Samanta Schweblin: as figuras quebradas da nossa existência

Título: O Bom Mal
Autor: Samanta Schweblin
Tradutor: Rita Graña
Editora: Elsinore
Páginas: 160
Preço: 17,85€

Passaram sete anos desde que a argentina Samanta Schweblin publicou um livro. Kentuchis, o seu segundo romance, foi publicado em 2018 (em Portugal, em 2019). Antes disso, tinha lançado, em 2015 (em Portugal, em 2020), Sete Casas Vazias, uma coletânia de contos sobre os limites do pessoal e do privado, tema também abordado em Kentuchis, uma reflexão inteligente e atual sobre a tecnologia. O novo livro, e o mais recente conjunto de histórias breves, O Bom Mal, publicado este ano, mantém o foco no privado, mas alarga o espectro para incluir outras paisagens e personagens, algumas reconhecíeis, outras estranhas. Os temas são o trauma, o remorso e a morte, e como é possível acomodá-los na vida que inevitavelmente continua.
O Bom Mal inclui seis contos, alguns dos quais — revela a autora — inspirados em factos reais. São quase todos breves e lêem-se de um folgo só, com exceção de “O olho na garganta” e “A mulher da Atlântida”, que ocupam uma parte substancial do volume. O primeiro fala sobre um menino que perde a voz após engolir uma pilha e conta como o seu silêncio afeta a sua família, em especial, o seu pai, que vive assombrado por um telefone que toca todas as noites; o segundo fala sobre outra tragédia familiar, a de uma irmã mais velha que morre afogada no mar selvagem de Atlântida ao tentar ajudar uma poeta que perdeu a inspiração.
Todas as histórias têm no seu cerne personagens que vivem esmagadas pelo peso de um incidente traumático, que aconteceu há muito tempo, mas que o tempo não apagou completamente. São figuras quebradas, que tentam encontrar sentido num mundo absurdo, por vezes surreal, onde existem animais-fantasmas e humanos fantasmagóricos. Apesar da predileção de Schweblin por personagens femininas, as vozes de O Bom Mal são variadas — são homens, mulheres, adultos, crianças, velhos. Toda a humanidade. A paisagem é muitas vezes argentina, às vezes europeia, mas sempre citadina, como é habitual nos livros da escritora.
Neste pequeno livro de contos, Schweblin revela a mestria com que domina o registo curto, criando “tensão e avidez” no leitor, como é referido na sinopse da editora portuguesa, a Elsinore. Contudo, para quem conhece os livros anteriores da autora, O Bom Mal tem um gosto agridoce. O conjunto de histórias é interessante, mas está longe de ser o melhor da escritora argentina. Falta-lhe a intensidade de livros como Sete Casas Vazias ou Kentuchis, brilhantes na forma como inquietam e interrogam, ao revelarem como os espaços sagrados da nossa intimidade podem ser facilmente invadidos. O leitor não encontrará nada disto em O Bom Mal — descobrirá apenas a tristeza e a mágoa que é carregada pelas personagens, cada uma delas assombrada pelos seus próprios fantasmas.