“Esta encosta é o sono da morte”. O dia em que Alvoco passou a ver apenas cinzas


O calor ainda é muito, mas o ruído dos dois helicópteros que não largam esta montanha vão controlando os pontos a vermelho e parecem estar a circunscrever o fogo ao topo da encosta. Na cortada que dá para o bar da praia fluvial, já se começa a respirar de alívio e o alcatrão serve de banco a cerca de uma dezena de pessoas. Por aqui, o tom é quase de balanço.
“É difícil confiar nas autoridades, nada muda. Acho que este é um bem de todos nós – a paisagem, os animais que já perdemos. E o que fomos sentindo é muita impotência. Vimos o fogo e não pudemos intervir”, dizia António Cruz, numa altura em que os meios aéreos já não se ouviam há cerca de meia hora.
Para José Serra, nada do que aconteceu nas últimas horas vai mudar o rumo da defesa da floresta daqui para a frente. “O que interessa é arder”, contava à Renascença, adicionando ainda outra razão para dificultar o combate às chamas. “Agora não há malta nova aqui, antes havia. Quem é que vai para lá? Vou eu com 77 anos?”.
São 16h30. O vento começa a soprar forte e os olhos voltam a ficar postos na ladeira.
Meio da tarde. O descontrolo
As chamas foram obedientes e responderam ao assobio do vento. Às 17h30, já o céu é uma enorme nuvem de fumo que, ora tapa a encosta, ora revela as longas manchas de pinhal a serem consumidas por um fogo que assusta pelo tamanho e também pelo som da madeira a queimar. Bastaram cinco minutos para se instalar um cenário onde ninguém fica mais do que dois tempos no mesmo lugar.
“A Quinta da Tapada já está a arder. Ai, meu Deus”, grita uma moradora, a fugir disparada de carro com o neto. “Mas onde é que estão os bombeiros? Eu não sei se o rio trava isto”, diz outro freguês, que veio a correr da praia fluvial, ainda a pingar. “Já está a arder do lado de cá, olha ali aquela projeção”, avisa um emigrante vindo de França.