F1 vai voltar a Portugal? Os possíveis custos e o espaço (em falta) no calendário

Luís Montenegro anunciou, na Festa do Pontal, que Portugal vai “formalizar” o regresso da Fórmula 1 a Portugal, aoAutódromo Internacional do Algarve. A F1 esteve pela última vez no circuito de Portimão em 2021, numa altura em que o campeonato precisava de encher o calendário para combater os impedimentos da pandemia de covid-19.
A F1 tem, atualmente, 24 corridas por ano: dez na Europa, quatro na Península Arábica, seis no continente americano (com três só Estados Unidos da América), três na Ásia e uma na Oceania. E enquanto o número de corridas não deve aumentar, a lista de interessados em entrar no calendário tem crescido.
O responsável do Autódromo do Algarve, Miguel Praia, preferiu não comentar a hipótese à Autosport, publicação especializada de desportos motorizados. “Desde o tempo do nosso querido Paulo [Pinheiro] que mantemos a porta da F1 aberta. De momento, não podemos acrescentar mais”, afirmou.
Há espaço no calendário de F1?
Muito pouco. Os regulamentos ainda permitem chegar às 25 corridas, numa altura em que a F1 faz 24 Grandes Prémios por ano, mas atingir o número atual de corridas não foi pacífico. Sabendo disso, o atual chefe da Fórmula 1, Stefano Domenicali, disse recentemente à Auto Hebdo que “vamos ficar neste número, mas algumas corridas vão entrar em rotação”.
Com a F1 em crescimento, não faltam candidatos ao calendário: além de Portugal se estar a juntar à lista, pelo menos África do Sul, Nigéria, Ruanda, Tailândia, Turquia e Coreia do Sul querem entrar no mundo da F1. Aqui, as prioridades da F1 estão na Tailândia e numa corrida no continente africano.
Geograficamente, há outro desafio para a candidatura. A F1 já tem uma corrida em Espanha, no circuito nos arredores de Barcelona, e vai passar a ter outra em 2026, com a primeira corrida citadina em Madrid. O contrato de Barcelona termina em 2026, abrindo uma hipótese, mas a Fórmula 1 pode sentir que o mercado da Península Ibérica já está bem explorado. Uma renovação do contrato de Barcelona pode dar pistas ao que é possível a Portugal, dependendo dos termos revelados.
Rotação de corridas pode abrir espaço
A saída do GP dos Países Baixos depois de 2026 vai abrir espaço no calendário, mas a corrida em Imola (no quintal da Ferrari, no norte de Itália) — que caiu do calendário para a entrada de Madrid — quer voltar, apesar de isso parecer improvável. A melhor hipótese para Portugal parece ser o sistema de rotação entre corridas, que pode começar em 2028.
Esse é o primeiro ano em que o contrato de uma corrida atual, o do GP da Bélgica, deixa espaço para outra corrida assumir o lugar desse Grande Prémio no calendário — a Bélgica tem corridas asseguradas em 2026, 2027, 2029 e 2031. Se Barcelona desaparecer mesmo da F1, o Autódromo do Algarve poderia entrar na F1 em rotação com o circuito de Spa-Francorchamps e aparecer no calendário em 2028 e 2030.
Resumindo, com a Bélgica a já ter rotatividade prevista no contrato, há candidatos a encaixar nesses espaços: Barcelona, Azerbaijão e, talvez, Portugal.
A renovação dos contratos atuais, sem rotação, de Barcelona e Azerbaijão pode depender do quão cedo a F1 considera possível ter um Grande Prémio na Tailândia, ou num país africano, para ocupar esses espaços — o que empurraria essas corridas para um sistema de rotação.
Quanto custa ter uma corrida de F1?
Para ter uma corrida de F1 em Portugal, é preciso pagar à F1. No último ano em que se falou de um regresso da F1 a Portimão, estaria a negociar-se um contrato de 25 milhões de euros, segundo disse a presidente da câmara à SIC Notícias.
Os pagamentos dos promotores dos circuitos são uma das maiores fontes de receitas do campeonato: em 2024 renderam 999,4 milhões de dólares dos 3,4 mil milhões de receitas totais, de acordo com a Standard & Poors. Isso significa que, em média, cada corrida pagou, em 2024, 41,6 milhões de dólares pelo privilégio de estar no calendário da F1. Apesar de haver secretismo em torno dos valores dos contratos, sabe-se que nem todos pagam o mesmo.
O Mónaco será quem paga menos pela corrida — depois de décadas sem pagar, o valor é agora de 20 milhões por ano, segundo a CNBC. Na outra ponta da escala estão principalmente as corridas no Médio Oriente: a Arábia Saudita paga perto de 60 milhões de dólares por ano, tal como o Qatar. O Azerbaijão também está entre estes valores.
As corridas europeias estão, tendencialmente, entre as que menos pagam, não ultrapassando os 30 milhões de dólares por ano. O valor mais alto na Europa será o do Grande Prémio da Hungria, em torno dos 40 milhões anuais, enquanto a corrida de Barcelona pagava 25 milhões em 2023. Mas os contratos definem, habitualmente, aumentos anuais, tradicionalmente de 5%.
Como se cobrem estes custos? Os patrocínios visíveis em torno do circuito são geridos pela F1 e, por isso, receitas da própria F1, mas ainda há corridas com os seus próprios patrocinadores titulares (como Singapura), o que contribui para reduzir a fatura. Na falta desse investimento privado, apenas o interesse de governos paga os custos. Seguem-se as receitas de bilhetes, e possíveis concessões para a venda de alimentação.
Em 2020, Portugal terá pagado pouco ou nada à F1 pelo Grande Prémio, e pouco mais em 2021. Esses anos, em que a F1 precisava de corridas para compensar os impactos da covid-19, foram uma exceção.
O que está a favor do circuito do Algarve?
Há algo inegável: os pilotos gostam do Autódromo Internacional do Algarve.
“A pista é incrível. Demorou algumas voltas a entrar no ritmo porque as curvas são cegas, mas assim que entramos no ritmo, é muito bom”, disse Charles Leclerc em 2020. Pierre Gasly acrescentou que nas primeiras voltas sentiu “o estômago como se estivesse numa montanha-russa”.
“É muito desafiante, há muitas curvas cegas, alta velocidade, baixa velocidade, travagem combinada [com curva], portanto é bastante incomum”, continuou o francês.
Os elogios também eram seguidos por Lewis Hamilton, então ‘apenas’ com seis campeonatos do mundo e ainda na Mercedes. “Na saída da curva 8, está-se a olhar para o céu durante algum tempo e não se faz ideia do que está depois da colina. Na curva 11, não sabes onde estás e de repente estás na curva”, descreveu o então campeão em título.
A ondulação e desafio da pista é mesmo o maior ponto forte do Autódromo.
O que está contra o circuito do Algarve?
Um ponto contra o circuito é a falta de acessos. Para chegar ao circuito na Mexilhoeira Grande sem usar caminhos de terra, apenas existe o Caminho Municipal 1054 (CM1054), acessível na saída 3 da A22. A experiência de 2020, com longas filas, mostrou que esse acesso é insuficiente para o volume de pessoas de um dia de corrida — nem com autocarros a ir buscar adeptos às cidades nos arredores.
O circuito também não tem parques de estacionamento da dimensão necessária para acomodar todos os carros de adeptos — em 2020, recorreu a terrenos de terra batida nas imediações, além dos muitos carros estacionados pelas estradas. A queda de chuva algo forte, ainda que por pouco tempo, após a corrida, transformou os parques improvisados em lama, dificultando a saída de carros.