O pastor bandido: como um abusador de menores se infiltrou numa vila portuguesa
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A vila portuguesa de Rio de Moinhos, a 16 quilômetros do centro de Penafiel, município do Porto, Norte de Portugal, nunca mais vai esquecer a manhã ensolarada de 17 de julho último. Foi naquele dia que a Polícia Judiciária prendeu um pastor evangélico de 46 anos, condenado no Brasil a 18 anos de prisão por abuso de menores.
O homem havia se infiltrado na vila depois de passar, incólume, legalmente, pela imigração portuguesa. Mesmo com o nome inserido da lista da Interpol, a Polícia Internacional, por ter fugido da Justiça brasileira, o mineiro conseguiu, há pouco mais de dois anos, vestir a roupa de cidadão de bem.
Logo que chegou em Rio de Moinhos, ele tratou de buscar abrigo na Igreja Evangélica Assembleia de Deus Madureira, de Paços de Ferreira, que, procurada pelo PÚBLICO Brasil, não se manifestou. Em nota, a Polícia Judiciária informa que o abusador de menores fazia parte de uma “comunidade religiosa, da qual era líder”.
Na visão do pastor, era o disfarce que ele precisava para não chamar a atenção. E foi assim por um bom tempo. O jeito pacato, de poucas palavras, não despertou suspeitas na vizinhança. Muito pelo contrário. Pela manhã, quando saía de casa por volta das 9h da manhã, fazia questão de esboçar um sorriso e dar bom dia a quem encontrasse pela frente. Na volta, o boa noite também era sagrado.
Durante um período, o procurado pela Justiça brasileira viveu sozinho. Mas acabou encontrando uma companheira, simulando o casamento perfeito. Contudo, a relação não foi muito longe. Seis meses antes de ele ser pego pela Polícia Judiciária, a mulher retirou o carro dela da garagem e nunca mais voltou. A vizinhança preferiu não saber o que havia se passado.
O pastor manteve a rotina. O horário de saída sempre cronometrado, o bom dia com meio sorriso, a volta para casa com horário marcado, entre 19h e 20h, e o boa noite a quem estivesse na rua. Na casa do homem condenado por pedofilia parecia que tudo continuava a correr dentro da normalidade.
Manuel Roberto
“Foi um susto quando vimos a polícia levando aquele homem para dentro do carro, preso”, diz ao PÚBLICO Brasil um morador da Rua do Estremadouro, com pouco mais de 500 metros de extensão. “Aqui sempre foi um local tranquilo. Jamais imaginamos que um criminoso, abusador de menores, um crime tão grave, pudesse estar escondido entre nós”, complementa ele, que pede anonimato.
Sem reação
A vizinhança do pastor bandido prefere não fazer muito alarde sobre o que se passou na manhã de 17 de julho. O desejo é de que prevaleça a imagem de tranquilidade que sempre foi característica do local. “Nunca vimos ninguém ser preso na nossa rua. Na verdade, nunca tínhamos visto a polícia entrar na nossa rua”, ressalta uma senhora também sob a condição de anonimato.
Ela lembra que, no fatídico dia, não foi apenas uma vez que a polícia transitou por ali. Pouco antes da prisão do pastor, os policiais fizeram uma ronda, conferiram se era mesmo o local que o criminoso se escondia e como seria feita a detenção. Tudo foi muito bem planejado, para que não houvesse chance de o pedófilo escapar. Foi ao sair para o trabalho que ele deu de cara com os agentes da Polícia Judiciária.
A abordagem policial foi tranquila, reconhece outro vizinho. “Os polícias pediram para ele se identificar e, com tudo confirmado, ele recebeu voz de prisão e não reagiu”, relembra. Havia algumas pessoas na rua, já incomodadas pela inabitual presença de um carro da polícia por ali. “Foi visível o constrangimento dele ser preso na porta de casa. E foi um choque para nós. Durante um bom tempo, ele se disfarçou bem”, complementa, sem dizer o nome.
Extradição para o Brasil
Na Rua do Estremadouro, ouve-se o canto dos pássaros, o uivo do vento, a corrida de cães. Um lugar perfeito para quem deseja esconder um passado de crimes. A ladeira bem íngreme para chegar ao seu final exige um certo esforço físico. A casa em que o pastor vivia, de dois andares, com vistas para as montanhas, fica quase na metade do trajeto. Ele morava no andar de cima.
Entre os moradores da rua, estima-se que a casa valha cerca de 400 mil euros. Eles dizem que, por ali, as moradias são bem ajeitadas, mas não há luxo, são imóveis, no entender deles, característicos de classe média. A residência que o pastor ocupava, por sinal, foi alugada em pouco mais de uma semana. “Depois do que aconteceu, estamos receosos. Esperamos que o que presenciamos em 17 de julho não se repita mais”, comenta mais um morador.
A expectativa de todos da Rua do Estremadouro é de que a Justiça portuguesa faça valer o que decidiu o Judiciário brasileiro, e mantenha o pastor detido. Segundo a Polícia Judiciária, logo após ser pego pelos agentes, o homem foi levado para o Tribunal de Relação do Porto, onde foi declarada a prisão preventiva dele. Ainda não há prazo para a extradição do pastor. Para isso, é preciso um pedido formal do Brasil. A última palavra para remoção do criminoso de Portugal será do Ministério da Justiça local. Procurada, a defesa do pastor não foi encontrada.
