Laboratórios de análises propõem rede a funcionar à noite e fins de semana para aliviar urgências hospitalares


A associação que representa os laboratórios clínicos a funcionar em Portugal propõe a criação de uma rede de pontos de análises clínicas abertos em horário alargado (à noite e fins de semana) que permita dar resposta às congestionadas urgências dos hospitais — onde os utentes chegam a esperar várias horas pelos resultados das análises. O projeto, denominado “Laboratório de Serviço” — que vai ainda ser analisado pelo Ministério da Saúde —, poderá funcionar em zonas do país muito pressionadas pela afluência às urgências, como a zona envolvente do Hospital Amadora-Sintra, disse ao Observador o diretor-geral da Associação Nacional dos Laboratórios Clínicos (ANL), Nuno Marques.
“Muitas vezes, as pessoas ficam horas numa urgência à espera de uma análise, para saber o que vai ser necessário fazerem. Com este projeto, queremos descongestionar as urgências e reforçar a resiliência do Sistema Nacional de Saúde em situações de emergência”, diz Nuno Marques.
Inspirado no modelo das farmácias de serviço , o projeto visa criar uma rede rotativa de laboratórios convencionados com gestão de escalas. Estes laboratórios estarão integrados no sistema “Exames Sem Papel” e articulados com os centros de saúde e hospitais do SNS, permitindo assim a realização de análises clínicas por utentes com prescrição, mesmo fora do horário habitual.
“É uma solução prática, acessível e eficiente, sem necessidade de novos investimentos públicos em termos de infraestrutura. É um projeto de utilidade pública com potencial para transformar a resposta assistencial e de saúde pública em Portugal”, diz o diretor-geral da ANL, associação que representa 98% dos cerca de 3300 laboratório de análises clínicas de Portugal.
Se receber luz verde da tutela, o projeto vai permitir que um utente possa “fazer as análises perto de casa, numa lógica de proximidade”, sendo os resultados encaminhados de imediato para o hospital, o que permitirá diminuir, em muitos casos, o tempo de espera nas urgências. “Há pessoas que ficam noites inteiras à espera, porque não há serviços disponíveis ou então estão à espera do médico para fazer o relatório”, sublinha Nuno Marques, acrescentando que, em muitas unidades hospitalares do SNS, escasseiam os técnicos de diagnóstico e terapêutica, responsáveis pela análises clínicas.
A ANL propõe que o alargamento do horário dos pontos de análises clínicas seja, numa primeira fase, testado num projeto-piloto, em área geográfica a definir com o Ministério da Saúde, e de modo a avaliar o impacto do modelo em indicadores como a realização de análises fora do horário regular ou a redução da afluência às urgências. No entanto, Nuno Marques adianta que a associação vai propor que o projeto seja implementado em “grandes centros urbanos”, onde a conjugação de uma grande afluência às urgências e a maior falta de recursos humanos nos hospitais provocam maiores tempos de espera. Uma das hipóteses, diz o responsável, é a zona envolvente do Hospital Fernando Fonseca (mais conhecido por Amadora-Sintra), onde o tempo de espera para doentes triados com pulseira amarela — e considerados urgentes — chega a ultrapassar as 30 horas durante o inverno.
Em 2024, os laboratórios convencionados da ANL (entre os quais estão empresas como a Unilabs, Germano de Sousa, Affidea ou Synlab) realizaram 101 milhões de atos, dos quais 54,7 milhões para o SNS.
O presidente da associação que representa os laboratórios de análises clínicas assegura que, a ser aceite, o projeto “Laboratório de Serviço” não resultaria em custos acrescidos para o Estado, uma vez que, diz Nuno Marques, o “SNS paga menos ao setor convencionado do que paga às próprias unidades do SNS” pelos mesmos atos. “As tabelas de atos convencionados são 50% abaixo do valor de mercado“, sublinha. O responsável cita, aliás, um estudo de uma consultora que diz ter concluído que “compensa externalizar as análises [contratar a entidades externas] e que não há racional na internalização das análises”, uma posição não consensual dentro do SNS. Mas relativamente ao custo do projeto em si, Nuno Marques não avança valores.
Nuno Marques realça os benefícios da externalização destes serviços mesmo fora do contexto das urgências hospitalares, e sobretudo nas zonas do interior país onde as populações vivem longe do hospital mais próximo e são obrigadas a percorrer grandes distâncias para realizar análises na unidade hospitalar onde estão a ser seguidas. “Há Unidades Locais de Saúde onde se pode ficar várias semanas à espera. E no Alentejo, às vezes as pessoas têm fazer 50 quilómetros para cada lado para fazer uma análise”, diz o presidente da ANL, um problema que poderia ser solucionado, defende, com a entrega do serviço de análises à rede dos convencionados, que têm postos de recolha de sangue mais próximos das populações.
Nuno Marques pede, no entanto, a revisão das tabelas de atos convencionados, que, diz, não foram alvo de atualização nos últimos 16 anos e que não refletem o valor real dos atos praticados.
Quanto ao projeto “Laboratório de Serviço”, que prevê a abertura de laboratórios à noite e aos dias não úteis para aliviar as urgências, o presidente da ANL adianta que já enviou a proposta a várias entidades do setor da saúde. Questionado sobre se existe abertura para colocar o projeto no terreno, o Ministério da Saúde diz apenas ao Observador que este “será oportunamente analisado”.