Aos 14 anos, saiu de casa atrás de um sonho. Agora, vai comandar startups em Aveiro
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O século 21 havia acabado de começar e a internet tentava recuperar o fôlego depois da explosão de uma bolha que apavorou o mundo da tecnologia. Era 2003, as redes sociais surgiam como promessas e a maior parte da população era mais analógica que digital. Os jovens iam com mais frequência às salas de cinema, assistiam a TV aberta e, em vez de smartphones, recorriam aos livros impressos para os trabalhos escolares.
Entre eles, havia um garoto curitibano que já dominava alguns idiomas, os quais aprendeu sozinho, e que preferia ir à biblioteca para ler do que assistir a uma partida de futebol em um estádio. Mas ele tinha um predicado a mais: já era apaixonado por tecnologia. Aos 14 anos, Kauan von Novack optou por sair de casa para empreendedor. “Foi uma decisão difícil, mas acertada”, diz ele.
Passados 22 anos, Kauan acredita que fez a escolha certa. E, já com uma trajetória consolidada, decidiu se impor um novo desafio: transformar o charmoso município de Aveiro, no Norte de Portugal, em uma das cidades europeias referências nos quesitos empreendedorismo e inovação. Para isso, está sendo criado um fundo de investimentos, com registro na Bolsa de Valores de Amsterdã, onde o brasileiro viveu por mais uma década, no valor de 20 milhões de euros para acelerar 200 startups até 2028.
Potencial do negócio
Kauan acredita no potencial do negócio. E recorre ao passado para reforçar o seu feeling. Quando deixou a casa dos país para se tornar empreendedor, passou a montar websites para comerciantes que já viam no mundo virtual uma forma de incrementar seus negócios. De início, cobrou R$ 5 mil (hoje, 800 euros) por trabalho.
“Esse valor surgiu por acaso, pois ainda não sabia precificar muito bem o meu trabalho. Só tive a real dimensão de quanto custava montar um website quando, num ponto de ônibus, um desconhecido viu o resultado do meu trabalho e me recomendou que eu cobrasse 10 vezes mais. Achei aquilo uma loucura, mas arrisquei”, conta.
Djan Vasconcelos
Assim que recebeu o primeiro pedido depois daquela conversa no ponto de ônibus, Kauan colocou R$ 50 mil (8 mil euros) na mesa de negociação com a empresa que deseja montar sua página digital na internet. “E deu certo. No dia em que recebi os R$ 50 mil, me senti rico”, diverte-se ele, que, hoje, aos 36 anos, é CEO da Startupbootcamp, uma das principais aceleradoras de startups da Europa.
Passada a euforia inicial, o jovem empreendedor percebeu o quando era importante manter os dois pés bem fincados no chão. “Não deixei que as circunstâncias fossem donas da minha vida. A decisão de sair de casa tão cedo foi a mais certa e, com a educação que meus pais me deram, pude me transformar na pessoa que sou hoje. Meus pais são e sempre foram pessoas maravilhosas”, destaca o empreendedor. Ele lembra que o pai, certa vez, leu algo sobre Bill Gates e decidiu: “Vamos ensinar o menino a mexer no computador”.
Cautela é fundamental
O brasileiro sabe que a vida não é tão generosa com todos. Por isso, recomenda muita cautela a quem quer empreender. Ele ressalta a importância de se combinar curiosidade, talento natural e criatividade para que um projeto não ganhe o carimbo da decepção. “Estudei e me preparei para fazer o melhor na área que escolhi. Muita coisa aprendi como autodidata, mas sempre ouvindo muito e me inspirando em referências de sucesso”, relata. Cinco anos após o grito de independência, Kauan já tinha 60 colaboradores trabalhando para ele em uma empresa.
Nos primeiros anos do brasileiro como empreendedor, ainda havia as listas telefônicas com páginas amarelas. Era ali que ele buscava potenciais clientes. “Marcava cada empresa com caneta, dava telefonemas e oferecia meus serviços. Como os websites e os softwares que haviam na praça não tinham os recursos de hoje, incrementava as minhas entregas. Assim, fui crescendo”, lembra.
Kauan ressalta que aquele empreendedor que estava nascendo não tinha nada a ver com o destino que os pais haviam pensado para ele: ser diplomata. Quando ele fez 12 anos (nessa idade, já lia Oscar Wilde), num encontro com Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba, ex-governador do Paraná e muito amigo da família, ouviu dele: “Você não tem que ser diplomata. Você tem que ser empreendedor. O que o Brasil precisa é de empreendedores”.
Hoje, o paranaense se considera “empreendedor de empreendedores”, pois ajuda empresas a crescerem. Graduado em administração, ele tem mestrado em inovação, empreendedorismo e liderança e doutorado em economia, expressa-se em português, inglês, espanhol, francês, italiano e alemão, já escreveu três livros e prepara um quarto, para lançar com o que chama de “capítulo Portugal”.
Vale do Silício
Aos 19 anos, Kauan vendeu a empresa que havia criado e rumou para o Vale do Silício, na Califórnia, Estados Unidos, onde estão instaladas empresas de alta tecnologia, como Google, Apple, Meta e Netflix. Nos cinco anos que passou lá, ele afirma que aprendeu a valorizar a simplicidade ante o esbanjamento com o qual se deparava diariamente. “Aprendi isso e sempre pergunto aos investidores de startups: você realmente precisa disso? Então vai e faz de maneira simples e eficiente”, assinala.
Uma outra virada na vida do brasileiro se deu aos 24 anos. “Fui chamado pelo Patrick de Zeeuw, CEO e cofundador da Startupbootcamp, meu mentor e melhor amigo. Ele me convidou para ir para a Holanda construir uma antítese do Vale do Silício, ou seja, um empreendimento com o DNA europeu. Foi quando nasceu o projeto da Startupbootcamp, em 2013, que atua em mais de 20 países e já ajudou mais de 1,7 mil empresas a crescerem”, diz.
Agora, em Portugal, quer repetir um pouco da história que viveu na Holanda. Segundo a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), o país tem, atualmente, 4.719 startups. Kauan acredita que, por meio do projeto Acelera Portugal, ajudará a incrementar esse número com empresas brasileiras e portuguesas. A meta é estender, ao longo do tempo, o projeto para Porto e Lisboa.
“Vejo, em Aveiro, as mesmas condições que notei em Amsterdã, 12 anos atrás, para construir esse projeto. Hoje, Amsterdã é a segunda cidade da Europa em empreendedorismo e inovação. Quando lá cheguei, estava em 9º lugar. Aveiro é uma cidade boa de viver, tem gente aberta, polos tecnológicos próximos, qualidade de vida e um setor industrial que pode trabalhar com as startups”, acrescenta o brasileiro.
