Portugal a várias velocidades: a atratividade regional está a falhar


Portugal não é um país pequeno, é um país concentrado, centralizado e institucionalmente preguiçoso quando se trata de repensar a organização do seu território. A geografia administrativa permanece quase inalterada há décadas. A arquitetura da governação ignora, em grande medida, a diversidade de contextos regionais, e os fundos europeus, que deveriam ser o principal instrumento de transformação territorial, são frequentemente usados para reforçar o que já existe em vez de corrigir desigualdades.
A OCDE tem vindo a desmontar, com precisão analítica e base empírica robusta, a ilusão da homogeneidade territorial em Portugal. Os quatro relatórios publicados no âmbito do programa Rethinking Regional Attractiveness constituem uma avaliação sem precedentes sobre a capacidade das regiões portuguesas para atrair e reter talento, investimento e visitantes. As conclusões são claras: Portugal é um país a várias velocidades, com assimetrias profundas e modelos de desenvolvimento regional desconectados entre si.
O Norte apresenta dinamismo industrial e alguma capacidade de inovação, mas enfrenta riscos demográficos graves e fraca retenção de talento jovem. A Área Metropolitana de Lisboa concentra investimento, conhecimento e conectividade global, mas sofre de polarização funcional, fragmentação institucional e uma pressão habitacional insustentável. O Alentejo tem recursos naturais e espaço, mas regista os piores indicadores de coesão social, inovação e vitalidade económica. O Algarve vive da monocultura turística, com fragilidades digitais, exclusão territorial no interior e elevada exposição a choques externos.
O diagnóstico é consistente, transversal e conhecido. Não é a falta de dados, estudos ou planos estratégicos que impede a correção destas assimetrias. É a ausência de uma política territorial consequente, liderada por um Estado que continua a confundir centralismo com coesão.
Em vez de desenhar políticas públicas diferenciadas, adaptadas às especificidades de cada território, o Estado português insiste em aplicar soluções uniformes, tecnocráticas e indiferenciadas. Os Programas Regionais do Portugal 2030 continuam a ser moldados por lógicas setoriais verticais, com escassa integração territorial e pouca margem para estratégias genuinamente regionais. Os fundos europeus, em vez de promoverem transformação, são muitas vezes absorvidos por estruturas administrativas que reproduzem inércia, desperdício e subaproveitamento estratégico.
A política de coesão da União Europeia oferece instrumentos claros: especialização inteligente, governação multinível, monitorização por indicadores territoriais, reforço da capacidade institucional local. Portugal adere formalmente a estes princípios, mas não os concretiza. Os relatórios da OCDE demonstram que, fora da Área Metropolitana de Lisboa, o país falha sistematicamente em transformar potencial em atratividade. A taxa de emprego jovem no Alentejo é a mais baixa do país. O interior do Algarve permanece à margem da conectividade digital básica. O Norte perde talento qualificado para os mesmos centros urbanos que já concentram quase tudo. A governação intermunicipal é frágil, a cooperação regional é episódica e o planeamento integrado continua a ser uma exceção.
A fragmentação da governação territorial reflete-se também na incapacidade de alinhar políticas nacionais com os objetivos europeus. Enquanto a União Europeia insiste numa transição digital, verde e coesa, Portugal responde com planos genéricos, metas vagas e decisões que continuam a privilegiar os territórios já dominantes. A transição energética no Alentejo não se traduz em fixação de população ou renovação institucional. O sucesso turístico do Algarve não gera redistribuição de riqueza nem requalificação do interior. A concentração de investimento em Lisboa não é acompanhada por mecanismos de compensação que promovam equilíbrio funcional entre regiões.
O verdadeiro obstáculo à atratividade regional em Portugal é político. É o facto de continuarmos sem uma visão territorial integrada, sem descentralização efetiva, sem articulação real entre níveis de governação. O país precisa de deixar de ver o território como um espaço a gerir e começar a tratá-lo como um sistema a desenvolver. Isso implica reformar profundamente a governação local, criar instrumentos de planeamento intermunicipal vinculativo, assegurar recursos adequados às regiões e assumir, com clareza, que a coesão territorial exige escolhas difíceis, prioridades definidas e coragem institucional.
A atratividade regional não é um luxo analítico, é uma condição estrutural para o desenvolvimento sustentável, a justiça social e a competitividade económica. A Europa já o percebeu. Está a investir em regiões inteligentes, em territórios resilientes, em estratégias diferenciadas. Portugal, se quiser acompanhar, terá de fazer mais do que aceitar fundos: terá de transformar o seu modelo de decisão política.
As ferramentas estão disponíveis, os dados estão acessíveis, os diagnósticos estão feitos. O que falta é o essencial: vontade de mudar, e essa responsabilidade não é dos relatórios técnicos, é da governação central.
“Sem uma viragem estratégica clara, Portugal arrisca-se a perpetuar um modelo territorial desequilibrado, onde os recursos europeus alimentam a estagnação em vez de promoverem a convergência.”