Monumentos apagados, jantares à luz das velas e o desespero no aeroporto. A noite do apagão em Lisboa

Uma família janta à (pouca) luz das velas, em Lisboa. Nas ruas da capital, só a luz dos faróis dos carros e dos autocarros iluminava o caminho ao início da noite. O cavalo de D. José I guardava uma Praça do Comércio imersa na escuridão. O Mosteiro dos Jerónimos confundia-se com a noite.

Em contraste com o breu das ruas, no aeroporto Humberto Delgado, um pequeno oásis de luz, centenas de pessoas acampavam nos corredores à espera de um voo: desde as 14h00 que praticamente nenhum ali chegou ou partiu.

Com o avançar da noite, alguma normalidade foi sendo reposta. Pela meia-noite, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, adiantou que estaria assegurado o fornecimento de energia a cerca de 80% da população.

Montenegro: “Fizemos tudo o que podíamos para gerir esta crise”

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, diz que o país “fez tudo o que podia” para gerir o apagão desta segunda-feira, que deixou grande parte dos portugueses sem eletricidade.

Numa visita à Maternidade Alfredo da Costa, durante a noite, o chefe de Governo garantiu que 80% da população já tem luz em casa e que o Executivo voltará a reunir-se em Conselho de Ministros na manhã desta terça-feira, para analisar a situação do restabelecimento da energia elétrica.

“Temos de tirar todos os ensinamentos, do ponto de vista da gestão da rede, mas também dos planos de emergência e contingência. Fizemos tudo o que podíamos para gerir esta crise, do ponto de vista dos serviços essenciais, da coordenação de todas as forças do terreno, de todas as autoridades e de todos os sistemas mais delicados”, considera Montenegro.

O primeiro-ministro voltou a pedir contenção no consumo e, questionado sobre as falhas que ocorreram em termos de comunicações, indicou que o objetivo é que todas as casas tenham luz.

“Estamos a tentar fazer com que, o mais rapidamente possível, todas as casas portuguesas tenham acesso ao fornecimento de energia“, apontou.

Sobre críticas à gestão da crise, Montenegro indicou que quem as faz não sabe o que realmente aconteceu durante o dia.

“Às vezes, algumas pessoas que intervêm na esfera pública parece que desconhecem o dia que hoje passámos. Estivemos quase todos, ou todos mesmo, inibidos de comunicar durante um período alargado. Isto é uma situação que transforma as nossas rotinas, nomeadamente aqueles que têm grandes responsabilidades, como são os que prestam cuidados de saúde, com um agravamento das suas dificuldades”, afirmou.

A reunião do Conselho de Ministros acontece esta terça feiras às 11h30.

Apagão: Carlos Moedas admite que situação não estará normalizada na terça-feira

O presidente da Câmara de Lisboa admitiu esta segunda-feira que, apesar de a eletricidade estar a ser gradualmente reposta na capital, a situação não deverá estar normalizada na terça-feira, pelo que pede calma e que se evitem deslocações desnecessárias.

“Tenho muitas dúvidas que amanhã [terça-feira] de manhã já estejamos numa situação de normalidade”, disse Carlos Moedas em declarações à estação de televisão Sic Notícias pelas 22:30.

A essa hora ainda estavam mais zonas de Lisboa “sem luz do que com”, indicou o presidente, sem especificar quais as zonas.

Afirmando que este foi “o dia mais difícil como presidente” por haver falta de informação, o autarca aconselhou os lisboetas a “não fazerem deslocações que possa evitar”.

Questionado sobre a abertura das escolas, Carlos Moedas remeteu a decisão para os agrupamentos escolares, mas reiterou que a situação não deve estar normalizada na terça-feira de manhã, pelo que se devem evitar deslocações desnecessárias.

“Vivemos algo que nunca tínhamos vivido. A luz está a ser reposta muito devagar para não haver mais problemas. A cidade está a voltar à normalidade. Peço calma, serenidade e evitar algumas deslocações”, afirmou.

O presidente da Câmara de Lisboa disse ainda que todos os recursos da autarquia estiveram hoje na rua, nomeadamente Polícia Municipal, Proteção Civil Municipal e o Regimento dos Sapadores Bombeiros, que socorreu mais de 30 ocorrências de pessoas presas em elevadores.

Mas a situação “mais difícil” aconteceu quando começou a receber pedidos de ajuda de vários hospitais que precisavam de gasóleo para os geradores, tendo a autarquia ido buscar combustível aos serviços de higiene urbana.

Quanto ao caos que se verificou no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, onde centenas de voos foram cancelados e milhares de pessoas se concentraram no exterior do edifício, Carlos Moedas disse que, “excecionalmente”, concorda com a solução encontrada de se realizarem voos noturnos.

Frisando que é contra voos noturnos, o autarca justificou que a situação dos milhares de passageiros tem de ser regularizada, pelo que os voos noturnos “são necessários”.

Um corte generalizado no abastecimento elétrico afetou hoje, desde as 11:30 de Lisboa, Portugal e Espanha, sem que as autoridades tenham uma explicação.

Aeroportos e estabelecimentos escolares fechados, filas em estabelecimentos comerciais, congestionamento nos transportes e no trânsito nas grandes cidades foram algumas das consequências.

O restabelecimento de energia tem acontecido de forma gradual.

Até cerca das 22:30, a E Redes informou que tinha sido restabelecida a eletricidade em quatro milhões de casas.

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CDU do futuro chanceler alemão aprova acordo de coligação com o SPD

A União Democrata-Cristã (CDU), do futuro chanceler alemão Friedrich Merz, aprovou nesta segunda-feira o acordo de coligação com o Partido Social-Democrata (SDP) no que foi designado um “pequeno congresso” do partido.

Mas ainda falta a aprovação da parte do SPD, que submeteu o acordo à votação dos 358 mil militantes, que vai decorrer até à noite de terça-feira e cujo resultado será conhecido na quarta-feira.

A União Social-Cristã (CSU), da Baviera, partido irmão da CDU, com que forma um grupo parlamentar conjunto, já tinha dado a sua aprovação ao acordo.

Líder conservador sublinha que acordo de coligação para novo governo alemão vai “unir o país”

A CDU/CSU também já divulgou a lista de ministros para o futuro governo, o que o SPD só deve fazer em 05 de maio.

A CDU vai ficar com os Ministérios da Economia, Negócios Estrangeiros, Educação e Família, Saúde, Transportes e Assuntos Digitais.

À CSU vão caber os do Interior, da Investigação, Tecnologia e Espaço e, ainda, o da Agricultura.

A lista ministerial motivou críticas a Merz oriundas do partido.

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A Organização dos Trabalhadores Democratas-Cristãos (CDA) queixou-se de não ter representação direta no governo.

“Um Governo federal sem representação da CDA é algo que só se viu quando a CDU esteva na oposição”, disse o presidente da organização, Dennis Radke.

Radke avisou que a perda da componente social levou a CDU a ser considerada como um partido que não representa os interesses dos trabalhadores.

O estado da Baixa Saxónia também não vai ter representação no Executivo, o que gerou igualmente descontentamento entre os dirigentes.

Já o texto do acordo da coligação e o acordo anterior com o SPD e os Verdes, que levou a uma reforma constitucional que alivia o dito travão à divida para reforçar o gasto em Defesa e criar um fundo especial para investimentos em infraestruturas, tinha criado algum descontentamento interno entre os setores da CDU defensores da austeridade orçamental.

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Merz voltou a defender esta mudança, que para mais representa uma mudança em relação ao que disse durante a campanha eleitoral, aludindo à situação na Europa, à guerra na Ucrânia e ao arrefecimento das relações com os EUA.

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Disse ainda que o futuro governo está obrigado a ter êxito.

“Sabemos que temos a obrigação de ter êxito na Alemanha, na Europa e no mundo. Êxito para a economia, a sociedade no nosso país e para o centro democrático”, disse.

Legislativas. Porta-voz do Livre considera essencial que a Europa tenha rede energética menos dependente

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O porta-voz do Livre disse nesta segunda-feira que a segurança na Europa deve ser levada a sério, considerando essencial a existência de uma rede energética menos dependente das grandes empresas e das grandes distribuidoras.

Rui Tavares falava nesta segunda-feira junto da Autoeuropa, depois de uma reunião com os trabalhadores que acabou por ser interrompida devido a uma falha de eletricidade que afetou, a partir das 11h30, várias cidades de norte a sul do país.

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“Para o Livre são essenciais a segurança europeia e a segurança energética com uma rede energética mais distribuída, mais descentralizada e menos dependente das grandes empresas. Por isso temos como proposta a criação de comunidades de energia com espaços nos bairros, vilas e cidades muitas vezes centralizados nas escolas”, disse.

Pela dimensão do que aconteceu nesta segunda-feira, adiantou, teremos oportunidade de falar desta nossa proposta durante os debates para as eleições legislativas.

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Relativamente à Autoeuropa, Rui Tavares disse que a comissão de trabalhadores da empresa explicou que se a fábrica estivesse em laboração plena, que não é o caso porque está numa pausa programada, por cada minuto parada seriam muitos milhares de euros que se perderiam.

“Um acontecimento como o de hoje [segunda-feira] mete em alto relevo a importância de ter a listagem de infraestruturas críticas feita e bem protegidas com planos B e C para este tipo de eventos”, frisou.

Na reunião desta segunda-feira com os trabalhadores da empresa, explicou, foi abordada a questão da guerra comercial de Trump, tendo ficado descansado por saber que na verdade a Autoeuropa não é muito afetada uma vez que não exporta para o mercado norte-americano mas sim e principalmente para os mercados europeus.

Água, enlatados e velas. Supermercados confirmam “afluência muito grande” com o apagão

O dia de apagão levou ao fecho de alguns supermercados e também a uma corrida aos estabelecimentos que mantiveram as portas abertas, tendo aumentado a procura por determinados produtos, tais como enlatados, água e até velas para iluminação.

Em declarações à Renascença, Gonçalo Lobo Xavier, Director Geral da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), confirma uma afluência maior de clientes.

“Houve, de facto, uma afluência muito grande e uma procura de alguns produtos que, momentaneamente, desapareceram das prateleiras. Água, enlatados, velas e outro tipo de produtos. Estamos em condições de dizer que não houve nenhuma situação que pudesse pôr em causa a nossa responsabilidade enquanto retalhistas”, afirma.

O responsável faz um paralelismo com o tempo da pandemia e garante que não houve rutura de stocks.

“Convém lembrar sempre que o que aconteceu há cinco anos, na pandemia. Nunca houve rutura de produtos, como também não houve no dia de hoje. O que há é a necessidade de repor rapidamente a uma velocidade que não foi a que desejaríamos porque nem sempre é possível responder a um fluxo de consumo tão repentino”, declara.

Para esta terça-feira, o responsável perspetiva o que se diz ser uma “certa normalidade”, com a expetativa de que a energia seja reposta, durante a noite, nos principais centros urbanos.

“Estamos a preparar-nos para abrir dentro de uma certa normalidade, com reposição de produtos. A cadeia de distribuição está a trabalhar. Estamos a receber produtos nas lojas estão, vamos receber mais produtos de manhã e eu diria que durante o dia iremos ter um procedimento mais normalizado, face a esta emergência que tivemos”, aponta.

Apesar da correria ao supermercado e apesar dos constrangimentos, Gonçalo Lobo Xavier diz que “foi dada uma resposta à altura”, por parte do setor.

Sánchez diz que não descarta qualquer hipótese para causa de desaparecimento inédito de energia

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O primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sánchez, disse nesta segunda-feira que não está descartada nenhuma hipótese para explicar o apagão elétrico na Península Ibérica, um “desaparecimento súbito”, em “apenas cinco segundos”, de 15 gigawatts de produção.

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“Nunca tinha acontecido uma queda a zero do sistema”, disse Sánchez, numa declaração ao país em Madrid, após a segunda reunião do dia do Conselho Nacional de Segurança de Espanha.

“Estão a analisar-se todas as causas potenciais sem descartar qualquer hipótese, acrescentou.

Portugal já ficou às escuras por causa de uma cegonha e de um incêndio em França

O líder do governo espanhol revelou que, segundo explicaram os técnicos e peritos da rede elétrica espanhola, 15 gigawatts de geração “perderam-se subitamente do sistema, em apenas cinco segundos, algo que nunca tinha acontecido”.

Segundo explicou, para dar uma dimensão do ocorrido, 15 gigawatts de geração correspondem aproximadamente a 60% da procura de eletricidade total no país à hora do apagão (12h33 locais, 11h33 em Lisboa).

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“O que provocou este desaparecimento súbito do abastecimento” é algo que os especialistas ainda não conseguem explicar, acrescentou.

Segundo Sánchez, perto de 50% do abastecimento de eletricidade em Espanha foi já reposto e a expectativa é que seja recuperado em todo o território ao longo das próximas horas, embora não seja possível avançar neste momento quando será reposta totalmente a normalidade no país.

Apagão: Cerca de 80% da população com fornecimento de eletricidade, garante Luís Montenegro

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O primeiro-ministro, Luís Montenegro, adiantou na segunda-feira à noite que está assegurado o fornecimento de energia a cerca de 80% da população, após o apagão em larga escala que afetou a Península Ibérica.

“Estará mais ou menos assegurada uma taxa de fornecimento a cerca de 80% da população”, frisou Luís Montenegro aos jornalistas, à saída de uma visita à Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa.

O governante apelou à população que ainda não têm energia elétrica nas suas casas a manterem a tranquilidade, destacando que “não faltará muito tempo” para verem a situação normalizada.

“Aos outros que estão com a situação normalizada, devem moderar os consumos, de maneira a não provocarmos nas próximas horas alguma oscilação que possa perturbar fornecimento de energia elétrica”, acrescentou.

Montenegro: “80 por cento da população já tem eletricidade”

Luís Montenegro frisou que ainda não estava em condições de dizer que a situação está completamente restabelecida: “Temos que recuperar a normalidade com sentido de responsabilidade”.

O chefe do Governo adiantou que o Conselho de Ministros terá nova reunião hoje (terça-feira) pelas 11h30, para nova atualização da situação.

O primeiro-ministro visitou a Maternidade Alfredo da Costa, numa reunião com os responsáveis para “ouvir de viva voz as reflexões que as pessoas tiraram no terreno”, apontando para “alguma dificuldade acrescida no reabastecimento de alguns geradores em alguns hospitais”, incluindo nesta maternidade.

“Tudo se resolveu de acordo com aquilo que estava a ser monitorizado com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), com a coloração das forças de segurança”, garantiu.

Questionado sobre constrangimentos registados nas comunicações do INEM devido ao “apagão”, Luís Montenegro frisou que o Governo ainda está a “apurar exatamente o que aconteceu”.

“É provável que terá havido um período com maior dificuldade nas comunicações, não tenho ainda conclusões sobre tudo o que aconteceu, mas será certamente alvo de aprofundamento, vamos tirar todas as concussões do que correu bem e menos bem”, sublinhou.

“Algumas pessoas que intervêm na esfera pública parece que desconhecem aquilo que foi o dia que passamos. Estivemos quase todos ou todos mesmo inibidos de comunicar por um período alargado, é uma situação que transforma as nossas rotinas, nomeadamente aqueles que têm grandes responsabilidades, os que prestam cuidados de saúde”, acrescentou.

Compras de supermercado às escuras, filas para os transportes públicos e caos no trânsito. As imagens do apagão em Portugal e Espanha

Sobre a reabertura das escolas, Montenegro apontou que da parte do Governo há o entendimento que estão “criadas as condições” para que o dia de terça-feira decorra com normalidade.

Mas lembrou que “há responsabilidades que dependem também das autarquias” e “decisões que competem às próprias escolas”, destacando que cada caso terá que ser avaliado.

A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, esteve durante toda a tarde de segunda-feira na sala de situação do INEM no Porto, onde acompanhou a situação do apagão e esteve sempre em contacto com as Unidades Locais de Saúde (ULS) e outras Unidades de Saúde, de acordo com uma nota do Ministério da Saúde enviada na segunda-feira à noite à Lusa.

Um corte generalizado no abastecimento elétrico afetou hoje, desde as 11h30, Portugal e Espanha, que continua sem ter explicação por parte das autoridades.

Aeroportos fechados, congestionamento nos transportes e no trânsito nas grandes cidades foram algumas das consequências do “apagão”.

O restabelecimento de energia aconteceu de forma gradual ao longo do dia, começando pela zona centro do país.

O operador de rede de distribuição de eletricidade E-Redes informou que até às 00h00 de hoje estavam ligadas parcialmente 424 subestações, alimentando cerca de 6,2 milhões de clientes, mas não consegue prever a reposição integral.

Última e decisiva jornada da Liga Revelação adiada para quarta-feira

Devido ao apagão

A 14.ª e última jornada da fase de apuramento da Liga Revelação, decisiva para a atribuição do título a Torreense ou Famalicão, foi adiada de terça para quarta-feira, devido ao apagão energético, anunciou hoje a organização.

Em comunicado, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) decidiu adiar os oitos jogos da derradeira jornada da sexta edição da competição para jogadores sub-23, justificando-a com os “constrangimentos causados pela interrupção de eletricidade no país”.

Após 13 jornadas da segunda fase, o Torreense lidera a competição com 29 pontos, mais três do que o Famalicão, segundo classificado, que recebe, no Minho, o emblema de Torres Vedras, na quarta-feira, às 17:00.

O Estoril Praia conquistou em 2023/24 o seu terceiro título da competição, reeditando os feitos de 2020/21 e 2021/22, num historial que conta ainda como vencedores o Desportivo das Aves, na época inaugural, em 2018/19, e Estrela da Amadora, em 2022/23.

Por Lusa

O paradoxo do Papa Francisco – a religião importa

Escrevo este texto depois das cerimónias fúnebres do Papa Francisco, quando se prepara o conclave que procederá à eleição do novo pontífice romano.

Nos últimos dias, a esfera pública foi tomada por um coro de pronunciamentos sobre o que representa esta figura, no contexto da nossa contemporaneidade. Já o sabíamos, mas tornou-se mais patente: a figura do Papa Francisco suscitava um crédito muito mais amplo do aquele que é gerado pela instituição a cuja comunhão presidia.

É o «paradoxo do Papa Francisco». Em 2019, o sociólogo italiano, Luca Diotallevi, dava este título a um dos seus livros, propondo-se reformular as mais hegemónicas conceções sobre a secularização, precisamente a partir de uma interpretação deste paradoxo: como compreender esta dicotomia entre o carisma de uma liderança religiosa e o capital simbólico da instituição que ele representa?

As instituições religiosas, em particular, constituem-se como um tipo de organização estruturada a partir de um universo crente partilhado. Representam uma memória autorizada (e que autoriza). Os historiadores – e outros cientistas sociais –, escreveram sobre uma crise religiosa, vivida em particular no Atlântico Norte, na década de 60 do século XX. Mas essa crise não se confinou ao campo religioso. Ela dizia respeito as todas as formas de comunhão ideológica, como partidos políticos e outras formas de aliança para promover valores comuns. Estes estudos procuraram mostrar que, mercê de um conjunto de transformações sociais, os indivíduos apresentavam-se cada vez mais autónomos em relação às instituições, resistindo a ver o seu lugar no mundo como uma posição «pronta-a-vestir». Abria-se um espaço mais amplo para compreender as dinâmicas culturais a partir da singularidade biográfica dos indivíduos – «todos têm uma história para contar», e não apenas as vetustas instituições que transportam uma narrativa secular.

Mas essa afirmação de um novo protagonismo dos indivíduos, na sociedade, pode acontecer no interior das próprias instituições. No campo da autoridade religiosa – perspetiva que importa a este texto – tornou-se corrente observar que as instituições religiosas perdiam, em muitos contextos, a sua influência social, mas ao mesmo tempo, certos indivíduos religiosos adquiriam um enorme protagonismo na cena pública. «Virtuosos» da religião como Madre Teresa de Calcutá, João Paulo II, Desmond Tutu, Dalai Lama, entre outros, habitaram as diferentes mediasferas como referências fundamentais para muitos dos valores necessários a uma nova cidadania global a construir.

A força da operação biográfica abre amplas possibilidades de identificação pessoal com a narrativa do protagonista, sem a mediação do aparelho institucional. Por isso, é necessário ter uma história para contar.

No dia em que Francisco foi eleito e saudou pela primeira vez o mundo, na condição de pontífice romano, a esfera mediática agitou-se à procura das narrativas que pudessem dar corpo biográfico a esta figura, desconhecida para muitos.

Quantos católicos saberão os nomes de batismo dos Papas anteriores a João Paulo II? Provavelmente, poucos. E o fator decisivo não é a distância no tempo. Esse desconhecimento traduz uma determinada configuração do sujeito concentrado na sua função institucional.

Recentemente, todos reconheciam facilmente o nome polaco de João Paulo II, o nome alemão de Bento XVI ou o nome hispano-italiano de Francisco – o nome transporta uma história pessoal irredutível. O fenómeno da atração exercida por estes atores documenta, aliás, a relevância dos processos de recomposição individual e de emocionalização do crer. A sua circulação nas diversas mediasferas facilitou a bricolagem de sacralidades efémeras e emocionais. Logo no início do pontificado de Francisco, Ricardo Araújo Pereira protagonizava um sketch cuja narrativa exemplificava como a pessoa mais comum poderia receber um telefonema do Papa. Este era o novo emblema papal.

Muitos discursos públicos documentaram o reconhecimento de Francisco como uma espécie de «sumo sacerdote» de uma sacralidade à escala global. O cruzamento entre a força do seu lugar institucional com os traços do seu carisma pessoal permite a emergência de uma autoridade que não se limita já às fronteiras da eclesiosfera romana. Trata-se de uma transação entre a consagração da individualidade e o reconhecimento do lugar «sacral» desta figura.

Nesse sentido, as linguagens do sagrado transformam-se. O sagrado já não é servido por estratégias de ocultação e distanciamento, mas por linguagens de proximidade – um «Papa próximo das pessoas» repetiu o coro mediático, nos últimos dias.

A sociologia de Danièle Hervieu-Léger interpretou a figura do Papa enquanto «operador utópico», que promove uma territorialidade pessoal simbólica, reunindo indivíduos, antes disseminados, em torno de grandes causas para a humanidade.

Por isso, Francisco foi celebrado como aquele que deu voz a uma submodernidade que não se vê representada na agenda global: a voz do sul, da periferia, dos desalojados, dos refugiados, dos descartados. A enumeração poderia continuar, mas podemos resumi-la no «grito dos pobres e da terra». Reunindo, num vasto fresco humano, multidões que sofrem, no seu quotidiano, o impacto negativo de decisões políticas e de formas de organização económica, o Papa preencheu, em parte, a necessidade de novos protagonistas na construção da cidadania global – quando os Estados se encontram fragilizados e as instituições internacionais desmoralizadas.

Assim nos encontramos perante o paradoxo de Francisco. A sua voz é respeitada, os seus gestos aclamados, mas esse crédito não é facilmente transferível para a instituição a que ele preside. «Não acredito em Deus… não acredito na Igreja… mas tenho fé em Francisco», repetiu-se, por estes dias. No entanto, as palavras e os gestos de Francisco enraízam-se explicitamente na continuada releitura de uma tradição religiosa.

Este é um contexto favorável para uma renovada atenção ao contributo que as sabedorias religiosas e espirituais da humanidade podem dar à construção dos consensos necessários ao governo da «casa comum». Francisco, procurou na tradição cristã um imperativo para alimentar esse processo: fraternidade. Outras ideias matriciais podem ser encontradas em diferentes tradições religiosas e espirituais, se passarem do seu particularismo à esfera da razão pública que deve alimentar os nossos debates acerca de uma vida melhor para todos.

Nas suas páginas sobre a democracia, o filósofo Jürgen Habermas apelou a uma nova cultura, na qual as tradições religiosas possam ser uma fonte possível de sabedoria, válida para a construção de consensos, que vão para além do campo religioso – acerca da vida comum, do que percebemos como mais ameaçante ou do que não encontra voz noutros modos de agir sobre o mundo. Neste contexto, reivindicou a possibilidade de um agnosticismo disponível para novas aprendizagens – uma política aberta à crítica das práticas sociais, que pode ter origem nas comunidades religiosas. Afinal, a religião importa.

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