Porque é que Portugal não pediu apoio no combate aos fogos? O que esperar nos próximos dias? Cinco perguntas e respostas sobre os incêndios


Os incêndios que lavram em Portugal não têm dado tréguas nos últimos dias. Desde 2 de agosto que o território está em situação de alerta devido ao risco de fogos, que também tem atingido países como Espanha, França ou Grécia. Ao início da manhã desta quinta-feira, mais de 2.700 bombeiros combatiam incêndios em várias regiões do país. Estavam ativos quatro fogos de grandes dimensões: Cinfães, Sátão, Trancoso e Arganil. Este último, que deflagrou devido a uma trovada seca, era o que mobilizava pelas 10h00 mais meios: acima de 900 bombeiros, 301 carros e cinco meios aéreos.
Este ano já arderam 63.247 hectares de área florestal, metade dos quais nas últimas três semanas, e deflagraram 5.963 incêndios, sendo a maioria nas regiões do Norte e Centro. Especialistas em risco de incêndio já tinham vindo a alertar que este ano podia ser um ano de fogos florestais graves. A primavera chuvosa, que criou as condições para o crescimento de muita vegetação, agora seca, aliada ao anticiclone que desde julho está sob a Europa, trazendo temperaturas muito elevadas, têm proporcionado as condições ideais. Perante este cenário, Portugal planeia recorrer a apoio europeu, como Espanha fez? E o que se pode esperar dos próximos dias?
Espanha formalizou na quarta-feira à noite um pedido de ajuda à União Europeia (UE) para ajudar a combater os incêndios que lavram no país, provocando pelo menos três mortos e vários feridos e queimaram cerca de 50 mil hectares. Foram solicitadas duas aeronaves Canadair, anunciou o ministro do Interior espanhol, Fernando Grande-Marlask. Também a Grécia, onde na quarta-feira deflagraram 82 focos de incêndios, recorreu aos mecanismos europeus para obter quatro bombardeiros de água suplementares. E Portugal? Porque não fez o mesmo?
Incêndios. Espanha pede ajuda da UE para combater vários fogos
Na semana passada, a UE garantiu que está disponível e em condições de apoiar os países no combate aos incêndios. A porta-voz do executivo comunitário Anna-Kaisa Itkonen explicou, no entanto, que só o faria mediante um pedido dos Estados-membros. Na noite desta quarta-feira, porém, o primeiro-ministro afastou para já a possibilidade de recorrer a ajuda internacional, garantindo que “quando as circunstâncias o motivarem” o Governo fa-lo-á.
“Isso obedece a critérios de natureza técnica e operacional que terão de ser atendidos”, disse aos jornalistas após a reunião semanal e jantar com o Presidente da República, que se realizou esta quarta-feira no Algarve. “Nós não temos nenhuma objeção a fazê-lo, quando tiver de ser feito, mas também não o vamos fazer nas alturas em que não for tecnicamente adequado”, acrescentou.
Não é incomum Portugal recorrer a ajuda internacional no combate a incêndios. No ano passado, a pedido da Região Autónoma da Madeira, o Governo português ativou o Mecanismo Europeu de Proteção Civil, que permitiu a chegada de dois aviões Canadair uma semana depois de os fogos deflagrarem. Não se sabe se este ano o executivo vai fazer tal solicitação, estando para já afastada essa hipótese.
Multimédia. Como evoluiu o grande incêndio da Madeira. E como foram chegando os meios
Este verão, e em particular nas últimas semanas, Portugal tem sido afetado por sucessivas ondas de calor, começa por explicar o climatologista Carlos da Câmara ao Observador. Se essa sucessão de vagas é “anómala”, o fenómeno que as está a provocar é comum: um anticiclone, uma zona de altas pressões, que está atualmente sobre a Europa. O professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa refere que essa zona de altas pressões não se move desde julho: “Há uns dias em que enfraquece um bocadinho, depois anda mais para o oeste, mais para o leste, mas não sai”.
E porque é que o bloqueio provoca estas ondas de calor tão grandes? Há três mecanismos que o explicam. O primeiro é que o anticiclone faz com que venham ventos do norte de África, que atravessam Espanha, e que são “muito quentes e muito secos”. Há um segundo fator que importa: esse ar, já quente e seco, desce e é comprimido, o que aumenta ainda mais a temperatura. “Já deve ter experimentado que se encher uma bola com uma bomba de ar a bomba fica quente. Isto porque quando o ar é comprimido aumenta a sua temperatura”. O terceiro aspeto é que nas zonas anticiclónicas não há nuvens e, por isso, a radiação solar chega em maior quantidade.
O problema neste momento é que o anticiclone não sai do sítio, o que contribuiu para uma onde de calor extensa. “Costumamos ter ondas de calor na ordem de seis, sete, oito dias, que depois quebram e retomam uns dias depois. Desta vez já há zonas do norte e centro que estão em onda de calor há 14 ou 15 dias e que hoje e amanhã vão continuar”, aponta Patrícia Gomes, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).
Estas situações de bloqueio são “tão velhas como a Sé de Braga” — os primeiros estudos de bloqueios são de 1950 –, diz Carlos da Câmara, e significam que os efeitos se vão acumulando. O que é anómalo é ficar tanto tempo parado. O motivo? “Temos o Mediterrâneo, e também o Atlântico, extremamente quente”, explica, acrescentando que essa temperatura tão elevada se deve às alterações climáticas. “A situação meteorológica é normalíssima. Os mecanismos são os mesmos, mas estão a atuar num background diferente”.
A situação de bloqueio não afeta só Portugal. “Basta olhar para o mapa e ver os fogos em Espanha, onde a situação é insustentável, em França, incêndios brutais, na Grécia, na Turquia e agora na Croácia”, sublinha.
Alguns especialistas em risco de incêndio, como Carlos da Câmara, já vinham a alertar para essa possibilidade. Numa entrevista à Renascença, a 2 de julho, indicava que 2025 poderia ser “um ano de fogos florestais graves”. Ao Observador, diz agora que as previsões do Centro Europeu, sobre um verão mais quente e seco do que o habitual, aliadas às temperaturas dos oceanos, que são muitíssimo lentos a arrefecer, e à primavera extremamente chuvosa que vivemos, que criou muita vegetação agora seca, já permitiam adivinhar um cenário preocupante.
O também professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa destaca que nunca viu intensidades tão grandes em incêndios. “Ontem à noite o incêndio de Piódão estava a chegar a 800 megawatts, o que é uma libertação de energia que era mais aceitável se fossem 16h da tarde. Às 22h é uma loucura”, aponta. “Há energias a serem libertadas da ordem de mil megawatts. Já trato estes dados há muitos anos e nunca me tinha acontecido usar quatro dígitos”, diz, lembrando o incêndio de 4 de Agosto em Vila Real que chegou aos 1052,3 MW.
Domingos Xavier Viegas, especialista em fogos florestais, disse à agência Lusa que, em termos meteorológicos, 2025 está “muito próximo” dos “piores anos” das últimas décadas, como os de 2003, 2005, 2017 — quando se registaram incêndios de Pedrogão Grande — e 2022. O professor jubilado da Universidade de Coimbra alertou para o elevado índice de secura.
Citando dados de um programa da Universidade de Coimbra de medição do teor de humidade dos combustíveis da floresta, que é realizado com uma amostragem na Lousã, com combustíveis representativos do centro e norte do país, Xavier Viegas salientou que o “teor de humidade para já dos combustíveis mortos é muito, muito baixo”. “Os dados que os meus colegas me facultaram indicam teores de humidade na ordem dos 4 ou 6%, que são valores que indicam um índice de perigo extremo. E os valores do teor de humidade dos arbustos” estão “entre os 5% mais baixos desde que temos registo há mais de 20 anos”, apontou.
Segundo o IPMA, o aviso de tempo quente vai continuar pelo menos até domingo, principalmente no interior e a região sul. No entanto, na sexta-feira e sábado já se vai notar que a temperatura no litoral, norte e centro pode descer. “Mas será só um pouco”, salienta Patrícia Gomes. “Se calhar nos locais que hoje registarem 35.ºC, no sábado estarão 29.ºC ou 30.ºC, portanto já se nota uma diferença”.
Patrícia Gomes nota também que, por oposição, a partir de sábado deverá registar-se uma subida de temperatura no Algarve. “Mesmo junto à faixa costeira algarvia poderemos ter previsão de valores entre os 35.ºC e os 38.ºC, que acabam por ser valores bastante elevados para uma praia”.
A partir de segunda-feira espera-se uma “descida significativa” da temperatura, com uma corrente mais de Norte, situação que poderá ajudar no combate aos incêndios que estão a afetar várias regiões do território. “Acaba por chegar até nós um ar menos quente. Esta massa de ar terá também um maior conteúdo em humidade que vai ajudar a ‘refrescar’ as temperaturas”, explica. “Vamos continuar com valores de 30ºC e muitos no interior do Alentejo, em alguns locais do interior centro e da região de Trás-os-Montes, mas já não serão valores da ordem de 40ºC”. Dia 18 também traz o fim das noites tropicais, que eventualmente podem manter-se apenas na zona do Algarve, que deverá registar uma descida menos significativa nos termómetros do que o resto do território.
O alerta partiu do Presidente da República. “É um dia particularmente preocupante. Pode apontar para uma situação muito propícia ao agravamento dos incêndios”, sublinhou Marcelo Rebelo de Sousa na quarta-feira, depois do encontro com Luís Montenegro. Garantiu, no entanto, que “haverá resposta adequada para esta situação verdadeiramente grave”.
Carlos da Câmara reconhece que “quinta, sexta, sábado e domingo vão ser uma série de dias muito complicados”. “Sexta-feira é um dia particularmente complicado, mas temos que olhar para isto em sequência”.
Focando-se exclusivamente nos parâmetros meteorológicos, o IPMA diz que tudo aponta para a manutenção da situação. “A nível de parâmetros meteorológicos, amanhã parece igual a hoje e a ontem. Não vemos assim nada que nos pareça que agrave a situação”, refere.
Carlos da Câmara salienta ainda que quando se fala sobre incêndios é preciso falar em prevenção. Por um lado, diminuir o número de ignições, que, destaca, não são apenas fruto de incendiários ou fatores climáticos. “O fogo na vida rural é utilizado para inúmeras atividades. Se estamos a usar uma máquina para roçar mato ou para cortar uma árvore, ela bate numa pedra, faz uma faísca. Há todo um conjunto de atividades humanas que levam a ignições”, alerta.
Mas isso não é suficiente, diz, lembrando que a paisagem rural mudou completamente e há atualmente menos terrenos cultivados, aliado a um desaparecimento da população no interior. “Há uma desarmonia entre uma meteorologia que tem efeitos mais gravosos devido às alterações climáticas, uma vegetação que não é compatível com o tipo de meteorologia que a envolve e comportamentos humanos que levam a ignições”, salienta.