Boaventura de Sousa Santos abandona ações cíveis e opta por processo-crime por difamação contra as 13 mulheres que o acusam de assédio


O sociólogo Boaventura de Sousa Santos vai desistir das ações cíveis que interpôs contra um grupo de 13 mulheres, investigadoras e antigas estudantes do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, optando por um processo-crime por difamação.
Recorde-se que, em setembro de 2024, Boaventura de Sousa Santos intentou uma ação cível para tutela da personalidade, com a qual procura assegurar a proteção do seu bom nome e honra, face a acusações desse grupo de mulheres. O julgamento teve início em novembro, mas continua por terminar.
Assédio. Boaventura de Sousa Santos intenta ação cível para proteção da honra
“Esperei, com a ação de tutela da personalidade, uma decisão rápida que permitisse, de alguma forma, limpar o meu nome. Mas percebo agora, quase um ano depois de instaurar a ação, que essas sentenças não produzirão qualquer efeito útil no meu bom nome. O mal está feito e é irreversível, e, por isso, comuniquei hoje, aos meus advogados, a minha decisão de abandonar as ações cíveis”, referiu.
“Durante dois anos, o denunciante foi condenado sem julgamento (nem sequer sumaríssimo), sem sequer conhecer alguma vez uma única denúncia efetuada contra si depois de 2024. A conduta das denunciadas destruiu, irremediavelmente, uma reputação que levou mais de seis décadas a construir”, lê-se na queixa-crime a que agência Lusa teve acesso.
A queixa-crime contra as 13 académicas, cujo comportamento acredita configurar os crimes de difamação, com publicidade e calúnia, deu entrada no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Coimbra em 8 de abril. Na mesma, é frisado que, até 2024, não foi feita qualquer denúncia nas instituições onde o grupo das 13 académicas estudavam ou lecionavam, nem “junto das entidades que financiavam as suas bolsas, na comunicação social ou nas redes sociais”.
“Nem uma denúncia anónima houve”, evidenciou, acrescentando ainda que algumas das denunciadas, “as que de mais perto conviveram com o denunciante”, construíram a sua carreira académica “à sombra do denunciante e do seu prestígio”
Três investigadoras que passaram pelo CES denunciaram situações de assédio num capítulo do livro intitulado “Má conduta sexual na Academia – Para uma Ética de Cuidado na Universidade”, o que levou a que os investigadores Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins acabassem suspensos de todos os cargos que ocupavam no CES, em abril de 2023 — o investigador acabaria mesmo por demitir-se da instituição em novembro de 2024, acusando-a de “linchamento”.
Boaventura de Sousa Santos demite-se do CES e acusa instituição de tentativa de “linchamento”
O CES acabou por criar, uns meses depois, uma comissão independente para averiguar as denúncias, tendo divulgado o seu relatório quase um ano depois, em 13 de março de 2024, que confirmou a existência de padrões de conduta de abuso de poder e assédio, por parte de pessoas em posições hierarquicamente superiores, sem especificar nomes.
Uma semana depois, um grupo de 13 mulheres instou, num documento assinado por todas, as autoridades judiciárias portuguesas a investigarem com urgência as alegadas condutas criminosas mencionadas no relatório.
“Enquanto o denunciante lhes foi útil para concorrerem a bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, para integrarem movimentos sociais, para enriquecerem o seu currículo, para subirem na hierarquia do CES, para integrarem projetos de investigação nacionais ou internacionais todas o elogiavam e demonstravam carinho por ele”.
No documento a que a Lusa teve acesso é ainda indicado que quando Boaventura deixou de lhes ser útil, “todas se associaram como coletivo para o difamar”.
“Todas têm consciência da respetiva motivação que, obviamente, foi instrumentalizada para sanear o denunciante. A conduta cúmplice, e ativamente impeditiva do exercício eficaz do direito de defesa do denunciante por parte dos responsáveis do CES, indicia a determinação séria e dolosa de sanear o denunciante”.
Na queixa-crime, Boaventura pede a responsabilização criminal das 13 mulheres, afirmando que a sua reputação internacional e o trabalho desenvolvido foram atingidos de forma irreparável.
“É manifesta a repercussão internacional que a agressão das denunciadas provocou e alcançou. A imagem, honra, prestígio do denunciante viram-se destruídos, violentamente abalados, senão mesmo aniquilados. Crê, por isso, o denunciante que a via da tutela da personalidade já não acautela os seus direitos, devendo as condutas das denunciadas ser punidas criminalmente”, concluiu.
Numa publicação feita num dos seus websites, com data de 15 de agosto, Boaventura recordou alguns aspetos da ação especial de tutela da personalidade que instaurou contra as denunciantes que residem em Portugal.
“O processo em causa tem em vista, como o nome indica, a proteção de direitos da personalidade, como é o direito ao (bom) nome, que foi premeditadamente atacado na sequência da publicação de uma carta, enviada aos órgãos de comunicação social, CES, Ministério Público e várias universidades com as quais colaborava, pelas mulheres que identifico neste texto. Ao contrário do expectável, essa ação ainda não terminou”, lamentou.
Segundo o investigador, no julgamento que arrancou em novembro de 2024, ainda não foi produzida metade da prova testemunhal.
“Estranhamente, todos os depoimentos das minhas testemunhas não ficaram audíveis por um alegado problema na gravação (que não existiu quando foram ouvidas as assinantes da carta), estando o Tribunal há vários meses a tentar recuperar as gravações. Caso não o consiga, terão de ser repetidos os depoimentos”, indicou.
Numa fase inicial do processo, Boaventura de Sousa Santos tentou que o Tribunal impedisse que as quatro rés fizessem declarações contra si, até que fosse proferida a decisão final.
“Em vão. Nessa sequência, as quatro rés, bem como algumas das estrangeiras contra as quais também instaurei um processo de tutela da personalidade (que deu entrada mais tarde) deram uma entrevista ao canal ‘Now’, acusando-me de vários tipos de assédio”, acrescentou.
Apesar de desistir das ações cíveis, o investigador diz que não pode deixar impunes os que “causaram este mal”.
“Não sendo possível a tutela do meu nome, não me resta alternativa que não seja a punitiva. Por isso, informo que, ao contrário do que era minha vontade há um ano, instaurei um processo criminal contra todas as assinantes da carta”, alegou.
Na publicação, informou ainda que três dessas mulheres decidiram também agir criminalmente contra si, depois de ter apresentado a sua queixa.
“Estou plenamente convicto que o fizeram para tentar pressionar-me a desistir da queixa que apresentei contra elas ou para tentar tirar força à minha queixa: uma comum tática processual habitual dos que não têm a razão do seu lado. Estou convicto disto, porque não me acusam de assédio (como fizeram publicamente), mas de difamação”, concluiu.
Recorde-se que Boaventura de Sousa Santos cancelou uma presença num seminário em São Paulo marcada para 25 de agosto após críticas do corpo estudantil devido às queixas de assédio de que é alvo. A participação do sociólogo foi cancelada, alegadamente, devido a problemas de saúde.