactos ambientais e sociais gravosos”, dizem as associações. A preocupação expressa pelas organizações da sociedade civil aponta também para as consequências do uso de explosivos para o desmonte de rochas, “potencialmente geradoras de escorrências ácidas.” Subsiste ainda um “risco adicional de contaminação dos recursos hídricos, tanto na fase de exploração, como após o encerramento, devido a possíveis falhas ou anomalias nos depósitos de rejeitados previstos para uma área de cerca de 64 hectares”, analisa o comunicado.
Mais cedo ou mais tarde, a ameaça de contaminação paira sobre as águas subterrâneas, mesmo depois da extracção mineira encerrada. São testemunho deste facto as lagoas de águas ácidas que prevalecem nas minas desactivadas de São Domingos, Aljustrel ou nos coutos mineiros da região espanhola de Huelva.
A reforçar esta preocupação surge a opção avançada pela Redcorp ao salientar que o consumo de água para fins industriais terá origem exclusivamente na água subterrânea, sem recurso a fontes externas, com um consumo médio estimado de 864m3 por dia. No entanto, está previsto o recurso a reservas de água de superfície com ligação à albufeira de Vale de Gaio através de um sistema adutor com cerca de 20 quilómetros.
Porém, a informação apresentada “não é suficientemente clara para dissipar dúvidas sobre o volume anual total de água necessário para o funcionamento da mina”, alertam as associações.
Compensação insuficiente
No comunicado, as associações salientam ainda a intenção do “promotor, que propõe compensar os 32,54 hectares afectados (pela extracção mineira) com a plantação de 73 hectares na Herdade da Nogueirinha, além da beneficiação de mais 10 hectares, num compromisso de gestão por 20 anos”. Mas apesar de o projecto de compensação, proposto pela empresa mineira, “poder ter méritos e benefícios para a espécie”, as organizações dizem que se trata de uma medida de longo prazo, que “só produzirá efeitos dentro de várias décadas”.
Assim, concluem, existem “sérias dúvidas” quanto à eficácia desta compensação, por não ser possível garantir “a sobrevivência das novas plantações num contexto de alterações climáticas, tornando os cálculos de sequestro de carbono a 200 anos um exercício de especulação”.
O impacto no ambiente da eliminação da vegetação em mais de 90 hectares e o abate de 1900 sobreiros suscita das organizações subscritoras do comunicado um outro reparo: a atribuição de estatuto de Projecto de Interesse Nacional (PIN) é revelador de como esta classificação “pode ser usada de forma discricionária para contornar restrições legais e facilitar a aprovação de um projecto privado, cuja utilidade pública é, no mínimo, muito discutível”.
Arranque em 2027
O parecer da comissão de avaliação sobre a Proposta de Definição do Âmbito do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) para a Mina da Lagoa Salgada, na referência que faz às sondagens realizadas até 2021 na área prevista para exploração mineira, definiu duas massas minerais: o jazigo norte e o jazigo sul, onde foi detectada, respectivamente, a existência de cerca de 13 milhões de toneladas com um teor de zinco equivalente de 8,5% e cerca de 15 milhões de toneladas com um teor de 1,4% de cobre por tonelada de rocha extraída.
Quanto ao volume de ouro que pode ser recolhido nos filões da Mina da Lagoa Salgada, em média andará nos três gramas por tonelada de rocha extraída. Mas quando a cotação do ouro atinge valores mais elevados, torna rentável a extracção da rocha com um conteúdo de ouro de apenas um grama por tonelada.
O arranque da exploração está agendado para o segundo trimestre de 2027.
