Amamentar sob suspeita: o retrocesso de uma medida sem coração


Há decisões políticas que, sinceramente, parecem desenhadas num gabinete onde nunca se ouviu o choro de um recém-nascido, nem se sentiu o cansaço doce (e exausto) de uma mãe com um bebé ao colo. A recente proposta do Governo para exigir um atestado médico logo no início da amamentação é uma dessas decisões que soa a retrocesso. “Um recuo legal”, como já foi dito pela Ordem dos Médicos, mas sobretudo um recuo ético, social e humano.
Amamentar é um gesto profundamente íntimo, físico e emocional. Reduzi-lo à burocracia de um papel carimbado por um médico é transformá-lo num ato a ser justificado, autorizado, quase suspeito. É impor à mãe uma carga que não é dela: a de provar o evidente, como se o vínculo com o seu bebé fosse algo que se valida por via administrativa.
Mas mais do que isso, é também excluir tantas outras mães e pais que, mesmo não amamentando, precisam igualmente desse tempo de conexão, de presença e de vinculação com os seus filhos. O cuidado não tem uma forma única. E o direito a estar com um bebé pequeno devia ser universal, porque é nesse tempo partilhado que se constrói a segurança emocional que nenhuma lei ou produtividade poderá substituir.
Cuidar do nosso bebé devia ser um direito e não um privilégio.
Num país que tanto gosta de afirmar que as crianças são o futuro, é contraditório que se legisle como se a infância fosse um incomodo, como se o tempo com um filho fosse tempo perdido. Como se amamentar, oferecer colo e cuidar fossem tarefas secundárias. A infância não se repete.
Pedir mais burocracia às mães, num momento em que tantas estão frágeis, exaustas, a adaptar-se a uma nova realidade, é desumano. E não resolve nada. Só aumenta o stress, só reforça desigualdades, só afasta as mulheres do que verdadeiramente importa: estar com os seus filhos.
Se é para regulamentar, que seja no sentido de cuidar. Que se pense numa medida verdadeiramente universal, sem necessidade de provas, atestados ou justificações. Por exemplo, uma redução de horário para todas as mães e pais nos primeiros dois anos de vida dos seus filhos. Porque apoiar a parentalidade e consequentemente a natalidade é investir no futuro das famílias e do país.
Se queremos mesmo uma sociedade mais justa, mais humana e mais saudável, temos de começar por proteger o tempo da infância, com empatia, visão e coragem. E isso não se faz com papéis. Porque o amor não cabe num formulário!