Ritz-Carlton abre resort-safari de luxo no Quénia. “Obstrui migração dos gnus”, acusam

Quando o Ritz-Carlton abrir o seu primeiro resort ao estilo de acampamento de safari deluxe, na sexta-feira, os hóspedes estarão a pagar desde 3500 dólares por pessoa para ficar em suítes ao estilo de tendas, mas com decks privados com vista para um rio cruzado por gnus em migração. É todo um acontecimento na reserva de Maasai Mara, no Quénia.
Mas o director de um instituto de conservação de Maasai e vários investigadores afirmam que o verdadeiro custo dessas vistas sublimes será muito mais elevado, uma vez que vai infligir danos num dos ecossistemas mais famosos do mundo.
Na terça-feira, Meitamei Olol Dapash, do Instituto para a Educação, Investigação e Conservação Maasai (MERC), interpôs uma acção judicial num tribunal queniano contra a Ritz-Carlton, o seu proprietário Marriott, o promotor local do projecto, Lazizi Mara Limited, e as autoridades quenianas. Objectivo: tentar impedir a abertura prevista.
Dapash alega na acção judicial que o acampamento de 20 suítes, que possui piscinas de mergulho e serviço de mordomo personalizado, obstrui um corredor de migração crucial entre Maasai Mara e o Serengueti da Tanzânia. Segundo os investigadores, a migração permite que os gnus encontrem alimento e mantenham a diversidade genética entre as manadas.
A acção judicial diz também que não há provas de que tenha sido realizada uma avaliação do impacto ambiental. Os advogados de Dapash pediram ao Tribunal do Ambiente e do Território de Narok que suspendesse a abertura do alojamento e que julgasse o caso com urgência.
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A Marriott, que celebrou um contrato de franquia com a Lazizi, afirmou num comunicado que estava empenhada em respeitar o ambiente e que a Lazizi tinha obtido todas as aprovações necessárias.
O director-geral da Lazizi, Shivan Patel, disse que as autoridades quenianas realizaram uma avaliação do impacto ambiental, que estabeleceu que o local não era um ponto de passagem para a vida selvagem.
O governo do condado de Narok e a Autoridade Nacional de Gestão Ambiental, que também são citados como réus no processo, não responderam aos pedidos de comentário da Reuters.
A disputa é o mais recente ponto de discórdia nas pradarias da África Oriental entre o turismo de luxo e os pastores Maasai, que afirmam que o desenvolvimento do sector está a prejudicar os seus habitats e modos de vida.
No Quénia, as comunidades locais têm-se queixado do que dizem ser a apropriação de terras por investidores ricos. Na Tanzânia, os protestos contra a expulsão de dezenas de milhares de Maasai para dar lugar a pavilhões de caça conduziram a confrontos mortais com a polícia.
Dapash, que fundou a MERC em 1997 como uma rede de base de líderes Maasai, disse que o desenvolvimento do Ritz-Carlton foi o último de uma longa lista de projectos turísticos lucrativos a que os funcionários do governo deram luz verde à custa da vida selvagem e da população local.
“Sem que o governo local regulasse os comportamentos dos turistas, as actividades turísticas, vimos o habitat e o ambiente degradarem-se muito”, disse à Reuters.
Os responsáveis da região reconheceram que o excesso de turismo tem prejudicado o ambiente natural de Maasai Mara, mas afirmaram que a aposta no “turismo de alto valor” pode ajudar a resolver este problema, trazendo mais dinheiro com menos custos ambientais.
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No caminho da migração
Ao anunciar o novo Ritz-Carlton em Fevereiro, a Marriott disse que iria oferecer um “lugar na primeira fila” para a Grande Migração anual de milhões de gnus, zebras e gazelas.
O alojamento situa-se ao longo do rio Sand, uma importante fonte de água para animais, desde elefantes a aves, que serpenteia de um lado para o outro através da fronteira entre o Quénia e a Tanzânia.
Os funcionários do hotel não permitiram que os repórteres da Reuters entrassem na propriedade.
Dapash, que é doutorando em educação para a sustentabilidade no Prescott College, nos Estados Unidos, e já se candidatou várias vezes, sem sucesso, ao parlamento, disse que o alojamento fica num ponto de passagem de gnus bem conhecido dos habitantes locais.
REUTERS/Thomas Mukoya
Joseph Ogutu, um investigador queniano da Universidade de Hohenheim, na Alemanha, que estudou a migração da vida selvagem em Maasai Mara, disse que a nova construção seria um novo golpe para a fauna da reserva. De acordo com dados do governo queniano, as populações de muitas espécies na reserva diminuíram mais de 80% desde a década de 1970.
“É altamente desaconselhável construir um alojamento num dos caminhos mais críticos da Grande Migração”, afirmou.
Grant Hopcraft, um ambientalista da Universidade de Glasgow, disse que o projecto teria “provavelmente implicações ecológicas grandes e a longo prazo para a migração”. Nem Hopcraft nem Ogutu são parte na acção judicial.
Patel de Lazizi disse que foi o governo municipal que lhe propôs o local. E questionou por que razão Dapash só começou a levantar objecções ao projecto nas últimas semanas. “O projecto está em curso há um ano”, disse à Reuters. “Fizemos um esforço enorme para (…) evitar qualquer perturbação ou dano ao ambiente. “
Dapash disse que só teve conhecimento do projecto em Maio, porque fica longe do principal centro populacional.
A acção judicial questiona o facto de ter sido efectuada a necessária avaliação do impacto ambiental.
Nos termos da legislação queniana, a Autoridade Nacional de Gestão do Ambiente deve publicar um resumo da avaliação no jornal oficial, indicando onde pode ser consultado.
A Reuters não conseguiu encontrar qualquer aviso deste tipo no jornal oficial. Patel disse que não podia partilhar a avaliação por razões de confidencialidade e remeteu a Reuters para a NEMA. Esta não respondeu aos pedidos de comentário.
A acção judicial diz ainda que o projecto viola um plano de gestão para Maasai Mara adoptado pelo governo do condado de Narok em Fevereiro de 2023, que prevê “a proibição de novos empreendimentos de alojamento turístico” antes de 2032.
Patel contestou esta afirmação, dizendo que o projecto foi construído num local “existente” que já estava a ser utilizado há muitos anos. Não disse como é que tinha sido utilizado. O condado de Narok não respondeu aos pedidos de comentário.
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Dapash disse que o público precisava de respostas. “A preservação da migração da vida selvagem é para nós um tesouro que não nos podemos dar ao luxo de perder”, afirmou. “Temos de ter a certeza de que foram cumpridas todas as devidas diligências”.