EUA podem ser a nova Turquia Economistas alertam que mercados financeiros estão a subestimar ataque de Trump à Fed


Os mercados financeiros ainda não refletiram totalmente os riscos associados à ofensiva de Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos da América (EUA) contra a Reserva Federal (Fed), segundo um inquérito realizado pelo pelo “Financial Times” junto de 94 economistas norte-americanos e europeus. A maioria dos inquiridos considera que as tentativas de pressionar a política monetária poderão ter consequências duradouras, incluindo inflação mais alta, instabilidade financeira e erosão da credibilidade da dívida pública dos EUA. Muitos já comparam os EUA com a Turquia.
Desde o início do seu segundo mandato, Trump tem multiplicado ataques contra o banco central mais poderoso do mundo. O alvo principal tem sido Jerome Powell, atual presidente da Fed, que foi insultado publicamente por se recusar a cortar taxas de juro este ano. Powell foi indicado por Trump, no seu primeiro mandato, mas a relação entre ambos nunca foi boa, com muitos reparos do republicano ao profissionalismo do líder do banco central.
Os economistas ouvidos apontam a comparação com a Turquia como inevitável, alertando que gerar o mesmo tipo de instabilidade, mas com o tamanho da economia norte-americana e a importância do dólar, é um enorme risco. Na última década, a Turquia teve seis governadores no banco central, que ocuparam, em média, o cargo durante menos de um ano e meio, sempre debaixo de pressão do poder político.
Uma das consequências das orientações pouco ortodoxas do Presidente Recep Tayyip Erdoğan é a desvalorização da moeda local: a lira turca perdeu mais de 80% do valor frente ao euro e ao dólar norte-americano, nos últimos cinco anos. A inflação no país é historicamente elevada, tendo atingido os 85% em outubro de 2022 – em maio deste ano, situou-se nos 35%.
“A Fed tornar-se-á uma marioneta do Governo”, alertou Christiane Baumeister, economista da Universidade de Notre Dame, ao “Financial Times”, refletindo a preocupação generalizada entre os participantes. Outros classificaram a situação como “horrível”, “caótica” e até “desastrosa”.
Independência vai perder-se
Mais de um quarto dos inquiridos teme que, até 2029, quando termina o atual mandato de Trump, a Fed já não consiga atuar de forma independente do poder político. Significa que as taxas de juro – que servem para gerir a inflação e a injeção de liquidez na economia – poderão passar a ser definidas, de forma indireta, pelo poder governamental.
Outros 45% consideram demasiado cedo para prever qual será o grau de autonomia do banco central nessa altura. Ainda assim, 28% mantêm algum otimismo, acreditando que, embora mais enfraquecida, a Fed continuará a desempenhar as suas funções. O Congresso surge como contrapeso, dado que a nomeação de governadores exige maioria no Senado. A audição para o mais recente nome proposto por Trump, Stephen Miran, está marcada para esta quinta-feira.
A expectativa partilhada por 52% dos participantes é de que, já em 2026, quando expira o mandato de Powell, a Fed passe a privilegiar a redução dos custos de financiamento do Estado e a criação de emprego, em detrimento da estabilidade de preços.
A visão dominante entre os economistas é clara: qualquer abalo na independência da instituição terá efeitos negativos na maior economia do mundo. “É um dos poucos pontos em que os economistas estão de acordo”, afirmou Rüdiger Bachmann, professor da Universidade do Michigan, sublinhando que a autonomia da Fed “garante inflação mais baixa e estável, além de estabilidade financeira”.
RONALD WITTEK/EPA
Inflação escala e dívida pública treme
Os riscos mais citados no inquérito foram a aceleração da inflação, identificada por 42% dos participantes, e a possível perda de confiança dos investidores na dívida pública dos EUA, apontada por 35%. Apenas um economista considerou que os ataques de Trump não representam um risco “significativo” para a economia.
Desde 1951, a Fed goza de independência formal na definição da política monetária. Presidentes anteriores já apelaram a cortes nas taxas de juro, mas nenhum de forma tão agressiva como Trump, que defende custos de financiamento em torno de 1% para estimular o crescimento.
Curiosamente, os mercados reagiram de forma tímida ao despedimento de Lisa Cook, apesar da gravidade do precedente. Isso contrasta com episódios anteriores, como as ameaças de Trump de demitir Powell, que provocaram forte agitação entre investidores. Para 82% dos economistas inquiridos, as intervenções da Casa Branca estão a ser incorporadas apenas parcialmente nas avaliações de mercado. Outros 12% defendem mesmo que ainda não foram tidas em conta.