Parar o regadio em zonas áridas, dessalinização e sensibilização. Especialista aponta soluções contra a seca

Parar o regadio em zonas áridas, dessalinização e sensibilização. Especialista aponta soluções contra a seca

Há dez anos, Portugal prescindiu de ter um instituto para a gestão integrada da água. Adriano Bordalo e Sá, hidrobiólogo e investigador do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, não percebe porquê.

“Portugal, que tem serviços para tudo e mais alguma coisa, deixou de há dez anos para cá de ter uma instituição para tratar dos assuntos da água”, lamenta o especialista em declarações à TSF.

“Não podemos, de maneira nenhuma, continuar a pensar ‘bom, a água para a rega é com o Ministério da Agricultura, água para uso doméstico é o Ministério do Ambiente, a água das relações luso-espanholas é com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a água das praias é com o Ministério da Saúde e por aí fora’. Isto não pode continuar.”

No início deste mês, a ministra da Agricultura e Alimentação, Maria do Céu Antunes, assinou um despacho que reconhece a situação de seca severa e extrema em 40% do território nacional, sendo no sul que se sente com mais gravidade. Bordalo e Sá não compreende a ação tardia do Governo perante o cenário grave que já se verifica no terreno.

“O Governo tomou tarde a decisão de declarar situação de seca, é verdade, mas também é verdade que nós, em Portugal, parece que queremos viver fora do contexto. Ou seja, nos últimos anos aumentámos substancialmente a área de regadio em Portugal, em particular na zona semiárida e mesmo árida do país, onde há menos água, que é a zona mais a sul e a zona do Alentejo. Isto é insustentável.”

Relativamente às soluções em cima da mesa para colmatar as falhas de abastecimento de água provocadas pela seca, o investigador é favorável a uma aposta na dessalinização. Adriano Bordalo e Sá acredita que o processo em Portugal, só não avança mais depressa porque acarreta vários custos.

“O decisor político sabe perfeitamente o custou que isso tem. E quando o metro cúbico de água seria vendido a um preço muito mais elevado, isso causaria possivelmente, agitação social”, aponta. “Com a agravante de que podemos salinizar a água e lançá-la no regadio. Há países que o fazem, mesmo dentro da União Europeia, só que nesses países a água para o regadio dessalinizada é subsidiada. Hoje, no regadio em Portugal, em muitos locais a água não é paga ou é paga valores irrisórios, na ordem de um ou dois cêntimos o metro cúbico.”

Bordalo e Sá diz que a situação de seca que se vive em Portugal, mas também em Espanha e na França, é um dos resultados mais visíveis das alterações climáticas. O especialista lamenta que entre a população haja muita resistência e pouca preocupação com o desperdício de água.

“Muitas vezes os sistemas de rega não são eficientes e nos sistemas de rega podemos desperdiçar mais de 50%” mas falta consciência para a necessidade de “termos uma gestão eficaz da água” em muitas zonas do país.

“No local onde estou, no entre Douro e Minho, os sistemas de rega automáticos, por exemplo, do milho, com uma frequência assustadora estão ligados ao meio-dia à uma da tarde ou às duas da tarde, ou seja, no período de maior calor. E com isto nós perdemos pelo menos um terço da água, que não chega nem à planta nem, ao milho, nem ao solo, porque se evapora”, exemplifica.

Bordalo e Sá defende que o Ministério da Agricultura devia levar ao terreno uma campanha de sensibilização dirigida aos produtores agrícolas.

Muitos pensam que “se sempre fizeram assim e se ainda têm água no seu poço, no seu furo, no seu ribeiro, no seu rio”, não precisam de fazer nada para mudar, “mas é urgente”, alerta.